Rotina de violências
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- 03/12/2007
Em Limeira, estado de São Paulo, um juiz (juiz?) recusou-se a receber pessoas que o procuravam para fazer cessar um despejo, pois as famílias ocupantes só não saíam da área porque não tinham para onde ir. Tratava-se de dar um tempo para que se encontrasse um terreno que as abrigasse provisoriamente, enquanto a Justiça não resolvesse a pendência entre a prefeitura e o governo federal, em torno da propriedade, que o Incra pretende usá-la para assentar as famílias que a ocupavam.
A disputa entre os dois órgãos públicos gira em torno do valor jurídico de um documento firmado pelo governo federal. Não há necessidade de provas, perícias, testemunhas - nada. É só ler o documento e dizer: "a prefeitura tem razão" ou então "o governo federal" tem razão.
Entretanto, essa mesma Justiça que não foi capaz, em sete meses, de solucionar um processo simplíssimo, decretou fulminantemente o despejo imediato de 250 famílias - decisão esta executada com bombas de efeito moral, balas de borracha, gás pimenta, sem a menor consideração pelas crianças apavoradas nos barracos de plástico.
Em Abaetetuba, no Pará, uma juíza de direito (juíza?) ordenou a prisão de uma jovem em uma cela com dezenas de presos. Essa repugnante aberração, cometida por agentes do poder público fez vir à tona casos semelhantes em quatro estados da federação. Certamente, uma CPI bem feita descobrirá que existem muitos outros.
Esses casos, que dominaram o noticiário da semana, não discrepam muito da seqüência de violências que estão sendo cometidas diariamente contra o povo por agentes do poder público e por agentes do poder econômico, sob a proteção dos primeiros.
Basta lembrar que, há duas semanas, cinco sem terras foram mortos, por pistoleiros, credenciados como seguranças, na Fazenda da multinacional Sygenta, no Paraná; e que, há um mês e pouco atrás, assistimos na TV a eletrizante caçada de dois suspeitos de tráfico de drogas em uma favela do Rio de Janeiro, por atiradores de escol entrincheirados em um helicóptero da Polícia. Ao vivo e em cores.
Duas explicações para esta escalada de barbárie.
Primeira: "os ricos perderam o medo dos pobres", como concluiu Eric Hobsbawn ao analisar as mudanças ocorridas no mundo entre 1989 e 1991.
Segunda: "a banalização do mal", conceito que Hannah Arendt cunhou para descrever situações de embotamento do senso moral, como aconteceu na Alemanha nazista. Nesse contexto, aberrações se sucedem com tal freqüência que entram na rotina da vida e levam pessoas normais a aceitar as atrocidades como inelutáveis.
Nessa realidade vergonhosa, tem culpa quem se deixa levar pela inércia e acomodação a ponto de perder a capacidade de indignar-se.
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Comentários
Fica a reparação. At. Hélio
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