Escapismo
- Detalhes
- Andrea
- 02/06/2008
Agora que o leite já está derramado, todo mundo contempla, assustado, o tamanho do problema que se criou: trata-se de nada menos do que risco de nova onda de crises de fome nas regiões mais pobres do planeta.
No entanto, não era difícil prever que a priorização da agricultura energética provocaria a redução da área destinada à produção de alimentos e que isto, mantida a demanda e limitada a oferta, só poderia jogar para cima o preço desses produtos.
As previsões da FAO são de dez anos de preços dos alimentos em níveis elevados.
Soado o alarme, já se fala em convocar uma Conferência Mundial para tratar do problema da alimentação, à semelhança da que foi realizada em Roma, em 1975, por sugestão de Henri Kissinger, então ministro do Exterior dos Estados Unidos.
Na ocasião falou-se muito em formação de estoques de segurança, banco mundial de alimentos sob administração da ONU, pacotes tecnológicos ajustados aos países mais pobres e uma série de medidas que não chegaram, na verdade, a nenhum resultado prático.
De prático mesmo, o que houve foi o interesse dos grandes capitais do mundo desenvolvido pelas áreas com potencial para produzir alimentos, na expectativa de faturar em cima dos estoques de segurança.
Nossa Amazônia foi um dos pólos de interesse desses capitais, a ponto de fazer com que o governo militar - preocupado com a compra de imensas áreas naquela região por capitalistas estrangeiros - fizesse passar uma legislação específica para restringi-las. A partir da prioridade dada pelo governo à agricultura energética, o risco de repetição dessa onda tornou-se tão real que o presidente do Incra deu recentemente uma entrevista reclamando medidas da mesma natureza adotada nos anos setenta pelos militares.
Começar a discutir o problema da ameaça de crise alimentar por uma conferência sediada pela FAO é um começo errado. A FAO não é o foro competente para a discussão da atual ameaça da ocorrência de crises de fome nas regiões mais pobres do mundo, pois este é um problema que não diz respeito nem à produção nem à distribuição de alimentos. Sua causa real é a civilização do automóvel. Cultiva-se cana-de-açúcar e desvia-se a produção de milho dos Estados Unidos para a produção de álcool, a fim de manter o ritmo da monumental produção de automóveis em todo o mundo desenvolvido.
Mas fazer essa afirmação é penetrar em terreno minado. Restringir o uso do automóvel implica mudar radicalmente todo um modo de vida e toda a ordem econômica a ele atrelada - reciclagem de tamanha monta não acontece senão no bojo de processos de ruptura da ordem estabelecida.
Por isso, se vier mesmo a ser realizada, a Conferência Alimentar de que se fala não terá outro efeito senão o de criar a ilusão de resolver – sem atacar pela raiz - um problema que acompanha a humanidade em todas as épocas e que se agravou, presentemente, em decorrência de um fator específico.
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