Correio da Cidadania

Sobre a decisão do TCU relativa à refinaria de Pasadena

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Fui Diretor da Área de Gás e Energia e membro da Diretoria Executiva, entre 31/01/2003 e 24/09/2007, e todos os atos que pratiquei e decisões que tomei foram exercidos no mais alto interesse e benefício da Petrobras e do país, pautados no rigoroso cumprimento dos deveres estabelecidos pela legislação, pelo Estatuto Social e pelo sistema de governança da Petrobras, como explicarei mais adiante. Por isso, repudio a vinculação de meu nome a ações ditas como danosas à Petrobras e tomarei as providências cabíveis para a prevalência da verdade.

 

Não cometi qualquer ilegalidade, a decisão do TCU é provisória e cautelar, porém, é ilegal e viola direitos fundamentais, tudo será esclarecido pela Justiça, pois os critérios econômicos demonstram o acerto da aquisição, e os critérios jurídicos comprovam que a aquisição se pautou em todos os critérios exigidos pela legislação.

 

Causa perplexidade que mais de sete anos após meu afastamento da Petrobras esta decisão do TCU seja tomada e divulgada sem que eu tenha sido notificado ou ouvido. Mais ainda, que as eventuais responsabilidades individuais no processo decisório, de acordo com as normas vigentes, tenham sido examinadas, especialmente no caso em tela, distante da Área de Gás e Energia, quando todos os procedimentos, estudos, avaliações e negociações foram conduzidos por outra Área, em conformidade com as diretrizes de governança.

 

O estatuto estabelece que o Conselho de Administração é o órgão de orientação e direção superior da Petrobras, competindo-lhe: fiscalizar a gestão dos diretores e fixar-lhes as atribuições, examinando, a qualquer tempo, os livros e papéis da Companhia; avaliar resultados de desempenho; deliberar privativamente sobre a constituição de subsidiárias, participações em sociedades controladas ou coligadas, ou a cessação dessa participação, bem como a aquisição de ações ou cotas de outras sociedades; determinar a realização de inspeções, auditagens ou tomadas de contas na Companhia, bem como a contratação de especialistas, peritos ou auditores externos, para melhor instruírem as matérias sujeitas a sua deliberação.

 

As matérias submetidas ao Conselho de Administração são instruídas com a decisão da Diretoria Executiva, as manifestações da área técnica ou do Comitê competente, e ainda o parecer jurídico e de todas as áreas técnicas, quando necessários ao seu exame. O presidente do Conselho de Administração pode convocar diretores para prestar esclarecimentos ou informações sobre as matérias em apreciação.

 

Cabe à Diretoria Executiva exercer a gestão dos negócios da Companhia, de acordo com a missão, os objetivos, as estratégias e diretrizes fixadas pelo Conselho de Administração. As matérias submetidas à apreciação da Diretoria Executiva pelas Áreas de Negócio serão instruídas com as manifestações das áreas técnicas, do Comitê de Negócios, e ainda do parecer jurídico, quando necessários ao exame da matéria. A Diretoria Executiva deve ainda encaminhar ao Conselho de Administração cópias das atas de suas reuniões e prestar as informações que permitam avaliar o desempenho das atividades da Companhia.

 

As diretrizes de governança definem que “os Conselheiros devem ter acesso direto aos membros da Diretoria Executiva e às funções de Administração Superior da Companhia para esclarecimentos adicionais, bem como a quaisquer documentos corporativos. Os Conselheiros podem solicitar ao Conselho de Administração a contratação de profissionais externos para melhor entendimento de algumas matérias a serem levadas às reuniões”. Outrossim: “O Conselho de Administração deve avaliar, anualmente, o desempenho da Diretoria Executiva...”

 

Toda a documentação relativa à aquisição foi elaborada pela Área de Negócios Internacional, com apoio dos órgãos pertinentes, apresentada à Diretoria Executiva e, posteriormente, ao Conselho de Administração, em fevereiro de 2006, e demonstra que foi seguido o procedimento estabelecido pelas normas de gestão da Petrobras, com as avaliações e pareceres econômico-financeiros, de Segurança de Meio Ambiente e Saúde, do Tributário, do Jurídico, da “due dilligence” ou diligência devida, e documentação de opinião externa.

 

O exame dos documentos apresentados revelou, sob a ótica de integrante da Diretoria Executiva, o cumprimento dos procedimentos definidos pelo Estatuto e Sistema de Governança, aderência ao Plano Estratégico e resultados positivos para a Petrobras. Em todos os elementos trazidos ao conhecimento da Diretoria Executiva, não se vislumbra nada que autorizasse o voto contrário à proposição, especialmente para integrante do colegiado não envolvido na condução das negociações e na produção dos documentos, avaliações e pareceres. Com acesso aos mesmos documentos e elementos, o Conselho de Administração, dispondo das mais amplas prerrogativas e competência privativa para aprovar a matéria, conforme descrito acima, o fez por unanimidade.

 

A decisão de internacionalização da Petrobras foi adotada como contrapartida à mudança da estrutura de organização empresarial e da política energética no Brasil, quando o mercado interno de petróleo foi aberto à competição internacional, com a quebra do monopólio exercido pela Petrobras, em todas as etapas, no governo FHC.

 

A partir 2003, o plano estratégico manteve a internacionalização e a aquisição da refinaria de Pasadena situa-se neste contexto. O plano estratégico consolidado em 2003 previa ênfase em exploração e produção, no país e no exterior, valorização do gás natural como substituto de derivados de petróleo e preparação para transição a fontes renováveis. A estratégia de internacionalização também buscava maior retorno para as exportações de óleo pesado. Desde os anos 1980, após os choques de petróleo de 1973 e 1979, os preços de petróleo oscilavam em patamares baixos, tipicamente entre 15 e 22 dólares americanos por barril, e também as margens de refino estavam baixas, tipicamente entre 2 e 4 dólares por barril.

 

A partir de 2005, iniciou-se um processo de reversão, com o petróleo passando de 35 dólares por barril, no começo do ano, para mais de 80 dólares, no final do ano e, posteriormente, para mais de 100 dólares, patamar em que vem se sustentando, exceto por breve oscilação na crise de 2008. Também as margens de refino subiram de 2005 até 2008, para patamares em torno de US$ 8 a 12 por barril, na Costa do Golfo nos EUA. A Petrobras, que vinha importando óleo leve e exportando o óleo pesado excedente, para ajuste de sua carga de refino, previa tornar-se, após a autossuficiência, projetada para 2006, exportadora líquida de petróleo e de derivados.

 

Porém, o principal óleo para exportação, do Campo gigante de Marlim (alta densidade e baixo teor de enxofre), sofria de “spread” negativo em relação ao Brent, que, de alguns dólares passou em ocasiões a mais de dez dólares por barril. Neste contexto interno e externo, se configurava como atrativa a oportunidade de obter maior valorização num dos mais atrativos mercados mundiais de derivados, que era na costa do Golfo do México nos EUA. Haveria ainda possibilidade de agregação de valor pela exportação de etanol, quando a sobretaxa de US$ 0,54 por galão fosse removida pelos EUA. Neste cenário, foram apresentadas, pela Área Internacional, com apoio de outros órgãos, oportunidades de aquisição de capacidade de refino e de tancagem na região do Caribe e EUA, destacando-se, dentre estas, a proposta para a aquisição total ou parcial da refinaria de Pasadena.

 

Os efeitos posteriores à aquisição, como a redução das margens de refino no contexto de crise mundial de 2008-10, a não manutenção da autossuficiência de petróleo no Brasil, a crise do etanol atrelada à defasagem entre o preço ex-refinaria de derivados e seu preço competitivo, o aumento da demanda interna de derivados também associada à defasagem, e emergência do shale oil & gas nos EUA, assim como o anúncio da descoberta do pré-sal, fatores que alteraram o ambiente de negócios, não estavam no horizonte por ocasião do processo decisório de aquisição da participação na refinaria.

 

Outrossim, depois de concluída a aquisição, e também de meu afastamento da Petrobras, começaram a surgir controvérsias com os sócios e dúvidas sobre a “due dilligence”, acordo de acionistas, e outras. Tudo deveria ter sido apurado imediatamente, tanto no âmbito do Conselho de Administração quanto da Diretoria Executiva. A decisão sobre a aquisição, em fevereiro de 2006, foi a única do qual participei como membro da Diretoria Executiva, e que mantenho como coerente e a única possível na ocasião com base nos elementos disponíveis. Por isso não posso responder por eventos posteriores, incluindo o encaminhamento do conflito e a solução das controvérsias, por via de arbitragem judicial, com o sócio, e suas implicações financeiras.

 

Ildo Sauer é professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP e ex-diretor de Petróleo e Gás da Petrobrás.

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