Depois do neoliberalismo. Depois?
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- Luis Fernando Novoa Garzon
- 14/06/2013
A justificação teórico-política do “alcance progressista” dos Governos Lula-Dilma não tem outro caminho senão o escamoteamento como estratégia argumentativa. Enquanto contar com o benefício da dúvida sobre o quão pior seria o retorno de uma hegemonia reta e direta ou uma dominação autocrática - embutidas no discurso da oposição conservadora -, os ganhos incrementais permitidos nas bordas do sistema serão apresentados invariavelmente como “elementos de ruptura” e conquistas universais.
Na publicação “Lula e Dilma: 10 anos de Governos pós-neoliberais no Brasil)”, Emir Sader constrói disjunções justificadoras da oposição binária de início proposta: recessão/crescimento,precarização/formalização,economização/politização, subordinação/soberania. Em seguida, relativiza e circunscreve como exceções ou condições herdadas em enfrentamento todos os elementos de continuidade. Por fim, reiterada a disjunção muito apropriada para o uso eleitoral oficialista, apresenta o que considera ser um itinerário seguro para a consolidação do projeto pós-neoliberal.
Na dinâmica circular adotada pelo autor, a ênfase nas políticas sociais inclusivas e a opção pela integração regional soberana seriam os elementos de definição do pós-neoliberalismo - e naturalmente os de ruptura com o neoliberalismo. Depois de recapitular que estes avanços se deram “pelas vias de menor resistência do neoliberalismo” - isto é, em suas lacunas mais expostas, a desproteção social e a liberalização comercial incondicionada -, certifica que os governos de Lula e Dilma “podem ser caracterizados como pós-neoliberais, pelos elementos centrais de ruptura com o modelo neoliberal”.
A demarcação proposta para o novo modelo e a descrição do modo de ultrapassagem dos limites do modelo anterior (ruptura) não são congruentes. Como levar a efeito a ruptura com um sistema através das suas linhas de menor resistência, permanecendo intocadas as de maior resistência? Através das brechas, o que vinga é um reformismo incremental, tolerado na medida em que reforça e suplementa o que é central no modelo. O Governos Lula e Dilma não só não reverteram as medidas de liberalização e privatização, como as reexpediram como políticas de Estado. O que se tem, ao final e ao cabo da década, é a consolidação do núcleo – a cidadela do capital concentrado e financeirizado - e ajustes estabilizadores temporários nas bordas. Quando os “elementos de ruptura” se agregarão para abrir caminho para o pós-neoliberalismo afinal?
Em tom ponderável, ao final do texto, Sader reconhece que “É preciso ter um projeto de sociedade, tomando a fase atual – pós-neoliberal – como um momento de transição para projetos que não apenas reajam e resistam à onda neoliberal, mas se proponham a construção de sociedades justas, soberanas e solidárias.”
Com alguma perspectiva histórica, foi preciso admitir que o pós-neoliberalismo, tal como foi recortado, seria apenas um momento de uma transição mais profunda, quiçá pós-capitalista (transcrescimento esse que o autor não se arriscou a delinear). O mérito do termo, para Sader, seria o de tornar tangível e nominável o campo de superação do neoliberalismo frente às perspectivas paralisantes derivadas do diagnóstico do neoliberalismo como "fase final do capitalismo”. À direita, o resultado seria uma resposta totalitária e consensualista, o “fim da história”; à esquerda, o retorno a uma bifurcação abstrata, “neoliberalismo ou socialismo”. Todavia, se entendermos o neoliberalismo não como fase final, mas como fase última ou hodierna do capitalismo mundializado, recolocamos o problema na sua concretude. Se encararmos o neoliberalismo não como substância fixa e rígida, mas como um processo (de neoliberalização) em permanente reatualização, poderemos distinguir variações neoliberais de vias pós-neoliberais e assim sustentar a necessidade de alternativas reais às alternativas postas.
Depois do neoliberalismo, o tripé que o define – metas de inflação, câmbio flexível e disciplinamento fiscal - segue inamovível. Depois do neoliberalismo, novas modalidades de privatização com cobertura financeira e política do Estado e abertura irrestrita para capitais nacionais e estrangeiros se apossarem de rios, áreas costeiras, terras griladas, jazidas minerais e petrolíferas. Depois do neoliberalismo: neoliberalismo e meio; um modo de governar híbrido capaz de fornecer consentimento social nos picos de crescimento. Com o acirramento da crise, o governo remixado demonstra sua serventia específica para os de cima, franqueando com desenvoltura níveis inéditos de capitalização e de privatização de bens públicos e setores essenciais.
Somente um governo que torna seu conteúdo social refém da circunstância liberal pode garantir mais e mais neoliberalismo, eis a oferta pré-eleitoral feita. Os “mercados” instalaram seu processo eleitoral e precificam as distintas possibilidades de sucessão. Não se trata, portanto, de uma mera antecipação do “calendário eleitoral” e sim de uma gincana de sacrifícios de direitos sociais e de imensuráveis riquezas coletivas potenciais. Quem provar maior capacidade de alienação do “futuro da nação” leva em troca a gestão da dita cuja. O mandato presidencial de 2014-2018 está sendo leiloado e são as condições e os meios de vida da população trabalhadora que são objeto de lance. Não passa despercebida a particularíssima pré-eleição. As ruas e praças vão se tornando sintomaticamente eletivas da vontade majoritária que vai sendo rifada nos bastidores.
Luis Fernando Novoa Garzon é professor de Ciência Política da Universidade Federal de Rondônia. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Comentários
Em um texto sucinto,no qual não precisou incluir detalhes - que só enriqueceriam ainda mais o conteúdo -, o professor traçou um raio X dos "nossos" governos Lula/Dilma. Irretocável.
Dia desses, escrevi, em comentário em um outro sítio, que o "nosso" governo, o governo do PT, Lula/Dilma, caminha para um fim melancólico. Da grande esperança que suscitou, ao assumir, em 2003, passaremos àquele que, possivelmente, será o último período, 2015/2018, do atual ciclo no poder, um período insosso, no qual "nosso" governo apenas tentará acochambrar as coisas. Vai procurar manter viva a mística de que encaminha o país para um novo salto na direção do desenvolvimento, salto que, na verdade, não tem como se processar, vez que os instrumentos para tanto terão sido senão totalmente, quase que totalmente, entregues nas mãos da iniciativa privada - leia-se o grande capital, nacional e estrangeiro.
Sem dúvida - e repito isso sem qualquer resquício de alegria pela situação -, um final melancólico. Ainda mais melancólico diante da constatação da oportunidade perdida de implementação de uma mudança efetiva de rumo, tendo em vista a tremenda popularidade auferida pelos dois mandatários que ocuparam o posto de presidente. Trabalhadores e povo brasileiro em geral, preparemo-nos para o pior.
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