Correio da Cidadania

Uma campanha revolucionária

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Revolução é transgressão da (des)ordem estabelecida. É sempre aqui e agora. É palavra e ato. Se o discurso for transgressor, mas não houver ação transgressora, não se trata de revolução.

 

A (des)ordem a ser transgredida é a vigente. Mas nem sempre a conjuntura permite aos revolucionários transgredi-la de maneira global. Antes disso, muitas transgressões são necessárias – as transgressões das determinações concretas emitidas pelas regras da (des)ordem estabelecida, vigentes em um momento dado.

 

Na conjuntura atual, essa determinação reza assim: "Todos, nas eleições, são obrigados a aceitar a agenda, as regras e, sobretudo, o ritual da cultura política hegemônica no país". Conseqüentemente, numa conjuntura distante do momento de ruptura com o sistema, o ato verdadeiramente consiste em comportar-se de modo diametralmente oposto ao que prescreve esse ritual.

 

Qual é a prescrição da (des)ordem estabelecida para os candidatos da esquerda? Prescreve-se que estes devem fazer uma campanha eleitoral "certinha", "comportada", ou seja, um tipo de campanha na qual eles não têm a menor possibilidade de vencer, pois o "establishment" só tolera os partidos de esquerda enquanto funcionam como legitimadores do sistema.

 

Seguir o "script" não se confunde com o emprego de uma linguagem violenta nos comícios e na TV. Isto não faz dano algum ao sistema. Ao contrário, ele usa essa violência para assustar o eleitorado com o espantalho de uma esquerda discricionária e violenta.

 

Campanha "certinha" é a que se baseia em materiais de propaganda; roteiros de viagens, comícios e carreatas, que só produzem efeito positivo quando adquirem uma escala muito grande – campanhas de dezenas e até centenas de milhões de reais. Como a esquerda não tem a menor condição de levantar quantias tão grandes, ela imita a grande campanha fazendo uma "campanhazinha faz-de-conta", e, como não tem dinheiro nem para isso, recorre muitas vezes à própria direita para financiar seus gastos. Esta tem todo o interesse em fornecer-lhe o suficiente para campanhas-mirins, porque campanhas eleitorais criam excelentes oportunidades de lavagem de dinheiro.

 

Além disso, o fato de que partidos de esquerda também recebam contribuições de empresários fornece um belo álibi à direita: "Fazemos o que todos fazem". Claro que o dinheirinho fornecido aos candidatos da esquerda jamais lhes permite alcançar a escala em que cartazes, folhetos, churrascos, anúncios em jornais façam algum efeito.

 

Por outro lado, campanha eficaz é aquela cujas propostas desnudam, com lucidez e clareza, a lógica do sistema capitalista e a decorrente impossibilidade de cumprir as promessas que os políticos da direita fazem ao povo.

 

Comportando-se fora do "script" que a direita lhe impõe, o resultado é uma pequena quantidade de votos, porque a mídia convenceu o eleitorado de que toda campanha eleitoral "pra valer" é a que segue o ritual estabelecido.

 

Seguindo o seu próprio "script", que não separa o presente do futuro, o revolucionário atribui valor distinto à questão da quantidade de votos, pois, independentemente destes, a campanha valerá para todas as pessoas que têm uma consciência crítica e que se identificam com um discurso que desconstrua a manipulação do eleitorado pelo "establishment".

 

Para a massa dos eleitores, restará um selo, um sinal, uma lembrança. Com o tempo, a realidade se encarregará de mostrar-lhes que a mensagem não entendida é a que pode responder aos seus anseios. E como o verdadeiro ator dos processos revolucionários é a massa, a transgressão definitiva começará a configurar-se concretamente nessa hora do despertar de milhões de consciências hoje adormecidas.

 

Será que a esquerda brasileira está preparada para essa ousadia revolucionária?

 

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Comentários   

0 #5 Doutrinarismo estérilAntônio Augusto 14-10-2009 04:25
Ao contrário do que diz este editorial, nos próprios termos da sua linguagem rebuscada, para “descontruir a manipulação do eleitorado pelo ‘establishment’ “, é necessária uma campanha voltada para o conjunto da população, e não fazer apenas uma campanha que valerá apenas “para todas as pessoas que têm uma consciência crítica”.

A verdadeira consciência, crítica, surge e se desenvolve através da ação política das massas populares, não de pretensos iluminados que partem do princípio de que ao povo é inacessível entender o que falam.

Se não conseguem se comunicar com o povo e se fazer entender por ele, algo de muito errado existe nesta “política”.

Trata-se da velha “teoria” dogmática, típica de muitas correntes trotskistas ou trotskizantes, de que tudo só depende da existência de supostas vanguardas puras e preparadas para aproveitar conjunturas revolucionárias.

É a volta ao velhíssimo e impotente doutrinarismo estéril da antiga Política Operária (PO), que no seu propagandismo, incapaz de elaborar uma tática política, dirigia-se apenas aos “mais avançados”, já que seria impossível se dirigir às massas.

Evidentemente que verdadeiramente avançado é quem, junto com as massas, com uma política voltada para elas, praticada por elas, possibilita o avanço da luta política de massas.

O interesse central atual do povo brasileiro, expresso na próxima disputa eleitoral, é a derrota da candidatura principal da direita, a candidatura antipopular, demotucana, de José Serra.

Aí deve se situar o centro da campanha política das forças democráticas, populares e de esquerda, em particular, dos revolucionários, e dos revolucionários mais conseqüentes, os comunistas.

Nada mais de massa, ao encontro dos seus anseios, e passível do entendimento do conjunto da população do que a central e inadiável campanha política contra a candidatura Serra.

Campanhas meramente propagandistas, incapazes de uma tática política, isto é, incapazes de travarem concretamente, na prática, a luta de classes, não voltadas para o povo, “teorizadas” como “a mensagem não entendida é a que pode responder ao anseios da massa dos eleitores”, não passam de fraseologia pseudo-revolucionária, o contrário da ação efetivamente revolucionária.
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0 #4 campanha revolucionáriaHélio Querino Jost 07-10-2009 11:56
O exemplo da esquerda Européia não tem sido nada animador, o que leva a sérias dúvidas sobre se a "nossa" esquerda está disposta a romper com o sistema. Parece que há uma acomodação global.
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0 #3 guimarães s. v. 07-10-2009 11:55
para infelicidade de todos nós, a resposta é um contundente não. a esquerda brasileira ainda não compreendeu que a postura eleitoralista, nos marcos do status quo, não leva a vitória alguma que se preze. ainda não entendeu que a participação nas eleições só é importante como veículo das idéias revolucionárias de construir outro mundo, livre, humano, solidário, desejável e possível, e que a "vitória" deve se resumir a eleger parlamentares, deputados federais e estaduais, vereadores e, quiçá, senadores, a fim de aumentar o poder de divulgação das propostas de mudança. o papel maior da participação eleitoral é o de tentar educar o eleitorado para o grande passo futuro: a mudança do sistema vigente, a derrubada do "establishment". mas isto está ainda muito longe...
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0 #2 Pergentino Mendes de Almeida 07-10-2009 11:52
Primoroso. Este artigo fala o essencial e poderia ser um ponto de partida para a discussão do que seria uma agenda de esquerda não-utópica. Uma discussão necessária e extra-campanhas eleitorais.
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0 #1 Marlene Petros Angelides 06-10-2009 11:27
Prof. Plínio,
Parabéns por tanta disposição de luta. Sua candidatura é, sim, a semente delicadamente colocada na terra para germinar. Assim como a candidatura do Prof. Chico de Oliveira na USP. Vocês dois, exemplos de combatividade, coerência, decência, já são parte da História dos movimentos sociais, dos oprimidos, dos despossuídos, dos perseguidos. Que grande prazer e honra tê-los conhecido!
Grande abraço.
Marlene
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