Correio da Cidadania

O discurso eleitoral

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A dialética "nóis" e "eles" domina o discurso das pessoas das classes C e D nas "pesquisas qualitativas", realizadas por institutos especializados, a respeito da opinião do público sobre o quadro político.

 

Quando se refere ao "nóis", é um misto de conformidade com o destino ingrato (pobre é sempre assim...); e ressentimento em relação a "eles" (os ricos só pensam em si").

 

O conformismo abre espaço para justificar o apoio aos candidatos "deles" ("esse é uma pessoa honesta, que luta em favor do povo) e, ao mesmo tempo, para justificar a inoperância da pessoa que recebeu o seu voto ("eles" matam ele se ele for longe demais na defesa do povo). O ressentimento serve para justificar a omissão política ("eles" traem sempre, de modo que não adianta atuar na política).

 

Obviamente esse nível de consciência é incompatível com uma postura revolucionária. No entanto, constitui inapelavelmente a base objetiva do trabalho de conscientização e de organização das massas populares. Se a esquerda não conseguir desenvolver uma pedagogia adequada para agir nesse ambiente cultural, seus esforços serão literalmente perdidos.

 

Para ser eficaz, o trabalho de conscientização precisa preceder qualquer mobilização eleitoral, porque a massa está culturalmente predisposta a escutar o discurso dos candidatos como uma das artimanhas "deles" para ganhar o seu voto e traí-lo em seguida. Por esse motivo, a participação eleitoral da esquerda constitui um elemento subordinado na sua estratégia de construção da revolução brasileira.

 

A disputa eleitoral precisa ser encarada como um momento para despertar curiosidade por um discurso, feito por um "deles", mas que discrepe frontalmente dos discursos dos demais. Isto vale para as falas, para as alianças (uma fala radical no palanque de um notório corrupto ou de um conhecido reacionário evidentemente não pode convencer ninguém).

 

A palavra chave nesse contexto é "frontalmente". Sutilezas não entram na cabeça do homem-massa. Ele vive o concreto e só entende o concreto. Invectivas contra a corrupção não satisfazem o requisito da discrepância frontal.

 

Primeiro, porque notórios corruptos o utilizam com a mesma ênfase. Segundo, porque é um discurso perigoso, na medida em que desvia a atenção das causas reais da situação do povo; e finalmente, porque, no fundo, é um discurso que preserva o sistema capitalista e a dominação burguesa, como se um "governo honesto" bastasse para resolver os problemas reais do povo.

 

Para ter alguma chance de atenção na próxima disputa eleitoral, o discurso da esquerda precisa ser o do líder revolucionário do filme "Queimada", ao soldado que o conduzia ao cadafalso: "nesse momento você não vai entender o que eu estou dizendo, mas, amanhã, entenderá, porque, a partir de hoje, vai começar a pensar nisso".

 

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Comentários   

0 #4 Plinio Arruda Sampaio 23-04-2009 12:46
Prezado Huairan
Concordo plenamente com seus comentários. Ressalto algo que voce disse e que constitui o cerne da questão: trabalho de esclarecimento na base. Não temos veículos poderosos para dar combate frontal contra a mídia, mas temos militantes que podem esclarecer pequenos grupos.
Um abraço, Plinio
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0 #3 Nem tudo que é comum é normalHuayrãn Ribeiro 22-04-2009 11:51
A esquerda para ter alguma chance de atenção na próxima disputa eleitoral precisará de pessoas que tenham conhecimento de causa, seriedade e honestidade, ingredientes fundamentais para que o \"homem-massa\" (hoje) possa entender e assimilar tal discurso.
Não pode faltar nenhum desses três ingredientes se não a coisa toda desanda como tem acontecido de norte a sul desse país.
Não falta informação, o que falta é interesse pela informação. A esquerda precisa (isso sim) é começar uma cruzada para despertar o interesse da massa pela informação. Esse trabalho precisa ser feito nas bases comunitárias numa espécie de contra-ataque à direita.
A direita (des)informa, (des)educa, (des)doutrina e (des)politiza com o auxílio da grande mídia, da polícia, do tráfico, das milícias, uma vez ou outra manda o exército e de seus políticos infiltrados 24 horas por dia dentro das comunidades com centros sociais promovendo junto com igrejas, ONGs, associações e fundações todo tipo de alienação levando a massa a crer que tudo aquilo é normal.
O trabalho da esquerda é mostrar para a massa que nem tudo que é comum é normal. Isso só será possível através da informação correta e sem propaganda enganosa e para tal tem que ser sério, honesto e ter conhecimento de causa.
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0 #2 Plinio Arruda Sampaio 16-04-2009 14:42
Prezado Naaman
Gostei muito dos seus comentários. Lembro apenas que meu artigo está dirigido a leitores que sabem o que é "dialética". Tentei até no começo do Correio (há dez anos atrás) combinar páginas com artigos mais didáticos. Não deu certo.Para compensar, tenho escrito livros dirigidos diretametne a pessoas de pouca escolaridade. Voce já leu "Construindo o poder popular".
Nesse livro tentei ficar perto da linguagem do Lula. Mas não se esqueça: nem todos têm o dom da comunicação como ele.
Muito obrigado pela sua mensagem.
Um abraço, Plinio
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0 #1 PedagogiaNaaman Sousa de Figueiredo 11-04-2009 13:50
"Se a esquerda não conseguir desenvolver uma pedagogia adequada para agir nesse ambiente cultural, seus esforços serão literalmente perdidos."
Ainda não conseguiu-se desenvolver essa pedagogia?
"Sutilezas não entram na cabeça do homem-massa. Ele vive o concreto e só entende o concreto."
Que tal começar por aí? Parar com o palavreado rebuscado e falar o que o povão entende?
Pergunte a um cidadão comum na rua, se ele sabe o que é "dialética". A maioria não sabe e nunca vai ler um editorial que começa justamente com essa palavra.
Temos o maior professor desse tipo de pedagogia que já existiu na esquerda brasileira: o Presidente Lula.
Por que não aproveitar suas aulas?
O povão, com certeza, entende suas falas (as dele).
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