Microsoft/Apple: barreira ao conhecimento livre
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- José Carlos Moutinho
- 18/10/2011
Não é por falta de tecnologia que os meios de comunicação das elites hegemônicas, no Brasil e no mundo, estejam ignorando as manifestações que estão ocorrendo em Wall Street, enquanto os noticiários repetitivos elevam Steve Jobs à categoria de semideus. Remetendo-nos, em parte, à teoria da sociedade de controle de Gilles Deleuze (1992) e aos filtros de Noam Chomsky (1988), o fluxo de informações é manipulado ao gosto dos meios hegemônicos.
Os norte-americanos (via redes sociais) promovem protestos importantes contra as corporações que controlam o sistema financeiro e os meios de comunicação. São atos em frente a sedes de bancos, como o Federal Reserve (FED), em frente às mansões de magnatas, como o Ruppert Murdoch, entre outros. Mas tais atos não são devidamente noticiados, são ofuscados. O Youtube está repleto de vídeos sobre o movimento “Occupy Wall Street”.
Com todo respeito à memória de Steve Jobs e suas inovações, como entender a prioridade dos noticiários (em clima de comoção) à tecnologia da Apple no lugar do ser humano? O dinheiro fala alto e correm para salvar a si mesmos, em detrimento do povo.
Então, como solução temporária, ofuscam as manifestações para, talvez, minorar o pessimismo do “senhor mercado”. Assim, resolveram, com o característico senso de oportunidade que possuem, eleger Steve Jobs semideus. A mídia grande, obediente que é, faz o marketing.
Longe desses holofotes, o setor tecnológico também vive uma intensa luta entre o software proprietário e software livre. É a luta do conhecimento. Hoje, diferentemente dos primórdios da informática, a população tem em suas mãos ferramentas que lhe proporcionam a grande chance de escolher entre a prisão e a liberdade; se fica apenas consumindo ou se, ao mesmo tempo, consome e produz conhecimento.
O jovem software livre está, há muitos anos, sob cerco do oligopólio Microsoft/Apple, sucessor do monopólio da IBM. É preciso derrubar as barreiras tecnológicas impostas pelo atual sistema hegemônico, que priva não só os cidadãos como também os empreendedores pequenos e médios e o setor público – obrigados a dispor altíssimas somas para renovar as licenças dos sistemas gestados por Gates e Jobs.
Não chorem por Jobs, amigos
Embora em terceiro lugar (entre 1% e 2% nas pesquisas), contido apenas pela muralha MS/Apple, o Sistemas Operacional (SO) livre GNU/Linux, o mais jovem de todos, já conta com uma fantástica legião de programadores, usuários e fãs no mundo inteiro. São vários os tipos de GNU/Linux, como os que constam da DistroWatch: Ubuntu, Linux Mint, Fedora, OpenSUSE, Mandriva e tantos outros. Os brasileiros têm se destacado muito bem nessas comunidades e criaram interessantes versões GNU/Linux. Com uma simples pesquisa na rede, o internauta constatará a intensa atividade desses usuários, técnicos, fóruns e suportes.
Contra essa corrente do conhecimento livre, o sistema promove Bill Gates e Steve Jobs a semideuses, como forma de impor aos mortais (abaixo da pirâmide social) uma visão de mundo que não bate com a realidade das pessoas.
O modesto articulista aqui, por exemplo, desde 2000 é um feliz usuário de Linux; no momento usa o Linux Mint 11 – um SO totalmente gratuito, com permanentes atualizações de segurança e softwares em dia, sem problemas com vírus e travamentos.
Quem quiser colaborar financeiramente, pode fazê-lo. Basta fazer uma doação ou adquirir via internet uma cópia em DVD por um preço baixíssimo (cerca de R$ 20) e receber confortavelmente em casa o seu GNU/Linux preferido. Mas o internauta pode baixar o SO gratuitamente da internet. O sistema vem com todos os programas para se trabalhar com muita dignidade. Há versões para várias necessidades e computadores – do mais antigo ao mais atual, com pouca ou muita memória.
E os aprisionados pela MS/Mac? No final de 2010, era possível ter atualização gratuita do Mac OS X, da Apple (para quem comprou o computador de Jobs). Esse processo foi até a versão 7, depois a atualização passou para cerca de US$ 100. O Windows (versão doméstica) custa acima de R$ 300 e versões profissionais acima de R$ 600. Somam-se, ainda, os pacotes de escritório, acima de R$ 100 (versão para estudantes), de R$ 400 (doméstica e escritório) e de R$ 1000 (profissional). Haja grana...
A versão do Mac OS 10, em 2010, foi um desastre, cheia de bugs, provocando protestos. A Apple aplacou os ânimos dos usuários com a distribuição gratuita (nas lojas) do Mac OS 10.1 (corrigido), ou via correio pelo preço de US$ 20. O sistema é bonito, mas só roda nas caríssimas máquinas da Apple. No máximo, podemos usar o recurso da virtualização, com o chamado VirtualBox, que pode rodar o Mac OS no Linux ou no Windows. Essa possibilidade é recente, de 2010, que esbarra em questões legais. A Apple não permite a instalação do Mac OS para além de seus computadores.
Então, que revolução tecnológica é essa encabeçada por Jobs? Revolução tecnológica movida a generosos pagamentos, quando, na verdade, o kernel (núcleo) do Mac OS é baseado no Unix. O GNU/Linux também partiu do Unix, mas é um software livre. Não se pode confundir o Linux com Unix, pois há diferenças consideráveis que não cabe aqui citar. E mais: a própria Apple, em seus manuais, ainda resistindo, reconhece o uso de algumas características do Linux, como as múltiplas áreas de trabalho.
O Mac não é revolução tecnológica nenhuma, no máximo limitada, uma vez que serve mais a uma camada da sociedade, basicamente a classe A. Revolução tecnológica é quando se consegue oferecer ferramentas, a preços populares, à imensa maioria da população.
Em termos de máquina, o bom e velho PC foi mais longe do que o bonitão Mac. O usuário do Mac não pode nem pensar em sair de sua casa e atravessar a rua para comprar uma nova memória ou outro dispositivo que não sejam da própria Apple. Já um usuário de PC pode, com tranqüilidade.
Por essas e muitas outras questões técnicas e ideológicas mais profundas, que podem ser competentemente apresentadas por especialistas em TI, temos que dar crédito à manifestação corajosa de um verdadeiro gênio, nada divulgado pela mídia grande: Richard M. Stallman, norte-americano e fundador da Free Software Foundation (FST) e do projeto GNU General Public License, pioneiro em software livre, iniciado em 1984. Ele, aliado ao criador do Linux (1991), o finlandês Linus Torvalds, consolidou o projeto GNU/Linux (1).
A prisão Gates/Jobs
Em 6/10, disse Stallman em seu blog (2): “Steve Jobs, o pioneiro do computador que é uma prisão, mas que parece ser cool, projetado para privar os tolos de sua liberdade, morreu. Como o prefeito de Chicago Harold Washington disse uma vez sobre o ex-prefeito corrupto Daley, ‘Eu não estou contente por ele estar morto, mas estou feliz porque ele se foi’. Ninguém merece ter que morrer - nem Jobs, nem Bill (Gates), nem mesmo as pessoas culpadas por males maiores que os deles. Mas todos nós merecemos o fim da influência maligna de Jobs na computação pessoal. Infelizmente, essa influência continua apesar de sua ausência. Podemos apenas esperar que seus sucessores, tentando levar adiante o seu legado, sejam menos eficazes”.
Stallman está coberto de razão. O surgimento do GNU/Linux libertou uma série de técnicos da prisão em que se encontravam, podendo manifestar suas habilidades num trabalho cooperativo global, via internet. A dupla MS/Apple representa, no momento, uma barreira séria para libertar a sociedade das amarras desse oligopólio.
A W3Counter, em setembro de 2011, divulgou o seguinte ranking dos Sistemas Operacionais mais usados no mundo: Windows XP vem em primeiro lugar (34,93%), seguido do Windows 7 (34,88%), Windows Vista (9,90%), Apple OS X (8,45%), Apple iOS (2,99%); em sexto lugar, o Linux (1,61%) e em sétimo o Android (1,18%), que é baseado em Linux.
Para evitar o avanço do software livre, o sistema procura endeusar Gate/Jobs e manter intacta a barreira MS/Mac. Por seu turno, a mídia ignora a importância do software livre, do microcomputador a preço popular nas escolas e universidades e a considerável economia para os cofres públicos por meio da adoção dos programas livres.
Ao contrário da Apple, o GNU/Linux, com todos os entraves que vem sofrendo, está conseguindo tornar realidade os microcomputadores em milhões de lares.
Um desafio para a atual e futuras gerações será estar atento e consciente sobre os sistemas de controle atuais, forjados pelas corporações através de suas “maravilhas tecnológicas”, que nos ajudam, mas acirram a sociedade de controle e a vigilância, ainda que virtual.
No fechamento deste artigo (13/10), notícias deram conta do falecimento do pesquisador norte-americano Dennis MacAlistair Richie, aos 70 anos, criador da Linguagem C e co-responsável pela criação do sistema Unix. É lamentável a morte de um grande nome que desenvolveu, na década de 1970, uma ferramenta até hoje usada amplamente. Mas Richie está um anônimo ante os noticiários sobre Jobs. “Unix é muito simples, ele só precisa ser um gênio para compreender a sua simplicidade”, disse Richie certa vez.
Notas:
(1) Para conhecer as diversas distribuições Linux, há vários sites no Brasil e no exterior. Comece por Guia do Hardware – http://www.hardware.com.br, a Revista Espírito Livre – www.revista.espiritolivre.org e o ranking Linux - http://distrowatch.com/
(2) http://stallman.org/archives/2011-jul-oct.html#06_October_2011_%28Steve_Jobs%29
José Carlos Moutinho é jornalista.