O modo socialista de governar: caso de Pernambuco (1)
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- Heitor Scalambrini Costa
- 15/02/2013
Pernambuco, estado de grandes tradições libertárias, encontra-se hoje governado pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Nascido há 65 anos, teve sua existência interrompida pela ditadura militar por 20 anos (1965-1985), retomando suas atividades em 1985. Teve como presidente, a partir de 1993, Miguel Arraes de Alencar e, desde 2008 até hoje, quem o preside é seu neto, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos.
Em sua página na rede Internet, o manifesto do PSB tem como lema “Socialismo e Liberdade”, e apresenta 11 princípios que o orientam. Cabe mencionar o item VII que afirma que “o objetivo do Partido, no terreno econômico, é a transformação da estrutura da sociedade, incluída a gradual e progressiva socialização dos meios de produção, que procurará realizar na medida em que as condições do país a exigirem”. Verifica-se neste ponto a maior contradição entre o que está escrito e o que se pratica (dizer e fazer). Nunca é tarde para lembrar que uma das diferenças fundamentais entre o capitalismo e o socialismo é que este propõe a socialização de todas as formas produtivas, como indústrias, fazendas etc., que passam a pertencer à sociedade e são controladas pelo Estado, não concentrando a riqueza nas mãos de alguns. Portanto, socialismo é sinônimo de uma sociedade que aboliu a propriedade privada capitalista dos meios de produção, os quais passam a ser propriedades cooperativas ou coletivas dos criadores das riquezas, os trabalhadores.
Bem, vejamos o caso de Pernambuco, cujo governador socialista é o presidente do PSB. Eleito em 2005 e reeleito em 2010, possui hoje um dos maiores índices (senão o maior) de aceitação popular entre os governadores da República. Seu governo é mostrado ao país e exterior com uma gestão eficiente, moderna, democrática e transparente. Uma atuação midiática (aí sim eficiente) pulverizada pelo Brasil, sem contenção de recursos financeiros, mostra dia após dia uma agenda positiva, de grande gestor, jovem, dinâmico, competente, atraindo empresas para Pernambuco, em particular para o Complexo Industrial Portuário de Suape. Além do amplo respaldo da grande mídia estadual com histórica tradição adesista (não importa qual governo). Conta com interlocutores no grande empresariado nacional, na siderurgia (em particular), energia, banqueiros, no setor industrial em geral e no comércio. Permitindo assim que circule, e seja bem aceito no universo das grandes corporações. Portanto, aceito pelo povo e pelos empresários, este seria o homem certo para governar o país?
Mas vejamos como pensa e age este político de berço, conforme seus interesses que hoje se concentram em viabilizar sua candidatura à presidência da República. De início, o fato de falar em nome de um Partido Socialista que propõe a transformação estrutural da sociedade com a socialização dos meios de produção, frente à sua ação à frente do executivo pernambucano, demonstra o quanto há de propaganda enganosa em sua gestão e no partido que comanda.
Como ex-integrante do governo Lula, foi ministro de Ciência e Tecnologia (MCT) de janeiro de 2004 a julho de 2005, em substituição ao ministro Roberto Amaral (também do PSB, o mesmo que publicamente declarou que o Brasil deveria construir sua bomba atômica). Na sua curta passagem pelo MCT defendeu a ampliação das atividades nucleares no país, realizando a revisão e o soerguimento do Programa Nuclear Brasileiro. Apoiou financeiramente a reestruturação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Como governador, defende a instalação de uma usina nuclear em Pernambuco.
Além disso, articulou e foi um dos maiores defensores, juntamente com o ministro da Agricultura da época, Roberto Rodrigues, do uso das sementes transgênicas, sem que se levasse em consideração o princípio da precaução, da prevenção e dos possíveis riscos desta tecnologia. A votação da lei 11.105/05 que instituiu a Política Nacional de Biossegurança chegou ao seu desenlace de forma revoltante para os movimentos ambientalistas e sociais, e para muitos cientistas. Na verdade, foi uma traição (mais uma) do governo Lula ao seu programa eleitoral, onde uma visão de prudência sobre a transgenia aparecia em 3 capítulos; o do meio ambiente, o da saúde e o do Fome Zero. Com esta lei, pela primeira vez foi aberta uma exceção para a obrigatoriedade do licenciamento ambiental, que somente será exigido quando a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) assim decidir. Desde sua criação em 2005, a CTNBio nunca exigiu licenciamento ambiental para a pesquisa e produção de organismos geneticamente modificados (OGM´s). Em 2012, a produção de soja geneticamente modificada no Brasil (chamada popularmente transgênica) alcançou 89% do total produzido, enquanto que, do total de milho, chegou a 85% da área plantada.
Ao se candidatar ao governo de Pernambuco, seu discurso era de lutar contra a guerra fiscal, pois na época afirmava que ela destrói a República, o federalismo. Atualmente participa ativamente em aprofundar a guerra fiscal. Nesta guerra com outros Estados pela conquista de empreendimentos, é corriqueiro realizar renúncias tributárias, financeiras e creditícias, sem que a sociedade pernambucana se dê conta do montante do comprometimento das receitas futuras. É comum também oferecer como contrapartida a um empreendimento a realização das obras de terraplanagem ou de acesso viário. Para contornar as exigências do serviço público, como a elaboração de projeto básico e executivo, licitações, o estado acaba financiando a obra, sem a cobrança de juros. A criação do Proinfra em 2011 prevê a concessão de descontos no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e funciona de maneira cumulativa com outros incentivos.
Para o desenvolvimento do estado (talvez para o país?), sua proposta é de crescimento predatório, com completo desrespeito ao meio ambiente. Em Pernambuco, nunca se desmatou tanto em tão pouco tempo, como em seu governo. Em 27 de abril de 2010, foi aprovado pela Assembleia Legislativa de Pernambuco o projeto de lei do Executivo no 1.496/2010, que autorizou o desmatamento de 691 ha (508 de mangue, 166 de restinga e 17 de mata atlântica). Inicialmente se previa desmatar 1.076 ha (área total equivalente a 1.000 campos de futebol) de vegetação nativa: 893,4 hectares de mangue, 17,03 de mata atlântica e 166,06 de restinga, para a ampliação do Complexo de Suape. A votação foi simbólica, do tipo: os deputados que são favoráveis permanecem sentados e os que são contra ficam de pé. Com ampla maioria no Legislativo estadual, não houve nenhum problema na aprovação do desmatamento. Também, recentemente, a lei no 14.685/2012 de 31 de maio foi aprovada, consentindo o desmatamento de área correspondendo a 1.500 campos de futebol, de caatinga que está na rota da transposição. A justificativa foi de integrar os eixos norte e leste com as bacias hidrográficas de 8 municípios pernambucanos. Trata-se do maior desmatamento de vegetação nativa já legalizada em nível estadual. Nestes casos, o governo propõe os desmatamentos e ele próprio autoriza, visto que a bancada governista na Assembleia Legislativa é majoritária.
Mesmo com as promessas de compensação ambiental (como se fosse possível!!!), e com ampla propaganda enganosa na mídia de que o meio ambiente está sendo preservado, o que se verifica na realidade é que as exigências feitas pelo Ministério Público Estadual em relação aos Termos de Compromissos assinados entre as partes, para efeitos de compensação e recuperação ambiental, não são cumpridos integralmente em Suape (cumpridos somente na propaganda). Até hoje o MPE não sabe onde exatamente houve este replantio de mais de 1 milhão de hectares anunciados pela propaganda oficial, com ampla divulgação, em página dupla, nos três jornais de maior circulação no estado em 17 de janeiro de 2012. No que concerne à devastação da caatinga, nem mesmo a compensação ambiental foi anunciada. Verdadeiro crime contra a natureza (e com as pessoas que necessitam dela) está ocorrendo em Pernambuco.
Além da destruição ambiental em Suape e no Sertão, outra violência está sendo cometida contra os moradores daqueles antigos engenhos onde se localiza o Complexo de Suape. Os direitos de mais de 15.000 famílias estão sendo violados, com a omissão dos órgãos que deveriam zelar pelo cumprimento das leis, mas que fazem “vista grossa”. A retirada do que a Administração de Suape denomina de “posseiros” (há controvérsias jurídicas a respeito) tem sido feita através da força e da violência. O que já se caracteriza como uma enorme injustiça. Ao não levar em conta, para efeitos de indenização, o valor da terra, e somente as benfeitorias, os valores pagos resultam irrisórios (em março de 2012, um hectare na região valia em torno de R$ 500.000,00; as indenizações variam de R$ R$ 12.000,00 a R$ R$ 40.000,00 para sítios de 5 a 10 ha, sendo pagas depois de os moradores serem expulsos dos locais onde praticavam a agricultura familiar, viviam da pesca artesanal). Estas denúncias estão devidamente documentadas e já foram entregues ao MPE, ao governo do estado, à presidência da Empresa Suape, entre outros órgãos, sem que os mesmos averiguassem e/ou respondessem aos agredidos. Estas pessoas invisíveis aos olhos da sociedade merecem respeito.
Também se constata uma triste realidade nas cidades que fazem parte do entorno de Suape, nos aspectos de moradia, mobilidade, saúde, educação, lazer, violência urbana.... As denúncias dos moradores estão sendo apresentadas repetidas vezes na mídia estadual, que, frente à iminência de convulsões sociais nestas cidades, fica impossibilitada de omitir os descalabros vividos pelos habitantes. No que se refere aos quase 50 mil trabalhadore(a)s vindo de todo o Brasil, as condições de trabalho são deploráveis, conforme denúncias dos sindicatos. As greves sucessivas por melhores salários e condições de vida mostram como ainda, em pleno século XXI, os operário(a)s são tratados.
Outro grave e recorrente problema que atinge os 2/3 dos municípios pernambucanos é a seca. Anos após anos, constata-se o abandono de políticas públicas estruturadoras, que possibilitariam ao conjunto dos agricultores familiares minimizarem o sofrimento com a perda da produção e rebanhos dizimados, devido à inércia dos governos municipal, estadual e federal, que não atenderam em tempo hábil à demanda destas populações. Também é invisível a sociedade, este enorme contingente, que somente é lembrado nas tragédias. Estamos vivenciando a pior seca das últimas décadas no Nordeste. Currais vazios, sítios abandonados, pequenos produtores à beira do desespero na bacia leiteira pernambucana. E a propaganda exacerbada, com o conluio da grande mídia, mostra o crescimento econômico para alguns, com um conceito já vivido na década de 70 em plena ditadura militar, de “que é necessário o bolo crescer, para depois dividi-lo”. Este modelo se reproduz em Pernambuco.
O Estado tem hoje mais de 120 municípios em situação de emergência e 1,1 milhão de pessoas sofrendo os efeitos da seca. A situação é muito grave. Famílias estão passando por sérias necessidades, porque não conseguem produzir. Falta água principalmente. E se repete ano a ano a mesma conduta do governo frente à tragédia humana que a seca acarreta. Anúncios de carros pipas, de milhares de reais que nunca chegam e acusações ao governo federal que abandona os sertanejos, além dos discursos populistas ao lado de ex-lideranças da sociedade civil, agora funcionários do governo.
Mas o que contrapõe de forma inequívoca o discurso da modernidade gerencial, da transparência, é o grau de nepotismo que impera no governo estadual. Existe uma ramificação de parentes, contraparentes, que estão instalados nos diversos escalões da administração pública. A semelhança do governo de Pernambuco com as tradicionais oligarquias nordestinas, que sempre confundiram o público e o privado, não é mera coincidência. Ela existe largamente na administração do estado. É o neocoronelismo presente.
Na sequência, o próximo artigo vai abordar as políticas públicas estaduais adotadas (saúde, educação, transporte, seca...) nestes 6 anos de governo, e os impactos na qualidade de vida dos pernambucanos. E será analisado o porquê de a gestão ser tão bem avaliada pela população.
Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco.
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