Afinal, o que quer a burguesia?
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- Paulo Passarinho
- 20/04/2016
O dia 17 de abril de 2016 entrará para a história do Brasil como um dos mais deprimentes exemplos da degradação política a que chegamos, com o país mostrando a sua cara e sua indigência moral e intelectual.
O país inteiro teve a oportunidade de assistir uma Câmara de Deputados composta, em sua esmagadora maioria, por parlamentares que mostravam o seu quilate nas bizarras e patéticas declarações ou justificativas de seus votos. Mais grave, ainda: tudo se passando sob a presidência de um réu no STF, acusado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, que aguarda (?) decisão desta mesma Corte sobre o seu próprio afastamento desse posto, por, de acordo com pedido do procurador-geral da República, usar o cargo em benefício próprio, integrar organização criminosa e tentar obstruir investigações criminais.
Foi este mesmo réu a grande liderança do gravíssimo processo de impedimento de uma presidente da República, que chegava ao seu final no âmbito da Câmara. Fora ele mesmo que aceitou e deu seguimento a uma representação contra a presidente, pedindo o seu impedimento por crime de responsabilidade, sob a acusação de manobras fiscais e orçamentárias. Essa decisão foi tomada após o partido da presidente ter optado, naquela mesma casa, por garantir os votos que lhe levariam à Comissão de Ética. Uma decisão monocrática e eivada de vingança.
Agora, essa curiosa e deprimente instância de poder e representação política decidiu aceitar a admissibilidade de um processo que poderá levar Dilma ao seu impedimento, de acordo com a vontade de uma campanha de massa sob o comando – político e financeiro – de entidades empresariais e redes nacionais de televisão.
Não quero aqui tratar das imensas e maiores responsabilidades do NeoPT e de seu comandante Lula pela situação em que nos encontramos. Mas é inevitável apontar que o padrão conciliatório de governabilidade, defendido desde 2002 e assumido pelo movimento lulista, foi rotundamente derrotado. E, na luta contra o impedimento, mais um show de incompetência foi dado, com a tentativa frustrada de encontrar uma saída para o governo através de um esdrúxulo acordo com o bloco PP/PDS/PR.
No entanto, quais são de fato os interesses que levam a burguesia brasileira, através de suas entidades de classe e algumas organizações empresariais, a investir na deposição do governo Dilma?
Este, o governo Dilma, desde que reeleito, tem procurado absorver e assumir o receituário liberal ortodoxo para enfrentar a crise. Talvez o seu erro mais grave, dentre muitos, tenha sido justamente esse: a total mudança entre o seu discurso de campanha e as medidas e propostas de ação feitas logo após. Jogou o país na recessão e no desemprego, procurando se aproximar dos setores econômicos hegemônicos, no momento em que as investigações da Lava Jato lhe pressionavam. Não afastou a crise, pelo contrário, e manteve-se vulnerável à República de Curitiba.
O receituário liberal, por sua vez, não apresenta nenhuma alternativa de superação da crise. Resume-se a uma estratégia defensiva desses setores hegemônicos – bancos e multinacionais, brasileiros e estrangeiros – e pode ser sintetizado por procurar:
- controlar parcelas ainda maiores do orçamento público, principalmente através da manutenção de elevados dispêndios com o pagamento de juros da dívida pública e da ampliação da desvinculação de receitas orçamentárias vinculadas às áreas sociais;
- reduzir o custo do trabalho, através de uma nova alteração na legislação trabalhista, restringindo direitos e flexibilizando normas de negociação entre patrões e empregados.
- abrir novas oportunidades de negócios privados, através de novas mudanças nas regras da previdência social pública – estimulando os programas de previdência complementar privada; avançando nas privatizações no âmbito da Petrobrás e do setor elétrico, bem como no restante do setor de infraestrutura, via concessões; e abrindo a área do pré-sal, com a abolição da atual Lei de Partilha.
É verdade que o governo Dilma em boa medida se rendeu a esse “programa”, mas sem a capacidade de aglutinar as forças parlamentares suficientes para viabilizar algumas medidas pontuais – como a própria volta da CPMF -, ao mesmo tempo em que encontrava resistências em sua própria base histórica de apoio, como as Centrais Sindicais. Mas, claramente, se esforçou. Trouxe para o seu ministério uma líder de classe do agronegócio, Kátia Abreu; um líder do setor industrial, Armando Monteiro, e nomeou para o ministério da Fazenda um executivo do setor bancário, Joaquim Levy.
Além disso, o NeoPT no governo, desde 2003, ajuda a atenuar pressões que tenham origem nos movimentos sociais, especialmente nas áreas de influência da CUT e do MST. O que se pretende, portanto, com a ofensiva pró-impeachment?
Tudo indica que a intenção maior seja acelerar a efetivação das medidas e “reformas” da agenda liberal. Entretanto, com a possibilidade de remoção de Dilma de forma tão questionável, jogando para a oposição – e com muito ressentimento – o domesticado NeoPT, afrontando os movimentos sociais e partidos da esquerda que não se rendeu, além de passarmos a ter como novo presidente uma questionável figura como Michael Temer, está claro que tempos de muita tensão, conflitos e embates estão por vir.
Um “programa” de natureza tão antipopular e atentatório à soberania nacional, em meio à grave crise econômica que se traduz em desemprego e perda de renda dos trabalhadores, somente será possível de se viabilizar em um contexto de aberta violência e repressão aos setores organizados do povo.
Contando, certamente, com o ambiente de desmoralização e abatimento do NeoPT, as classes empresariais que comandam esse processo de impeachment talvez estejam fazendo o cálculo político da possibilidade de avançar e, se for o caso, reprimir com rigor qualquer tentativa de resistência mais organizada. Afinal, até mesmo uma Lei Antiterrorismo vai sendo deixada pelo lulismo, para ser usada contra os movimentos que porventura venham a se insurgir.
Essa é uma variável, portanto, que não pode neste momento ser desconsiderada ou menosprezada. E o caminho, talvez, para procurar inverter a tendência será abortar a construção dessa estratégia de conflito que está sendo construída, de forma contundente e imediata.
Penso, assim, que a única maneira no momento para se viabilizar uma contraofensiva dos setores populares, em relação aos propósitos de tais segmentos da burguesia, é colocar a peça-chave do golpe parlamentar em curso na berlinda: torna-se, assim, essencial questionar a posição de Michael Temer.
Em seu primeiro posicionamento público, após a derrota que sofreu na Câmara dos Deputados, Dilma Rousseff fez duros ataques a Temer, chamando-o, com toda razão, de conspirador e traidor. Deveria tê-lo, também, desafiado – em nome da decência e da sua própria coerência – a ter a coragem e honradez de sua própria renúncia.
Afinal, ele praticou os mesmos atos administrativos que embasam os supostos crimes de responsabilidade que poderão implicar o afastamento de Dilma. Além disso, desrespeitando os milhões de votos recebidos pela presidente - que agora ele pretende depor, com seus aliados da estirpe de um Eduardo Cunha ou de um Moreira Franco -, é absolutamente imoral e incoerente que ele se torne o beneficiário desses mesmos votos que não lhe pertencem.
Não tenho ilusões com relação à decência ou coerência de uma sinistra figura como Temer. Mas, creio que, com o “conjunto da obra” do atual vice-presidente, também citado em delações e investigações da Lava Jato, seja possível um amplo movimento de contestação a sua eventual ascensão à presidência da República. Esta será a melhor maneira, neste momento, de se criarem dificuldades para as obscuras intenções de nossa criminosa burguesia.
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Paulo Passarinho é economista.
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