Correio da Cidadania

Antes da magia, macroeconomia

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O PAC dos economistas ortodoxos

 

A avaliação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) lançado pelo governo em janeiro de 2007, como seria esperado, variou de acordo com a abordagem teórica e os interesses específicos de cada comentador. Para economistas heterodoxos, ou críticos à ortodoxia liberal-marginalista, o PAC teve o mérito de apontar na direção certa, aumento do investimento público.

 

Suas duas limitações foram:

 

a timidez desse movimento, que seria uma característica interna ao PAC e estaria associada à rigidez fiscal adotada por Lula desde o início de seu primeiro governo; a manutenção da política do Banco de Central de taxas de juros elevadas, esta última uma condicionante externa ao PAC.

 

Entre os economistas mainstream, e conseqüentemente, a opinião esmagadora dos meios de comunicação, o PAC deixou de atacar os dois principais problemas: os elevados níveis de gastos correntes e de carga tributária. Alguns desses economistas também enfatizaram a falta de propostas para reformar a previdência social e, muito marginalmente, por dever do ofício neoclássico, foi lembrada também uma suposta rigidez no mercado de trabalho e o ainda menos preciso “ambiente desfavorável aos negócios”.

 

Argumentos limitados

 

O argumento desse grupo de economistas, apesar de supostamente rigoroso, na verdade tem uma série de limitações lógicas e empíricas. Inicialmente, tudo mais constante, é impossível combinar corte de gastos e tributos com aceleração do crescimento e equilíbrio fiscal. Uma dessas variáveis tem que ser sacrificada. Como o equilíbrio fiscal tem se tornado uma peça retórica central e, supostamente, inatacável da condução da política econômica brasileira, certamente a vítima seria a aceleração do crescimento. Ao invés de PAC teríamos o PDC: Plano de Desaceleração do Crescimento. Obviamente isso não quer dizer que cortes de impostos não sejam expansionistas. São, de acordo com qualquer livro texto, ao criar déficit público e assim estimular a demanda agregada.

 

A combinação acima, proposta pelos economistas ortodoxos e encampada pela grande imprensa e algumas associações patronais, só poderia ter chance de sucesso retirando-se o “tudo mais constante” do parágrafo anterior. Caso a elasticidade do investimento ao preço de oferta do bem de capital fosse muito elevada, um corte nos tributos que incidem sobre bens de capital poderia estimular a compra de máquinas a ponto de compensar a retração do gasto público direto corrente. Infelizmente, estudo empírico recente mostra que tal relação não é forte. Confirmando a hipótese Keynesiana, o investimento no Brasil é mais sensível ao comportamento da demanda, seguindo o mecanismo do acelerador. Exatamente nesse ponto entra a importância fundamental da mudança da política fiscal e monetária para que finalmente se acelere o crescimento da nossa economia.

 

A necessidade de flexibilização da política monetária

 

Uma política monetária mais razoável, ou seja, taxas de juros em níveis, pelo menos, semelhantes aos de países em desenvolvimento, teria um impacto positivo sobre a demanda por crédito para consumo. Vale lembrar que nesse caso a taxa de juros relevante é a do crédito ao consumo e não a taxa básica do governo (SELIC). É de se esperar que a redução do custo de captação básico dos bancos reduza a taxa de crédito ao consumidor final. Entretanto, como o próprio FMI reconhece, o mercado financeiro brasileiro não é competitivo. Caberia, então, ao governo, se tal redução na ponta do crédito não ocorresse, mesmo diante de uma redução mais substancial da SELIC, intervir, seja através de regulação mais dura ou utilizando com mais agressividade seus bancos públicos.

 

Independente desse aspecto relacionado à demanda de crédito pelo setor privado, a redução da taxa básica paga pelo governo em seus títulos já traria uma folga à política fiscal. Hoje em dia o governo tem como meta fiscal uma estabilidade (ou leve redução) do estoque da dívida pública em proporção do PIB. O instrumento para alcançar tal meta é o superávit primário - a diferença entre todos os gastos e receitas do governo menos os juros -, uma vez que tais juros são uma variável exógena, resultado da política monetária do Banco Central. Grosso modo, a atual política fiscal é não expansionista porque compensa uma enorme carga de juros pagos pelo governo com uma economia de mais 4,5% do PIB nos gastos e receitas correntes. O problema é que os juros são pagos, em grande maioria, às famílias mais ricas, como já dito, com uma baixa propensão a gastar. Assim, gera-se um superávit primário, ou seja, uma retirada de poder de compra da economia, que é transferido a um grupo social que gera menos demanda agregada. Mesmo que o déficit total seja ligeiramente negativo, o impacto sobre o gasto agregado será, possivelmente, contracionista.

 

E o que ocorreria se houvesse a redução dos juros? O inverso dessa situação: para um mesmo déficit público total poderia haver uma redução do superávit primário, ou seja, uma política fiscal expansionista. Além disso, mantido o equilíbrio fiscal não haveria expansão da dívida pública.

 

É possível equilíbrio fiscal e estabilidade da dívida pública na estagnação?

 

A possibilidade de execução de uma política fiscal mais expansionista passa pela análise da seguinte pergunta: equilíbrio fiscal e a meta explícita do governo de estabilidade, ou leve redução, do estoque de dívida pública sobre PIB são compatíveis numa economia não estagnada?

 

A resposta a esta questão é negativa.

 

Numa economia em crescimento não há nenhum problema em se incorrer em déficit público, caso o objetivo explícito de política fiscal seja uma meta de dívida pública, desde que o valor desse déficit, e por conseqüência do crescimento da dívida que o financia, seja igual ou inferior ao do crescimento do PIB. Aliás, caso alguém queira manter respeito à álgebra elementar verá que uma meta de déficit zero com crescimento do produto gera uma relação dívida pública sobre PIB que tende a zero.

 

A título de ilustração vamos transformar esse argumento abstrato em exemplo concreto na tabela abaixo:

 

  Cenário 1 (%) Cenário 2 (%)
Relação Dívida PIB 50 50
Taxa de Crescimento 4 7
Déficit Público Agregado 2 3,5
Juros Básicos 10 7
Superávit Primário 3 0,1

 

Suponhamos que o governo tenha como meta estabilizar o estoque da dívida sobre o PIB em 50% e que os juros básicos sejam de 10%, muito altos, já sabemos. Suponhamos, também, que o governo implemente medidas de redução dos juros na ponta do tomador. Essa medida estimularia o crescimento econômico. Nesse caso, o governo poderia também contribuir para um maior crescimento com a redução do superávit primário dos atuais níveis para 3%. Ou seja, deixaria de transferir cerca de R$ 30 bilhões para as famílias ricas, com menor propensão a gastar, estimulando assim a demanda agregada.. Esse cenário é factível com um crescimento do PIB, absolutamente modesto, de 4% ao ano, como exposto no cenário 1.

 

Sejamos um pouco mais ousados; mas nem tanto: Suponhamos uma taxa de crescimento de 7% do PIB. Nossa ex-taxa histórica, até os anos 1980, e atual taxa histórica de vários países em desenvolvimento, inclusive de vizinhos da América Latina. Vamos reduzir os juros para níveis ainda incivilizados de 7% ao ano e manter a meta de dívida em 50% do PIB. Nesse caso, o governo poderia incorrer num déficit público de 3,5% do PIB e praticamente eliminar o superávit primário (chegaria a menos de 0,1% do PIB). Deixaria, dessa forma, de economizar cerca de R$ 100 bilhões, que transfere hoje para pagar juros. Poderia assim, se quisesse, diminuir a tão famigerada carga tributária, ou quem sabe, investir mais em educação, saúde, segurança etc...

 

As simulações muito simples, apresentadas acima, mostram como um relaxamento na ortodoxia da condução da política monetária e fiscal pode trazer um impacto extremamente positivo sobre a perspectiva de crescimento da nossa economia.

 

Não há dúvida que há muito espaço para se avançar nesta direção sem que seja necessário recorrer a teses abstrusas, aparentemente herdeiras do exótico “supply side economics”, e sem fundamento científico lógico ou empírico.

 

 

1 Caputi, M.T.L (2005) “Um Modelo de Investimento Aplicado ao Brasil”, Dissertação de Mestrado do IE/UFRJ, disponível na base Minerva da UFRJ: www.minerva.ufrj.br

 

2 Ver Belaisch, A (2003) “Do Brazilian Banks Compete ?“ IMF Working Paper No. 03/113 disponível no seguinte endereço eletrônico: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=879189.

 

Carlos Pinkusfeld Bastos é professor adjunto da faculdade de Economia da UFF.

 

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