Marina: uma nesga de céu azul
- Detalhes
- Andrea
- 20/08/2009
A notícia de que a senadora Marina Silva decidiu candidatar-se a presidente da República é como uma nesga de céu azul em dia escuro e chuvoso.
Caso ela venha realmente a disputar o cargo, a campanha eleitoral de 2010, que parecia estar se configurando como uma enfadonha disputa entre dois candidatos do mesmo partido – o Partido da Ordem Estabelecida –, pode dar origem a um debate que fuja dos ataques pessoais e sirva para elevar o nível de politização do povo.
Tudo, porém, vai depender da escolha que a senadora fizer a respeito da linha da sua campanha.
Se escolher a plataforma tradicional dos "verdes", que alinha as soluções para a defesa do meio ambiente dentro do regime capitalista, o debate não será muito promissor. No seu compreensível afã de não alargar o campo da disputa, a fim de conseguir aliados de todos os lados, os "verdes" ainda não perceberam a impossibilidade de defender o meio ambiente sem reduzir a rentabilidade do capital. Não perceberam que a questão ambiental não é simplesmente técnica, mas política, e que não ampliarão suas forças se não tocarem na essência do problema.
Ora, como todos sabemos, o regime econômico e político no qual vivemos repousa fundamentalmente na acumulação infinita do capital. O melhor exemplo disto é observar, na crise econômica atual, o esforço que os governos de todos os países estão fazendo para normalizar o mais depressa possível o processo de acumulação, sem qualquer consideração a respeito dos terríveis efeitos, tanto na população como no meio ambiente, das medidas que estão adotando.
A clara lição dos fatos é que as medidas de defesa do meio ambiente não serão aplicadas enquanto a acumulação do capital for o fundamento da vida social.
Iludir-se-á, portanto, a senadora se imaginar que, como presidenta da República poderá fazer o que não pôde fazer enquanto foi ministra do Meio Ambiente.
Contudo, mesmo se escolher esse discurso limitado, sua candidatura é melhor para o Brasil do que o repetitivo debate sobre as qualidades e defeitos dos dois candidatos do Partido da Ordem.
Acontece que a senadora tem tudo para escolher outro discurso: a exposição clara das verdadeiras causas da agressão à natureza. Nesta hipótese, sua candidatura constituirá, sem dúvida, um marco importante no processo de tomada de consciência das massas a respeito da ruptura do "status quo", sem a qual nenhum de seus problemas será resolvido.
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Comentários
Mas, vamos lá:
Aqui do Alto Xingu, os índios pedem à maiara para ler de novo o post acima, relativo ao artigo do Professor Carlos Lessa, e informam a posição deles sobre a Marina Silva:
1. a missionária Marina Silva opera na faixa do entendimento, do compromisso com a geopolítica do des-envolvimento sustentável e seu neoliberalismo ambiental, orquestrado pela OMC para a abertura de fronteiras comerciais, no interesse das grandes corporações transnacionais, o que tem dificultado as políticas ambientais em cada país;
2. os índios operam contra essa pactuação, eis que há uma contradição entre meio ambiente e a lógica do livre comércio quando vista pelo prisma do conceito de território, visto que o meio ambiente não é o lugar onde só se produz, mas onde se mora, e toda produção deixa, para os que ali vivem, atrás das coisas a serem usufruídas principalmente no exterior, rejeitos [fumaça, calor, rejeitos líquidos, urinas e fezes de animais, lixos tóxicos e químicos, etc], que não circulam entre fronteiras, como as mercadorias, tornando-se assim parte de um meio ambiente desfigurado e degradado;
3. o livre comércio que o capital apregoa é o dos proveitos, não o dos rejeitos, e os índios não aceitam compromissos quanto à geração de rejeitos nem quanto à sua [deles] herança, como aceitam os apóstolos do des-envolvimento sustentado, tal como apregoado por Stephan Scmidheiny em seu “Changin Course”, segundo o qual o mercado operando livremente pode dar solução equiliobrada a respeito;
4. o conceito e a lógica do des-envolvimento sustentado, engolidos sem mastigar por ambientalistas como a missionária Marina Silva, foram arquitetados dentro da estratégia empresarial de busca de alternativas dentro dos marcos do livre mercado, ou seja, das regras do jogo capitalista, fora do protagonismo de ampla base popular e cultural, na crença de que grandes corporações e seus “think tanks” podem divisar soluções viáveis para todos os problemas, inclusive os ambientais;
5. nesse jogo atuam o “Business Council for Sustainable Development”, do qual fazem parte grandes transnacionais, cujas aspirações são encaminhadas também por organismos “multilaterais” como o Banco Mundial, o FMI e a OMC, em detrimento dos gestores dos Estados nacionais, cujo papel tem sido minimizado no contexto da política neoliberal do Estado-mínimo e da transferência de suas funções para as chamadas “Agências reguladoras”, capturadas pelos interesses privados, e as Organizações neo-governamentais, teleguiadas do exterior;
6. os índios não aceitam o que os ambientalistas do des-envolvimento sustentável já engoliram, ou seja, a transfiguração da atmosfera em mercadoria: coisas tal como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo [MDL], cujo objetivo é criar um mercado de CO2, no qual convergem as transnacionais do Hemisfério Norte que produzem contaminação e as mesmas transnacionais que atuam no Hemisfério Sul, fabricando produtos florestais que sequestram carbono, e por aí vai [Mecanismos de Certificação Florestal, Convenção do Clima, Convenção da Diversidade Biológica, etc.];
7. tais mecanismos, atuando dentro da lógica mercantil, partem da idealização do funcionamento do mercado e do capitalismo e estão configurando novo desenho de poder histórico do sistema capitalista global, que ganhou impulso com a utilização da dívida externa dos países em desenvolvimento e coloniais como instrumento dos interesses das grandes transnacionais, apoiadas pelo BM, FMI e OMC, visando o des-envolvimento sustentado de comunidades, regiões e países;
8. na origem do neoliberalismo ambiental, início dos anos 1980, o des-envolvimento sustentável implicou que os melhores solos e subsolos devem ser utilizados para o exterior em troca de dívida externa e para isso, o BM operou sua Global Environment Facility [GEF] — agência criada de modo quase secreto, sem participação pública, que opera tecnicamente as Convenções de Diversidade Biológica e de Mudança Climática Global — cuja atuação levou ao declinante papel do Estado, inclusive na geração de ciência e tecnologia, ao crescimento dramático do investimento estrangeiro, facilitado pela desregulação;
9. a tríade BM, FMI e OMC, gestora dos interesses dos países avançados e templos de economistas monetaristas e neoliberais, capturados pelo capital financeirizado, tem condicionado as políticas de des-envolvimento sustentado nos países subdesenvolvidos e coloniais, com a imposição de metas draconianas para o déficit público, geralmente em setores ligados a direitos sociais universais [saúde, educação, previdência social, vigilância sanitária, fiscalização ambiental, saneamento básico, infraestrutura, etc.] e à manutenção de políticas de juros altos, de reprimarização das exportações, e de livre-cambismo, que também favorecem o turismo especulativo do capital financeirizado, ocasionando sérios danos ao meio ambiente, inclusive com a perda de diversidade biológica e a morte de ecossistemas.
Os índios param por aqui…, mas lembram que, no início da aventura colonial, nas caravelas portuguesas ou espanholas, a figura de proa era sempre um padre, necessário ao apaziguamento e à conversão dos “selvagens”. A coisa não mudou muito neste capitalismo financeirizado neoliberal: como os padres estão meio desmoralizados, vão agora de missionárias…
Também considero que cabe a esquerda a apresentação de um modelo de desenvolvimento para o país, que combine a construção de uma sociedade fraterna e solidária, com o respeito à natureza e aos seus ciclos de regeneração.
Por último, esse modelo, ao denunciar o papel predatório do capitalismo, deve negar a possibilidade da existência de um “capitalismo verde”, e afirmar a urgência de se apontar para a construção de um socialismo que junte as melhores tradições da esquerda com a ecologia combativa, crítica e não cooptada pelo governo.
Os dois projetos existentes são farinha do mesmo saco e estão comprometidos com a barbárie ambiental e social. Se a esquerda não construir um fato novo, vamos todos e todas para o saco, junto com o planeta.
Se a Marina topar isso tudo, não vejo como não pensar seriamente em seu nome, seja para presidente, seja para vice. Marina topará? Esta é a questão fundamental, porque não vejo nos dirigentes do PV estatura política/moral para barrá-la se ela estiver decidida.
Esta é a pergunta que a esquerda claramente deve fazer a ela, para se começar a falar sério. O resto, com todo respeito a todos e a todas, é exercício de futurologia, e a minha bola de cristal anda meio embaçada
Que falta fizeste no II Congresso do PSOL!
Mas é isso, verdade que há uma nesga azul no céu. Entretanto, vem para anunciar a continuidade da tempestade que cai sobre a população mais carente.
O capitalismo verdejante é a nesga azul que precisa o capitalismo para manter-se explorando os recursos naturais e o trabalho humano, as duas fontes de valor.
Mas o PSOL terá candidat@, e o nome de Plínio é uma alternativa, caso HH saia para o Senado.
Saudações Ecossocialistas, logo, libertárias.
Axé
BAguinha
Aproveitando a questão do relativismo,mando uma colaboração na forma de uma parte do artigo da professorea Silvia Pimenta Velloso, da UFRJ, que, no meu entender, aborda muito bem essa matéria:
O relativismo como niilismo, ou a metafísica desiludida
Ora, o relativismo que marca o cenário contemporâneo, longe de constituir uma ruptura com a pretensão metafísica, mantém a idéia de substância, apenas deslocando-a da esfera da razão ou dos valores para a esfera dos pontos de vista. Ele constitui um racionalismo do qual se retirou a pretensão à universalidade e a possibilidade de transcendência. Nesse caso, há uma multiplicidade de substâncias, uma pluralidade de pontos de vista (que são como mônadas, cada uma fechada sobre si mesma).
O relativismo permanece uma posição metafísica na medida em que incide apenas sobre seres já constituídos – tais como indivíduos, épocas históricas ou culturas. Ele não questiona a validade ou a verdade de uma dada posição – pois é essa hipótese que está por definição excluída - mas apenas a possibilidade de hierarquizá-las: cada ponto de vista se torna assim igualmente legítimo.
Dar a todas as perspectivas um valor equivalente significa pressupor, sub-repticiamente, uma meta-perspectiva (aquela a partir da qual todas as perspectivas são equivalentes). Isso equivale a comer o bolo e continuar com ele na mão: renuncia-se à verdade mas obtém-se um novo critério tão legítimo e tão “fundamentado” quanto a própria verdade. O relativismo pretende assim realizar uma operação impossível: denunciar a ausência de fundamentos permanecendo ele próprio numa posição fundada.
Situar a reflexão ética no debate entre relativismo X universalismo significa partir do pressuposto de que o que está em questão é a possibilidade de fundamentação - o que permanece uma posição rigorosamente metafísica. O problema do relativismo não é levar a crítica da verdade ou recusa dos fundamentos longe demais, mas não a levar longe o bastante.
Assim definido, o relativismo caracteriza uma posição niilista, na medida em que constata a impossibilidade de fato de toda fundamentação, sem no entanto por em questão seu valor de direito. Nesse sentido, permanece preso ao referencial cuja ausência pretende denunciar. Os relativistas são os sem teto da metafísica.
Leiam o artigo completo em:
http://tragica.org/artigos/02/12_silvia_pimenta.pdf
Em tempo: você é o Plínio Arruda Sampaio, deputado federal nos idos de 1988? Abraços.
Tenho muita admiração por você e pela sua luta. Mas, antes de discutir Marina temos que saber o seu programa e as alianças que ela pretende fazer. As alianças de Lula deram o quadro que hoje temos. Portanto, vamos nos acautelar. Como já disse, fazemos alianças com os diferentes de nós mas que ajudem a avançar a luta de classes. Marina é muito diferente de nós, por isso, é preciso construir um programa que dê conta da situação atual, para além da questão ambiental. Dependendo do programa veremos se Marina pode ser nossa companheira de viagem. Temos que confiar na organização popular e fazê-la avançar para além do senso comum. Chega de salvadores da pátria.
No entanto, qualquer racha na burguesia enfraquece nossos inimigos.
Marina racha um núcleo central da burguesia tucano-petista. Por si só não quer dizer muita coisa. Vamos aguardar nos organizando e não esperando por falsos salvadores.
Plínio, um dos coveiros da História é o relativismo.Cuidado para não resvalar nesse poço sem fundo.
Grande Abraço
com grande admiração
Como expliquei a outro leitor, na vida tudo é relativo: o artigo compara a noticia da candidatura da Marina com o resto do noticiário, especialmente o obceno episódio das denuncias de falcatruas no Senado. Diante disto, com todos os defeitos e limitações da Marina, a noticia de sua candidatura é uma nesga de ceu azul. Pelo menos vai discutir coisa séria e teremos ocasião de dizer-lhe as verdades que estão no seu comentário. A redação.
respondendo ao seu e-mail, apraz-me concordar com a sua tese: se não houver Educação ecologica do povo (que deveria começar no primeiro ano do curso primário e avançar até a Universidade) não haverá lei,estatuto ou vigilância, que dê conta de proteger a natureza.
Gratos pelo seu comentário
A redação.
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