“O narcotráfico e a mineração ilegal atuam contra a paz e os avanços na Colômbia”
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- Leonardo Wexell Severo, de Bogotá
- 20/02/2025
“A Paz Total defendida pelo Governo da Mudança (Gobierno del Cambio) apela ao ser humano como sociedade envolvida com o meio ambiente, em benefício de todos os setores da Humanidade, da fauna e da flora. E o governo colombiano tem sido claro: é preciso acabar com a exploração mineira ilegal e o narcotráfico. Este ponto é crucial, mas tem sido boicotado pelos grupos armados, que sabotam a assinatura de um acordo específico, atentando contra a vida para tirar proveito próprio”.
O alerta foi dado em entrevista exclusiva ao HP pelo reverendo Luis Fernando Sanmiguel, da Igreja Comunidade Esperança, de Bogotá, coordenador do programa Comunidades de Fé Teusaquillo Território de Paz, “posicionando-se como um cristão inspirado na fé de Jesus e na Justiça”, diante do crescimento dos conflitos no norte do país e em Catatumbo – fronteira com a Venezuela - entre o Exército de Libertação Nacional (ELN) e dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) que não depuseram as armas.
A confrontação já provocou o deslocamento de mais de 40 mil pessoas, famílias inteiras que migraram para a Venezuela, em meio a recrutamentos forçados e aos mais de 80 assassinatos pelo ELN, seis seletivamente tão somente por terem assinado o Acordo de Paz com o governo.
“Paz total, paz integral, paz positiva”
“Acredito que o nosso compromisso é lutar coletivamente para erguer o reino de Cristo entre nós, daí a relevância da nossa participação na construção do processo de paz”, assegurou o reverendo, respaldando a consolidação de “uma das primeiras propostas aprovadas, a de Paz Total, chamada pelas comunidades de fé Paz Integral e no pensamento do sociólogo norueguês Johan Galtung - principal fundador da disciplina de Estudos sobre Paz e Conflitos - Paz Positiva”.
Apesar da iniciativa ser louvável, avaliou, “há um inconveniente”. “Acredito que a metodologia não foi a mais indicada porque se quis negociar com todos os setores ao mesmo tempo, com uma dura consequência: os grupos armados, independentemente de sua postura ideológica, querem manter uma paz que lhes permita negociar com uma economia ilegal, que é fundamentalmente o narcotráfico e a exploração mineral irracional, com graves desdobramentos no meio político, que é a corrupção”, condenou.
Sanmiguel apontou que o primeiro aspecto a ser levado em conta é que após séculos de exploração, “temos um presidente alternativo, que se chama Governo da Mudança, como se denominou sua campanha”. “Acredito que este é o seu propósito e vale a pena, mas que em quatro anos não pode ser consolidado”, ponderou, citando obstáculos em vários setores, desde o parlamento, os meios de comunicação, até parcelas da igreja. “As igrejas católica e evangélica protestante são majoritárias e temos outras que são minoritárias, como as de judeus e muçulmanos. Lamentavelmente, por tradição, os católicos têm sido sempre conservadores, não é segredo. Mas o protestante evangélico há optado por partidos de direita”, reconheceu.
“Governo empenhado nas negociações”
“A mim me parece que o governo Petro tem excelentes intenções, porque não está somente negociando, mas se empenhando na construção de uma paz integral para o conflito armado interno, com medidas relevantes para a consolidação do processo como a reforma agrária e avanços na saúde pública, entre outras mudanças sensíveis”, acrescentou. “Desde as comunidades de fé, o que queremos é uma proposta justa, equitativa, não violenta, uma negociação com muito diálogo, o que não foi conseguido. Mas nosso entendimento é que o reino de Deus é agora e está entre nós”, disse.
“Apesar das iniciativas do governo”, explicou o arcebispo, “a maioria da Câmara e do Senado se opõem às transformações, o que nos preocupa muito já que não se aprova nenhum projeto ou proposta, pois chegam até certo ponto e são barradas”.
“Mais de um milhão de hectares já foram entregues aos camponeses”
A Reforma Agrária é um projeto proposto desde os anos 70-80, mas sua implementação tem sido muito complexa e turbulenta, esclareceu. “Agora, nas negociações com as Farc, foi assinado um acordo que seriam concedidos aos camponeses três milhões de hectares de terras cultiváveis. Entre os governos dos presidentes Juan Manuel Santos (2010-2018), que assinaram a paz com as Farc, e o de Iván Duque (2018-2022), somados, foram entregues aproximadamente 30 mil hectares de terra, enquanto ao longo do governo Petro já são mais de um milhão de hectares”, ressaltou Sanmiguel.
Vale lembrar, destacou o reverendo, que “terras para os agricultores é o ponto número um da Reforma Agrária: que o camponês tenha onde plantar e que seja cultivável, com apoio técnico agrícola, com financiamento para produzir”.
No entanto, denunciou Sanmiguel, há um cavalo de Troia a ser combatido, “pois, por falta de qualificação, o governo tem sido obrigado a recorrer a quadros técnicos da oposição, agudizando a contradição, gente que sabota o processo desde dentro”. “São representantes de um setor político e empresarial rico e poderoso que realmente não aceita nenhuma mudança”, protestou.
“Tornar verdade e equitativa a justiça política e econômica”
Em relação às atuais declarações de Trump sobre os imigrantes, o reverendo considerou que “a Colômbia está no coração da América e do mundo, um país supremamente banhado em riquezas minerais e vegetais” e como qualquer povo e nação merece ser respeitado. Sem citar nomes, reiterou que “todo aquele que não age para tornar verdade e equitativa a justiça política e econômica vai contra a construção do reino de Deus”.
“A questão da migração vai se radicalizar em todo mundo e será uma característica do século 21, porque a busca de oportunidades é um estado natural da Humanidade. Os aposentados e pensionistas dos países mais ricos poderão viver muito bem, por mais pobres que sejam, em qualquer país da América Latina. Então, como não permitir a migração por mão de obra, em busca de qualificações acadêmicas?”, questionou.
“O que tem imperado é a eliminação do contrário: no político, econômico, cultural, social, em todas as áreas. O que temos visto é o cultivo permanente do poder pelo poder, a inaceitável lógica do olho por olho, dente por dente. Isso não se aplica à seguridade humana, que deve ser de diálogo, respeito, concertação, consensos, acordos e que todos possamos viver bem, construindo juntos. O corpo unificado deve reconhecer as diferentes funções dos diferentes membros”, concluiu Sanmiguel.
Leonardo Wexell Severo é jornalista.
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