Entre a cruz e a espada
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- 26/10/2007
Em 1989, quando o Muro de Berlim foi derrubado, o apressado Fukuyama decretou o Fim da História - aurora de uma era de paz e progresso sob a égide do capitalismo liberal e da democracia parlamentar.
Refutando essa visão panglossiana, Eric Hobsbawm mostrou, em um artigo, com o título "1989", que tudo havia mudado, mas que não havia ainda evidências suficientes para fazer prognósticos sobre os rumos da História. "Na verdade", escreveu ele, "só há um fato indicativo de tendências futuras: os ricos perderam o medo dos pobres".
Ao longo dos últimos dezesseis anos, esse vaticínio confirmou-se plenamente em todo o mundo.
Aqui no Brasil, a perda do medo transformou-se em sanha contra os pobres: índios são queimados, moradores de rua e meninos de rua são mortos enquanto dormem no átrio das igrejas; freiras são assassinadas ao chegar para o ofício religioso; esquadrões da morte fuzilam cinco, seis, dez pessoas todo fim de semana.
Cada vez mais essa violência torna-se explícita. Na semana passada, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro teve o desplante de dizer, com todas as letras, que a troca de tiros entre policiais e bandidos concentra-se nas favelas da Zona Norte porque, nas da Zona Sul, as mortes de transeuntes e de moradores (dentro de suas casas) causariam muita comoção social!
Ainda na mesma semana, uma empresa estrangeira - Syngenta Seeds - chamou uma firma de segurança para desalojar "na marra" trabalhadores rurais sem terra que ocupavam fazenda de sua propriedade no município de Santa Tereza do Oeste, no interior do Paraná. Os 25 seguranças, entre os quais alguns com antecedentes criminais, agiram como pistoleiros: chegaram atirando. Mataram um e feriram quatro. No entrevero, perderam um homem, atingido por um projétil cuja procedência a Polícia ainda está investigando.
Tudo isso em plena luz do dia e com total aprovação da OAB local e das associações de grandes proprietários rurais.
O Correio da Cidadania, nos seus dez anos de existência, não deixou passar nenhuma dessas violências cometidas contra os sem terra sem denunciar a gravidade de tais fatos e o risco que eles provoquem uma radicalização do conflito fundiário.
Até hoje, os movimentos sociais do campo - MST, MLST, CONTAG, CPT, MBA, MPA - têm conseguido manter esse conflito dentro dos marcos da ordem democrática, apesar do protesto histérico da direita contra atos de desobediência civil que eles, vez por outra, organizam, com a finalidade única de chamar a atenção para o marasmo da reforma agrária.
Se o bloco formado pelo latifúndio e o agronegócio - agora aliado de Lula na aventura do etanol - continuar vandalizando impunemente a população rural, os movimentos do campo serão desbordados, a menos que radicalizem suas posições. Então, de duas, uma: ou a população rural, asfixiada, esvaziará o campo (agravando sobremaneira o conflito urbano) ou caminharemos para um quadro muito semelhante ao da Colômbia.
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