2014: um museu de grandes novidades
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- 19/12/2014
Há 9 anos, ao findar-se 2005, o terceiro ano do primeiro e tão esperado mandato lulista, texto de capa deste mesmo Correio afirmava que “o aumento da seca e da devastação da Amazônia, os índices medíocres de crescimento do PIB e o bárbaro incêndio de um ônibus no Rio por uma menina de 13 anos vieram rechear ainda mais o noticiário desse final de ano. Se, por um lado, configuram três feições marcantes da tragédia nacional, trazem, paradoxalmente, uma esperança de superação: evidenciam de forma cabal a situação do país e inibem, por conseguinte, a possibilidade de se mascararem os dados, prática ardilosa e corriqueira do governo”.
As tais “feições marcantes da tragédia nacional” são hoje, certamente, mais agudas e dramáticas. A incessante devastação da Amazônia vem agora acompanhada de seca e falta de água históricas, produtos de fatores climáticos potenciados por abismal irresponsabilidade dos gestores públicos. O crescimento medíocre, por sua vez, com exceção dos anos finais do segundo mandato de Lula, que surfou a onda de conjuntura externa extremamente favorável, é realidade atual inegável, marcada, ademais, por um processo de grave e profunda desindustrialização do país. E as meninas de 13 anos prosseguem perambulando em bando pelas cidades de um país repleto de histórias de devastação humana, com seus serial-killers e cenas chocantes de violência policial, especialmente contra jovens pobres e negros nas grandes cidades brasileiras.
2014, o décimo segundo ano dos mandatos petistas à frente da República, e o último da primeira gestão de Dilma Rousseff, termina melancólico. Na política, na economia e no meio ambiente. O cenário internacional fortemente recessivo e conflagrado deixa pouca margem para esperanças de compensação vindas d’além mar. Disputas imperialistas e sub-imperialistas consolidam presença e o petróleo se mostra fator de veemente aviltamento dos conflitos.
O ano que começou sob signos tão emblemáticos como os 50 anos do Golpe Militar; os 30 anos das Diretas Já; a reedição em solo pátrio do máximo acontecimento futebolístico mundial; e a realização de eleições presidenciais que prometiam intensa animosidade chega ao final com imagens e conturbações que sintetizam os paradoxos intrínsecos a um modelo de “desenvolvimento” demagógico e neopopulista, que aponta sinais de esgotamento evidentes.
A Copa do Mundo, que muitos chegavam a associar ao começo efetivo do ano de 2014, concluiu-se com o maior vexame da história do futebol brasileiro. Metáfora perfeita dos perversos caminhos da sociedade brasileira, que redundaram na destruição dos mais diversos patrimônios, materiais e imateriais. As promessas mirabolantes quanto a um legado de fato para o cotidiano de mobilidade das cidades e da população não passaram de linhas mal traçadas. O que restou foi um contexto montado para o futebol elitizado, reprodutor do apartheid social brasileiro. Com aparatos desportivos faraônicos, apenas finalizados e já envelhecidos.
Fim de Copa, eleições à vista. A morte de Eduardo Campos apimentou um processo eleitoral que prometia polêmicas grossas e vazias. E o Brasil presenciou uma campanha eleitoral que entrará para a história como uma das mais alienantes e rebaixadas de que se tem registro.
Após 12 anos no poder, a poderosa máquina eleitoral petista vislumbrou de perto a derrota. Um claro indicativo de reposicionamento dos blocos do capital, e da mídia a eles associada, em favor da candidatura original da direita tradicional. O que não impediu as enormes contribuições para a campanha petista, um dos termômetros de um inquestionável alinhamento da grande burguesia também com Dilma e o PT. Candidata e partido, afinal, bastante oportunos – para não dizer os ideais – para a burguesia, pois portadores simbólicos do discurso do ajuste gradual e com capacidade superior de dissuasão popular.
O avanço ainda maior da direita escrachada, evangélica e ruralista, no Congresso Nacional, ao lado da composição assustadoramente conservadora já anunciada para o novo mandato petista – de fazer inveja aos próceres tucanos -, apontam para uma ofensiva do capital sobre direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. A mandatária petista se coloca sob frágil posição diante do mega-escândalo da Petrobrás-Empreiteiras, de uma economia estagnada e sem avanços, e refém de uma base aliada mais conservadora e fisiológica. Os espectros da corrupção e o fantasma do impeachment estarão também em linha direta no auxílio da estratégia de sangramento da presidente.
Em meio à conjuntura mundial de aprofundamento acelerado da crise econômica e política, os ajustes internos para 2015 serão levados a cabo em cima de mais uma das “heranças malditas” do Brasil: o prometido crescimento econômico da era petista não ocorreu. E, já se afirma, não ocorrerá nesse quatriênio.
O cenário prometido para 2015 é de recessão, com forte instabilidade econômica e social e consequente polarização social. Juros na estratosfera, corte nos investimentos produtivos e sociais, novos impostos, fim do tímido crescimento do salário mínimo serão ingredientes certos para o ano novo.
A montagem do novo governo, no que se refere à equipe econômica, à indústria e à agricultura, e até a provocação que significaria entregar a Kassab o ministério das Cidades, colocam por terra a ideia de um “governo em disputa”, ressuscitada in extremis na reta final do pleito, quando o petismo flexionou à esquerda, para salvar a candidatura de Dilma Rousseff.
Ideia que não sobreviveu 48 horas ao encerramento do 2º turno das eleições, quando já estava sinalizado que Dilma e Lula entregariam a gestão da política econômica ao capital financeiro.
Joaquim Levy, banqueiro, na Fazenda; Armando Monteiro, ex-presidente da CNI, no Desenvolvimento, Indústria e Comércio; Katia Abreu, rainha da serra e do agronegócio, na Agricultura; Kassab, no ministério das Cidades, não formam apenas um ministério arqui-conservador. Trata-se do fim de um ciclo, em que, pode-se mesmo dizer, o PT não é mais governo.
Mas não é só a melancolia que fica de 2014.
A evidência desse quadro de barbárie galopante concorreu, decerto, para a eclosão das massivas manifestações populares de 2013. Não se repetiram ainda com a mesma magnitude. Mas, por fora da institucionalidade, a movimentação segue firme e crescente, a exemplo de tantas ocupações de terrenos Brasil afora e dos protestos contra a falta d’água em São Paulo. Movimentos sociais, como o dos sem-teto, tratam de se reagrupar e procuram amplas frentes de ação, com pautas progressivas em defesa dos direitos.
Trata-se de acontecimentos sem reverberação à altura na mídia corporativa, cujo interesse é ocultar quaisquer sinais de questionamento ao status quo. Mas são essas manifestações populares a esperança de propagação de uma visão e entendimento do país sem as máscaras que corriqueiramente tentam nos impor os poderes da República, promiscuamente associados aos poderosos grupos privados que controlam a banca e a mídia.
Comentários
Eram esperadas 100.000 pessoas.
Será o começo do FIM?
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