O ano de 2009 na economia
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- Jurandyr O. Negrão
- 26/12/2009
A editora do Correio pede o tradicional artigo de retrospectiva do ano. Que tal revisitar o artigo sobre as perspectivas para 2009, publicado no início do ano, para verificar o que convergiu e o que divergiu em relação às expectativas então apontadas?
Brasil: enfim uma política anti-recessiva
Ao tratar da economia brasileira, aquele artigo partia da constatação de que, pela primeira vez em décadas, a política econômica doméstica tinha margem de manobra para adotar medidas voltadas a estimular a demanda interna num contexto de crise global (e, portanto, de saída de dólares do país). Em razão disso, o artigo previa uma série de manchetes a respeito da economia brasileira que tenderiam a ser publicadas ao longo do ano.
Todos os nove tipos de manchetes então previstos se confirmaram: "O setor tal pede socorro oficial" (muitos pediram, vários ganharam); "Governo reduz impostos" (várias vezes, beneficiando de automóveis e eletrodomésticos a materiais de construção e máquinas e equipamentos industriais); "Taxa de juros baixa" (várias vezes, embora já tenha parado de baixar); "Exportações caem" (e muito); "Crédito perde velocidade" (embora os bancos públicos tenham expandido extraordinariamente as suas operações, assumindo até operações não habituais – o BC financiou exportadores e o BNDES, normalmente dedicado a financiar investimentos, abriu linhas de capital de giro); "Inflação diminui"; "Superávit primário diminui" (ou seja, o governo reservou uma proporção menor das suas receitas para o pagamento dos juros sobre sua dívida); "vendas mais fracas"; "desemprego aumenta".
Estas duas últimas manchetes, no entanto, só foram vistas no início do ano. As vendas do varejo, estimuladas pela redução de juros e de impostos, reagiram mais depressa e com mais força do que muitos imaginavam. E o desemprego já no segundo trimestre parou de subir – o que surpreendeu até os mais otimistas.
Com isso, depois de ter sofrido um tombo muito forte na virada de 2008 para 2009 (reforçado pelo fato de que a indústria estava com estoques altos, acreditando na tese do "descolamento" do Brasil em relação à crise global), já no segundo trimestre o PIB brasileiro voltou a crescer. Foi uma retomada precoce, no quadro da crise global, ligada ao fato de que o mercado interno, que recebeu os fortes estímulos mencionados acima, tem maior peso na economia brasileira do que na grande maioria das demais (as exportações respondem por um oitavo do PIB, no Brasil, ao passo que na média mundial essa proporção supera um quarto).
A recuperação da atividade econômica prosseguiu no restante do ano, liderada pelo consumo. As previsões de uma desastrosa queda do PIB, majoritárias no início do ano, foram revistas: hoje se estima que de 2008 para 2009 o PIB tenha ficado estável.
Mundo: o PIB caiu pela primeira vez em décadas
A recessão global prevista no já citado artigo sobre as perspectivas para 2009 realmente ocorreu. Estima-se que o PIB do mundo tenha tido queda (pouco superior a 1%) – a primeira queda da atividade econômica mundial desde a Segunda Grande Guerra.
No final do ano, porém, todas as economias desenvolvidas já voltaram a crescer. Vai se dissipando o justificado medo de que o estouro da bolha de especulação financeira viesse a provocar um processo de deflação (ou seja, de tendência de queda dos preços) e de prolongada contração da atividade econômica.
Os governos dos países ricos fizeram um esforço gigantesco para contornar esse risco. O governo dos EUA, por exemplo, aumentou gastos e cortou impostos ao ponto de incorrer num déficit da ordem de 10% do seu PIB – uma proporção sem precedentes, que levará a dívida pública do país a dobrar num intervalo de apenas dois anos. Ainda assim, o desemprego subiu muito, atingindo mais de 10% dos trabalhadores (a taxa mais alta desde o início dos anos 1980).
Na Europa e no Japão os desdobramentos foram análogos: desemprego em alta, forte aumento do déficit e da dívida pública, recuperação incipiente da atividade econômica no final do ano (depois de uma queda muito acentuada).
O gigantesco esforço dos governos dos países desenvolvidos significou uma socialização de prejuízos (especialmente dos bancos e demais instituições financeiras) de escala nunca antes vista.
Naturalmente muitos contribuintes reclamam de ter de participar do esforço de salvamento dos bancos, sem terem sido "sócios" dos monumentais ganhos que os bancos obtiveram nos anos precedentes. A disputa em torno da nova regulamentação das atividades financeiras é enorme: as autoridades dizem pretender ampliar seu poder de supervisão para prevenir crises futuras, e os bancos resistem com unhas e dentes a qualquer perda de raio de manobra.
No calor da crise, muitos disseram que "somos todos Keynesianos novamente" – quase todos (mesmo os mais liberais) defendendo a intervenção do Estado para prevenir um desastre na economia. Mas o "recuo" dos extremistas liberais, dominantes desde os anos 1980, não significa uma capitulação. Muitos consideram a intervenção conveniente apenas em circunstâncias excepcionais (outros nem nessas circunstâncias).
Seria precipitado afirmar que 2009 marcou a reabilitação das políticas do Estado de Bem Estar nos países ricos, embora não caiba a menor dúvida de que, na ausência da forte intervenção estatal, a intensidade e a duração da crise econômica seriam muito maiores.
O desfecho dessa disputa não está dado. Os interesses ligados às finanças acumularam não só riqueza nas décadas de liberalização: eles acumularam também poder.
Jurandyr O. Negrão é economista.
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