Estado e desenvolvimento
- Detalhes
- Adriano Benayon
- 08/03/2013
01. O Estado costuma ser regido pela classe dominante. Nos países ditos desenvolvidos, a grande burguesia ganhou essa condição, graças a políticas de Estado voltadas para o engrandecimento do poder nacional.
02. O poder do Estado foi usado para fortalecer empresas estatais e privadas de capital nacional, desenvolvendo tecnologias próprias. Os capitalistas já tinham no Estado um instrumento para erguer seu próprio poder, embora ainda não tivessem completa ascendência sobre aquele, nem sobre seus quadros civis e militares.
03. Os grandes bancos e empresas industriais foram formando um sistema de poder controlado por poucos potentados, todos com “investimentos” em todas essas áreas, além de estreitos vínculos interempresariais.
04. Concentrado assim, o capital “privado” passou a predominar inquestionavelmente sobre as autoridades do Estado, bem como sobre os tecnocratas e as forças armadas.
05. Esse processo foi acompanhado pela propagação da ideologia liberal e por instituições de aparência democrática, tais como eleições periódicas e suposta divisão dos poderes do Estado.
06. Tais formas perderam todo conteúdo democrático que pudessem ter tido, através do controle das eleições por meio das campanhas alimentadas por quantias somente accessíveis aos concentradores de capital, também comandantes diretos ou indiretos dos meios de comunicação.
07. Essa é a realidade política e econômica dos países centrais, a qual levou aos absurdos da financeirização, culminando com o Estado a passar aos banqueiros dezenas de trilhões de dólares das receitas tributárias e da emissão de moeda e de títulos, além de suscitar a emissão também pelos bancos centrais e pelos próprios bancos privados.
08. Assim, o Estado endividou-se para favorecer grandes bancos, cujos controladores e executivos já se haviam locupletado enormemente durante os anos da proliferação dos ativos financeiros que criaram e que se revelaram, mais tarde, títulos podres.
09. Notavelmente, exigem sacrifícios de trabalhadores, aposentados e da grande massa dos produtores e consumidores.
Brasil
10. Os concentradores mundiais, há séculos, projetam seu poder em numerosos países de todos os continentes, dominando-os diretamente ou através de grupos locais. No Brasil, desde há séculos, aliaram-se a proprietários de terra e/ou mineradores, servindo-se deles para penetrar na sociedade local e obter elevados ganhos comerciais como banqueiros credores e concessionários de serviços públicos.
11. Isso se deu, primeiro, através do comércio, tornando a burguesia local dependente da exportação para ter acesso ao padrão de vida dos ricos das economias centrais.
12. No Brasil, segmentos locais – burguesia industrial, estamentos militar e burocrático, trabalhadores – aspiraram, na primeira metade do século XX, a tornar o Estado instrumento da autonomia nacional, livrando o país da condição de zona de exploração, administrada em função dos interesses de empresas estrangeiras.
13. Até 1930, o Estado foi, em geral, governado por representantes da burguesia “compradora”: grandes fazendeiros de café, produto cujas receitas de exportação eram, em grande parte, absorvidas pelo serviço da dívida externa e cuja comercialização era controlada por casas comerciais estrangeiras.
14. Ainda assim, formou-se apreciável industrialização, graças à falta de divisas para importar e à proteção involuntária, através da taxa de câmbio desvalorizada.
15. Apesar de ter introduzido mudanças estruturais importantes, a Revolução de outubro de 1930 contemplou os interesses dos cafeicultores, determinando a queima de estoques de café, e emitiu moeda para pagar os produtores, com o que atenuou os efeitos internos da brutal queda do preço e da quantidade exportada, desde o eclodir da depressão nos EUA.
16. Isso, junto com a falta de divisas para importar, fortaleceu a industrialização. Além disso, foram aprovadas leis para colocar o subsolo sob a autoridade da União e aparelhar o Estado, organizando carreiras no serviço público civil, através de concursos e da formação de quadros e técnicos.
17. Ao mesmo tempo, foram criadas instituições de pesquisa tecnológica, inclusive nas Forças Armadas. Ademais, foi instituída a legislação trabalhista, e criados os Institutos de Previdência, autarquias e estatais para fomentar produções essenciais e estratégicas. Foi fundada a primeira siderúrgica integrada e a Fábrica Nacional de Motores.
18. Não admira que, terminada a Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas tenha sido, em 1945, defenestrado pelos interesses imperiais. Seguiu-se o interregno entreguista do Marechal Dutra (1946-1950). Vargas, eleito em 1950, foi nova e definitivamente derrubado por conspiração dirigida por serviços secretos estrangeiros, em agosto de 1954, após difíceis avanços em seu projeto de construção nacional.
19. Apesar de estes terem ocorrido desde o início do século XX, e se intensificado na Era Vargas, não foram suficientes para tornar o país capaz de resistir à pressão imperial. Daí em diante, o país voltou a sofrer o aumento das dependências cultural, financeira e tecnológica.
20. Isso aconteceu desde o governo militar-udenista (1954-1955) e prosseguiu com JK, que abraçou a dependência tecnológica como política de governo, ampliando os subsídios instituídos desde 1954 em favor das empresas transnacionais.
21. Seguiu-se a instabilidade, agravada pela ação das agências dos governos imperiais no quadro da Guerra Fria, os quais investiram no anticomunismo para alinhar, ainda mais que antes, as elites locais às potências anglo-americanas. O primeiro dos governos militares, em 1964, entregou a economia a Roberto Campos, e este instituiu políticas que destruíram grande parte das empresas de capital nacional.
22. Os governos militares seguintes, tal como JK, tentaram promover o desenvolvimento, sem entender que este é incompatível com as dependências financeira e tecnológica.
23. Assim, os saldos negativos nas transações correntes ganharam vulto maior, devido às transferências das multinacionais ao exterior e ao endividamento do Estado, empenhado em investir na infraestrutura e indústrias básicas, em apoio às multinacionais, com projetos regidos pelo Banco Mundial e financiados por bancos estrangeiros.
24. Daí a explosão da dívida externa (segunda metade dos anos 70), a qual se tornou poderoso instrumento adicional da subordinação do país.
25. Esgotaram-se os recursos para a infraestrutura, ficando tudo subordinado ao serviço da dívida. Além disso, a entrada de investimentos diretos estrangeiros para “equilibrar” o balanço de pagamentos redundou na desnacionalização quase completa da economia, realimentando os déficits externos e o crescimento das dívidas externa e interna.
26. A desnacionalização nesse grau implica regressão em relação à República Velha (1889-1930), quando os interesses estrangeiros ainda precisavam da intermediação das elites locais.
27. A partir de FHC, as empresas transnacionais determinam diretamente as políticas públicas e constituem a classe dominante, inclusive por controlarem diretamente quase toda a estrutura produtiva e financeira.
28. O investimento direto estrangeiro é o veículo da periferização por dentro, muito mais profunda que a antiga, através só do comércio exterior.
Adriano Benayon é doutor em Economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
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