O modo socialista de governar: caso de Pernambuco (2)
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- Heitor Scalambrini Costa
- 13/03/2013
Conhecer claramente o que pensa o presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Eduardo Campos, é uma incógnita. Muda com as nuvens. E segue à risca o que costumava dizer o imperador romano Frederico III: “não sabe reinar quem não sabe dissimular”.
Ser um candidato presidenciável competitivo, mesmo negando tal pretensão, vai requerer alianças. E o PSB em nível nacional mostrou nas últimas eleições que não tem nenhum “pudor” em se aliar à direita, ao centro e à esquerda. Como não tem abrangência nacional, mesmo tendo crescido eleitoralmente, vai precisar de palanques nos diversos estados, pois não basta somente ter votos em Pernambuco para eleger seu candidato a presidente do Brasil. Mas isto não será problema quando o objetivo é alcançar o poder. Outros já fizeram alianças incompreensíveis para o eleitor e a sociedade, e conseguiram chegar lá, em passado recente. “Visões alternativas”, “programa de governo contemporâneo, moderno”, “caça aos marajás e à corrupção”, “competência administrativa”, “choque de gestão” são meras expressões/artifícios eleitorais, utilizados pela propaganda eleitoral dos partidos políticos e seus candidatos para iludirem o eleitor.
Primeiramente, a estratégia do quase futuro candidato é sair fortalecido de seu estado e da sua região para o embate nacional. Ao vender a imagem de um governante moderno, eficiente na gestão pública, que se vangloria de empregar princípios da meritocracia e do monitoramento de metas, utiliza o marketing político/eleitoral através da propaganda, descolada da realidade, criando ilusões. Antes de se lançar verdadeiramente como candidato ele sabe que deverá administrar bem Pernambuco.
A qualidade dos serviços públicos (e o financiamento das políticas públicas) como forma republicana de inclusão social foi deixada de lado em Pernambuco. Daí uma urbanização verticalizada e desordenada, paraíso da especulação imobiliária. Este modelo promove relações promíscuas dos gestores públicos com agentes e promotores do que chamam “desenvolvimento econômico sustentável”. Seria isso o “choque de gestão”, privatizar serviços públicos? Oferecer e mesmo “vender” o estado e a cidade a empresários, investidores, turistas e outros? Nunca se viu por estas bandas tantas facilidades aos capitais nacionais e internacionais, um verdadeiro capitalismo sem risco. Ah, se doutor Arraes estivesse vivo. Com certeza não se calaria.
Para o governo, ao que parece, a solução para todos os problemas passa pela privatização. Hoje se pratica uma política deliberada de favorecimento da iniciativa privada pelo poder público, sendo esta a tônica da gestão que comanda nosso estado. Agora o modelo é o das concessões. Mudou o nome, mas o fato é que o PSB em Pernambuco (e no Brasil) clona as privatizações dos governos do PSDB e do PT/PMDB.
Vamos, a seguir, analisar brevemente o que acontece com alguns dos serviços essenciais oferecidos à população, como saúde, educação, saneamento e infância/juventude, desmascarando assim a propaganda oficial. Indo na contra mão da subserviência onipresente, provinciana, “bairrista”, que tomou conta da imprensa pernambucana quando se trata de temas relacionados ao governador.
Saúde
Ao mesmo tempo em que foi promulgada a Constituição Brasileira de 1988 – cujo teor prescrevia o direito universal do acesso à saúde pública, integral e gratuita – expandiu-se no país, em um movimento contraproducente ao que estava disposto na Carta Magna, o setor empresarial de saúde suplementar, impulsionado por entidades pautadas por práticas estritamente comerciais, alheias à natureza do serviço prestado e às necessidades dos pacientes que, atualmente, representam mais de um quarto da população.
A saúde pública em Pernambuco caminha a passos largos para que o gerenciamento das unidades de saúde venha a ser transferido para as Organizações Sociais (OSs). Em estados em que este modelo foi adotado, como em São Paulo, as consequências foram desastrosas, antidemocráticas e antissociais. A terceirização da saúde pública criou diversos problemas, pois gera a mercantilização de um sistema que por dever é de responsabilidade do poder público e, por direito, da população, que deve ter acesso a uma saúde de qualidade, ágil e resolutiva. Com a privatização dos serviços públicos, os médicos, os profissionais da saúde e os usuários assistiram a um processo acelerado de sucateamento, artifício utilizado pelo gestor público para justificar a manutenção do serviço de privatização. Além disso, a terceirização gera uma rotatividade desastrosa nas contratações. Profissionais são contratados sem concurso público, sendo muitos deles sem qualificação adequada, o que gera grande desassistência aos usuários do sistema.
Em São Paulo, desde maio de 2012, a Justiça do Trabalho proibiu todas as contratações de funcionários nas parcerias entre a Secretaria de Saúde e as OSs por suposta terceirização irregular de mão de obra, mas a Procuradoria do Estado tenta reverter essa decisão. Desde 1998, tramita uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para julgar a validade de tais convênios. Nos últimos anos, houve também outras tentativas de impedir judicialmente os contratos com as OSs, mas uma decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (STF) é aguardada.
Em Pernambuco, este é um dos serviços públicos que aparecem nas pesquisas de opinião como um dos mais mal avaliados. Mesmo com as construções (o que “dá mídia”) de prédios, hospitais, unidades de pronto-atendimento, recuperação física de hospitais e postos de saúde, a ausência de profissionais, a falta de medicamentos e de condições de trabalho para os profissionais são evidentes e impossíveis de maquiar, de esconder da população, que vive um martírio diário quando necessita de atendimento.
A administração da saúde pública em Pernambuco é desastrosa como no restante do Brasil.
Educação
A educação nacional é uma das piores entre 40 países que se consideram civilizados, avaliados em relação ao sistema educacional, segundo uma ONG inglesa. O Brasil ficou classificado em penúltimo lugar.
Em Pernambuco, quando o assunto é educação, o ensino público tem se mostrado na prática precário, insatisfatório e ineficaz. A situação da infraestrutura física das escolas é deplorável, juntamente com as condições de trabalho e as condições salariais dos principais protagonistas, os docentes. A precariedade neste setor é tão evidente que apesar de o governo tentar encobrir tal realidade com propaganda, ações pontuais e isoladas, o que sempre resulta espaços na mídia, os indicadores de desempenho são vergonhosos. Se levarmos em conta o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica/2011 (IDEB), calculado com base no conhecimento dos alunos (Prova Brasil) e na taxa de aprovação, mesmo considerando a grande facilidade de maquiagem dos resultados, a situação das escolas estaduais é decepcionante e trágica. Com uma levíssima evolução em relação ao IDEB de 2009, Pernambuco não alcançou a meta proposta pelo Ministério da Educação, de 4,6. As escolas do estado tiveram uma média de 4,3, sendo a média do Brasil de 5,0 (de 0 a 10). Onde se diferencia a gestão estadual na área da educação, comparada com o restante do Brasil?
Também números mais recentes divulgados em março de 2013 pelo relatório De Olho nas Metas, elaborado pelo Movimento Todos pela Educação, que acompanha os indicadores nacionais, de acordo com o Ministério da Educação, mostram que a rede pública não atingiu as metas estabelecidas. Foram quatro estados que não têm muito a comemorar na educação, segundo o relatório. Além de Pernambuco, Alagoas, Amapá e Roraima.
Se escolas consideradas pelo governo estadual como de referência, modelo de infraestrutura, propagandeadas por ter aulas em turnos integrais (pelo menos duas vezes por semana) e com ampla distribuição de tablets, apresentam deficiências visíveis e denunciadas publicamente (como a falta de merenda, salas com mais de 45 alunos, sem ar-condicionado, laboratórios inutilizados e com equipamentos eletrônicos doados à escola e aos alunos de péssima qualidade, apresentando defeitos em poucos meses de uso), tentem imaginar o que acontece com as escolas que não são de referência.
As denúncias vão desde a drástica redução de mais de 30% no quadro de trabalhadores na educação nos seis anos do atual governo, de 2007 a 2012, até a tentativa midiática de convencer a população de que a educação vai bem, com as viagens ao exterior de bem menos de 1% dos estudantes da rede pública para intercâmbio, encobrindo as mazelas e as situações deploráveis encontradas nas escolas. Mesmo naqueles espaços de tempo integral, chamados de referência, como o Ginásio Pernambuco, as promessas não são cumpridas.
Todo este incompetente modelo de gestão mostra, claramente, que mesmo com o discurso fácil da valorização do professor e investimentos na infraestrutura das escolas, o mundo real está distante do mundo das promessas vazias.
Em Pernambuco a educação não é prioridade, como comprovam a situação das escolas e dos docentes e os indicadores nacionais sobre a qualidade do ensino.
Saneamento
A eliminação do enorme déficit nos serviços de água e esgoto constitui um dos maiores desafios para a política pública brasileira. A situação do saneamento é trágica. Em 2010, mais da metade da população (54%) não possuía acesso à rede de esgoto. Do esgoto coletado, apenas 30% eram tratados. A Lei do Saneamento (11.445/07) prevê como princípio a universalização do acesso. Mais daí a avançar é que são “outros quinhentos”.
Segundo a Agência Nacional de Águas, 55% dos municípios podem sofrer desabastecimentos nos próximos quatro anos, 84% das cidades necessitam de investimentos para adequação de seus sistemas produtores de água e 16% apresentam déficits decorrentes dos mananciais.
A falta de saneamento tem efeitos nefastos sobre a saúde e o meio ambiente. Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), as doenças por veiculação hídrica ampliam a mortalidade infantil e podem causar perda da capacidade de aprendizado escolar de até 18% em crianças com até cinco anos. Segundo o Ranking do Saneamento do Instituto Trata Brasil, que considera os cem maiores municípios brasileiros, a média de internações por diarreia é 546% maior para os dez piores, em relação aos 20 municípios mais bem colocados.
Como é alardeado, o Brasil está entre as maiores economias do mundo, mas nenhuma autoridade federal é capaz de dizer com alguma segurança quando será universalizado pelo menos o serviço de esgoto sanitário. A questão do saneamento é uma vergonha nacional, pois menos de dois terços dos lares brasileiros (62,6%) têm acesso a saneamento, por meio de rede coletora ou de fossa ligada à rede, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE.
No caso pernambucano existe uma triste realidade, pois hoje há menos de 40% saneados e menos de 40% de água encanada nas residências. A solução apontada pelo governador socialista é: promover formas de privatização dos serviços de saneamento básico, através da parceria pública privada (PPP). Sob o argumento de que o setor público sozinho não tem os recursos e nem capacidade de gestão dos projetos.
Tais modificações no setor vêm ocorrendo em um momento de muito baixo nível de reflexões, de formulação e de forte desmobilização da sociedade civil. As lições procedentes da experiência internacional, sobretudo nos Estados Unidos, Europa e América Latina, mostram que o caminho adotado é equivocado. Frequentemente adotado por razões imediatistas e orientadas a satisfazer interesses privados, não a solucionar os problemas dos serviços.
Mesmo com a pouca discussão, e as enormes perguntas não respondidas, a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) assinou em 15/2/2013 o contrato de Parceria Público-Privada para execução da ampliação e da recuperação dos sistemas de coleta e tratamento de esgotos para 14 municípios da Região Metropolitana do Recife e da cidade de Goiânia, na Mata Norte do estado. Com investimentos estimados em 4,5 bilhões de reais nos próximos 12 anos. O consócio vencedor é formado pela Foz do Brasil (braço da Odebrecht) e a Lidemarc.
Neste episódio da assinatura do contrato que validou a PPP, merece destaque a posição do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que mesmo inicialmente verificando irregularidades no contrato, voltou atrás na decisão e acabou acatando e aceitando a remuneração média do valor investido proposto pelo consórcio, de 8,41%. Enquanto a média desse valor para as PPPs no país varia de 6% a 6,5%. Também o atual governo socialista sustentava que com a assinatura desta PPP não haveria aumento nas tarifas. Pois no dia seguinte foi anunciado o aumento nas tarifas de água.
A Compesa é uma das empresas mais criticadas pela população pelos péssimos serviços prestados. A desfaçatez da direção da empresa é tão grande que seu presidente, um dos meninos de ouro do atual governador, “administrador eficiente”(?), chegou a se comprometer, junto à imprensa, garantindo que logo após o anúncio federal da redução das tarifas elétricas a empresa iria reduzir a conta de água dos pernambucanos. O que se viu foi um aumento nas tarifas da ordem de 7,98%. Com a chiadeira geral, e querendo seduzir a população, anunciou que o valor do aumento ficaria em 5,19%. Outra promessa não cumprida pela Companhia envolvendo o próprio governador foi a de que não haveria mais racionamento de água no Estado. Outra grande mentira deslavada.
É importante que os gestores públicos não mintam e que compromissos assumidos sejam cumpridos. Isso significa respeitar o povo. Mas não é isso que acontece. E quem sofre as consequências é a população iludida.
Infância e Juventude
O caso do tratamento dispensado à infância e à juventude em Pernambuco é emblemático. O que se verifica são promessas não cumpridas de uma reestruturação geral no sistema socioeducativo para adolescentes e infratores, o descaso e o sucateamento que marcaram o ano de 2012 através de rebeliões e assassinatos. O saldo da violência e destruição foi considerado um dos piores do Brasil, e obteve repercussão nacional e internacional.
Curioso é que a Secretaria da Infância e da Juventude não se pronuncia quando ocorrem as barbáries. Deixa a bomba chiando nas mãos da própria Fundação de Atendimento Socioeducativo, a famigerada Funase. Sucedem-se as rebeliões, motins, mortes e mutilações nas unidades da Funase em todo o estado.
O xis do problema é o seguinte: por que o governo do estado não consegue exterminar o ovo da serpente na Funase? Resposta: porque esta não é uma prioridade da ação governamental. Falta decisão política.
Enquanto não se desenvolvem políticas públicas estruturadoras nesta área, Pernambuco é lembrado como o estado que não apoia e protege a juventude e a infância. Há futuro com este descaso?
A gestão pública estadual alega que não tem dinheiro para os investimentos em saúde, educação, saneamento e para crianças e jovens, e entrega ao setor privado estas atividades essenciais à população. Ao mesmo tempo, constata-se que existe uma alta carga tributária sobre os assalariados, gordas desonerações para os mais ricos e fartos créditos subsidiados pelo BNDES a algumas empresas. E mesmo assim serviços essenciais e a infraestrutura continuam precários, caminhando para serem privatizados. Nisso tudo, uma pergunta que não quer calar: como se consegue facilmente tantos recursos para um estádio de futebol, e não temos recursos para financiar adequadamente a saúde, a educação, o saneamento, a infância e a juventude?
Assim, finalizo esta breve análise crítica da situação de alguns setores fundamentais para a sociedade dos anos de governo “socialista” em Pernambuco. É mostrado o lado dos problemas e da exclusão que afligem a população. O outro lado, das promessas, ilusões, é mostrado pela grande mídia, cujos interesses, em muitos casos, são nada republicamos. Finalizaremos este tema com o terceiro e último texto, falando dos governantes que são transformados em gênios e salvadores da pátria, da noite para o dia, e como uma eficaz máquina de propaganda faz milagres.
Leia também:
O modo socialista de governar: caso de Pernambuco (1)
Heitor Scalambrini Costa é Professor da Universidade Federal de Pernambuco.
Comentários
Em tempo: não me lembro do "velho jacaré" citar o nome ou dar cargo ao seu neto. Estranha omissão. Por que será?
Me espantei com o titulo, pois é um elegio chamar este povo do PSB de socialistas.
Parabens pelo texto.
Arlei
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