Correio da Cidadania

20 anos de Plano Real e a paternidade por inseminação artificial

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Nesta eleição presidencial de 2014, temos quase todos os candidatos propondo a continuidade da política neoliberal, iniciada por FHC em 1994, seja de forma explícita ou velada. Esta eleição tem entre os principais candidatos da ordem um grupo que participou dos oito anos do governo FHC. O outro grupo participou dos 12 anos de governos do PT. Temos dentro dos dois grupos segmentos que participaram ativamente dos 20 anos de política neoliberal no Brasil e agora querem se colocar como novos gerentes do modelo neoliberal.

 

Nestes 20 anos, tivemos, dentro destes governos, aqueles que estiveram no poder desde a fase dos governos militares até os dias atuais, seja a fase PSDB ou PT. Para analisar a trajetória do Plano Real, temos de ver o que aconteceu com as demais economias e moedas sul-americanas no mesmo período.

 

Quando investigamos os demais países do continente, constatamos que também passaram por um quadro de instabilidade econômica e monetária, bem como um acirramento da luta de classes que levou ao declínio dos vários regimes militares. Aliás, este é o fato político principal de grande parte deste período, já que praticamente todos os países tiveram regimes militares.

 

Os apoiadores do regime militar no Brasil enaltecem as taxas de crescimento obtidas durante a fase do “milagre brasileiro” e encobrem as consequências para a economia (estagnação e expansão inflacionária) e explosão da dívida pública. Na América Latina, tivemos algo que parecia mágico no início dos anos 90, em se tratando de combate à inflação, pois economias e moedas que estavam em crise, rapidamente, se transformaram em moedas fortes. Na Argentina, sua moeda, o peso, foi igualada ao dólar, constando inclusive da constituição argentina. O Brasil foi além em 1994-95 e o Real chegou a valer mais que o dólar (1 real = 0,85 de dólar).

 

Sobre a paternidade do Plano Real, podemos dizer que se trata de inseminação artificial concebida nos seios do Banco Mundial e do FMI, dentro dos pressupostos do Consenso de Washington, pois sua ocorrência se dá em 105 países diferentes, em momentos que antecederam a sua versão no Brasil. A ocorrência no Brasil foi tardia, pois surge em 1994, quando a versão mexicana desta política de estabilização já estava em crise, no chamado efeito tequila (1), que afetou a economia da América Latina. O objetivo declarado de tal política era a estabilidade monetária no continente, que na verdade serviu de chantagem para introdução da política neoliberal.

 

Entretanto, pretendia mesmo era encontrar uma saída para a recessão iniciada nos EUA em 1991, que pressupunha criar as bases para uma nova etapa de exportação do capital, seja capital produtivo, seja capital mercadoria. O fundamento desta política de estabilização vem dos mesmos ingredientes da política de juros altos praticada pelo FED durante o governo Reagan, que aprofundou o endividamento público estadunidense, desde início dos anos 80, atualmente em US$ 17 trilhões ou 100% do PIB. Os efeitos naquele momento nos EUA foram: combate à inflação, retomada da hegemonia do dólar, valorização dos títulos do Tesouro e garantia da rolagem da dívida. Com isto, estes títulos tornaram-se objeto do desejo dos rentistas, sejam banqueiros ou fundos de pensão.

 

Mesmo a âncora cambial sendo uma política comum em grande parte dos países, em cada país que era introduzida se procurava dar uma paternidade para o representante dos grupos conservadores locais. Sendo assim, a âncora cambial na América latina, aqui chamada de Plano Real, surge em 1994. No México, foi chamado de Plano Azteca (2), e na Argentina de Plano Cavallo, em 1991. A política de estabilização monetária em questão quase uniformizou a política econômica no continente. A questão fundamental estava em aceitar as precondições para praticá-la: abertura comercial, desregulamentação financeira, desregulamentação dos direitos trabalhistas, reforma do Estado, privatizações e a renegociação da dívida externa, que tinha entrado em colapso desde a moratória mexicana e argentina, em 1982.

 

Na busca desta suposta paternidade no Brasil, verificamos que os principais responsáveis pela criação do Plano Cruzado (3), surgido em 1986, estiveram também como criadores do Plano Real. No Cruzado, tivemos Dilson Funaro, o ministro do Planejamento João Sayad, Edmar Bacha, André Lara Resende e Pérsio Arida. No Plano Real (4), tivemos Gustavo Franco, Pedro Malan e mais Pérsio Arida, André Lara Resende e Edmar Bacha. Ou seja, nos dois planos tivemos a participação dos mesmos, mudando apenas os ministros. Sendo assim, o núcleo duro permaneceu, mesmo com resultados tão diferentes entre os dois planos.

 

Esta política de estabilização monetária representou um grande ataque aos direitos sociais no Brasil, ao mesmo tempo em que tornou o pagamento do serviço da dívida a prioridade de destinação do dinheiro público, via política dos juros altos. Tal fato foi acompanhado por massiva privatização de serviços públicos, enquanto elevou-se a carga tributária de 29% para 37%, fazendo com que o contribuinte pagasse mais impostos quando se ofereciam cada vez menos serviços públicos. A dívida pública, que em julho de 1994 era de RS 65 bilhões, em 2014 se aproxima de R$ 2,5 trilhões, mesmo que o país já tenha pagado nestes 20 anos R$ 9 trilhões. É a continuidade disto que a maioria dos candidatos da ordem deseja para os contribuintes. Em nome do combate à inflação, se destrói a maioria dos direitos e criminaliza os movimentos sociais que tentam reaver seus direitos negados.

 

Notas:

1) http://redes.moderna.com.br/2011/12/20/efeito-tequila-o-domino-mexicano/

2) http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/mx/Sabino-mexico.htm

3) http://pt.wikipedia.org/wiki/Plano_Cruzado

4) http://pt.wikipedia.org/wiki/Plano_Real

 

José Menezes Gomes é professor do Mestrado em Serviço Social e do curso de Ciências Econômicas da UFAL de Santana.

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