O Brasil precisa de uma saída para além do Fla-Flu
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- 11/03/2015
O enredo da rendição do atual governo a um ajuste neoliberal recessivo e escorchante, levado a cabo em menos de 3 meses desde o início do novo mandato de Dilma Rousseff, desmentindo promessas de campanha e caminhando para a ruptura com o que restava de base social petista e popular, já soa a notícia velha. Este foi o tema principal dos dois últimos editoriais do Correio da Cidadania - “Ano Duro pela Frente” e “Rendição”.
No andamento da conjuntura nacional, o que soa hoje ‘novo’ e surpreendente são a postura e as declarações de governo que se coloca quase autista diante da alarmante situação econômica e política da nação. O tão comentado - e vaiado - discurso de Dilma Rousseff, no último domingo, de 8 de março, o Dia Internacional da Mulher, apenas corroborou esse estado de desrespeitosa inapetência.
No exato momento em que o leitor se depara com estas linhas, os brasileiros defrontam-se com uma elevação brutal da taxa de juros, atualmente a mais alta do mundo; com o aumento da taxa de inflação, com tarifaços em avalanche; com uma indústria em frangalhos; com o avanço do desemprego (só em janeiro, 81 mil vagas perdidas); com o estancamento das exportações; com o aumento de tributos; com enorme crise hídrica e energética; com mega-escândalos de corrupção em grandes empresas públicas, arrastando nomes de políticos, de executivos, de lobistas, de empresas e empresários; e, finalmente, como resultado de tudo isso, com a perspectiva iminente e crescente de redução significativa de consumo das famílias, algo que não ocorria desde o ano de 2004.
Uma crise política, econômica e social que vai assumindo uma feição brutal. Responsabilizar o cenário internacional recessivo pela degringolada atual, como seguidas vezes fazem governistas e arautos, chega a aviltar cidadãos e eleitores. A crise energética é igualmente resultado da imprevidência governamental, diante de catástrofe há muito anunciada.
E entre aquilo que soa velho e o que se insinua como ‘novo’, mostra-se ainda um deplorável repeteco, que ressuscita o maniqueísmo pré-eleitoral no que já parece um longínquo 2014, em que eleitores se ‘digladiavam’ na disputa entre Dilma Rousseff e Aécio Neves.
De um lado, estão agora mentes rasas de conservadorismo primitivo e retrógrado, beirando ao fascismo e ao fundamentalismo conservador, pedindo o impeachment da presidente eleita em 2014. Impeachment que poderia resultar, não custa lembrar, em um Brasil comandado pelo PMDB, através de Eduardo Cunha ou Renan Calheiros, presidentes da Câmara e Senado, ambos na linha sucessória imediata da presidente, além de integrantes da lista de investigados da Operação Lava Jato, para não dizer mais.
De outro lado, juntam-se governistas convictos, ingênuos ou com alguma ou muita má-fé, muitos dos quais se aferram a teorias conspiratórias de um pretenso, ou real, ‘golpismo da oposição’, para amenizar o olhar nacional sobre os malfeitos orquestrados dentro de casa, há décadas; sobre a administração desastrosa dos últimos anos; sobre o verdadeiro estelionato eleitoral praticado pela presidente ao inaugurar-se seu segundo mandato.
O adoecimento ainda maior da nação é o que poderá decorrer do aprisionamento a esse debate bipolar e hipócrita, muitas vezes entre assemelhados – os pró-impeachment versus os contra-impeachment. Debate que tem entre seus grandes interessados e precursores a mídia corporativa e poderosos grupos econômicos e políticos. Afinal, nada ganham com a sofisticação do pensamento, da análise e, consequentemente, com uma eventual ação popular emancipatória, que certamente se voltariam contra os interesses dos grupos que têm o poder de mando.
O previsível para o Brasil nas atuais circunstâncias é um campo de incertezas. O certo é que, entre desditas e rendições, a presidente, que iniciou seu mandato de joelhos, rasteja hoje perante o Mercado e o Congresso, radicalizando a receita política e econômica da direita tradicional e evidenciando a farsa de campanha eleitoral à esquerda. Aliás, a própria oposição tem avisado que sua política é ‘sangrar’ a presidente, obrigando-a realizar todo o programa conservador. A oposição não vê com bons olhos uma ‘ruptura institucional’ resultante de um processo de impeachment.
A crise econômica e política interna e uma economia mundial em desaceleração, incapaz de consumir as commodities brasileiras a preços elevados, não permitem mais, afinal, sustentar uma estratégia de ‘conciliação de classes’. O caminho do meio em que surfaram Lula, Dilma, Petismo, Lulismo et caterva, entregando o que era solicitado pelos abastados e apazigando os de baixo, é hoje nada mais que um pensamento mágico.
Diante do agravamento da crise e das manifestações prometidas contra ou a favor do governo, é essencial superar a arapuca que representa o verdadeiro Fla-Flu difundido pela mídia, que envolve boa parte da população.
Os protestos ‘contra a corrupção’, convocados pela ‘cidadania indignada’, que iniciam em 15 de março, não podem agigantar os insensíveis ao sofrimento popular, aos direitos civis, ao escorchamento da nação pelos rentistas, entre os quais muitos sonham com a volta da ditadura militar. Por sua vez, a convocação de entidades para a defesa do governo, a partir da manifestação do dia 13, não reconhece a orientação neoliberal e fisiológica do governo e do PT, abre-alas da atual corrupção sistêmica.
Saídas à profunda crise social, econômica, política e ética só terão alguma chance de começarem a se apresentar com um debate que traga ao centro da discussão a responsabilidade dos governos federal e estaduais, de petistas e tucanos.
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