Correio da Cidadania

A síndrome do “mal menor”

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Crises econômicas, sociais, políticas, muito graves costumam deixar marcas no comportamento das gerações e das camadas sociais que sofreram mais agudamente seus efeitos. Assim foi com a crise econômica mundial de 1929; com a revolução espanhola de 1935; com a Alemanha pós-Hitler, para citar apenas três de muitos outros casos.

 

A ascensão do neoliberalismo nos anos 90, embora não tenha se revestido do dramatismo dos exemplos citados, teve um impacto muito maior do que os exemplos mencionados, porque, na verdade, foi um cataclismo muito maior.

 

Ninguém deixou de ser afetado pela reviravolta neoliberal: nem o rico, nem o pobre, nem o trabalhador, nem o empresário, nem o país altamente desenvolvido, nem a nação mais miserável da África.

 

Os impactos foram diferenciados, mas todos, sem exceção, foram marcados por um deles: o impacto da incerteza.

 

Como em toda transformação social, há perdedores e vencedores na reviravolta neoliberal, mas o fato novo é que nenhum deles escapou da sensação de incerteza.

 

Em um mundo marcado pelo declínio acentuado dos valores morais, estéticos, sociais (declínio registrado por autores como Christopher Lasch, Richard Sennet e vários outros), mesmo antes da explosão socialista, as condutas individuais e coletivas decorrentes do sentimento de incerteza tornaram-se extremamente negativas.

 

Desse modo, o perfil do homem e da mulher do século XX, independentemente de sua posição social, é o de uma pessoa sem perspectivas de progresso pessoal e social assustada com a possibilidade de perder até mesmo a posição já galgada. Convencida de que não há alternativa para a situação social criada, a obsessão dessa pessoa é garantir-se, não se arriscar, não se comprometer com idéias e valores. Nem se empenhar completamente em nada, não desenvolver relações interpessoais profundas, deixar sempre abertas várias rotas de fuga, tanto no campo da economia quanto no âmbito dos sentimentos, das lealdades, das paixões.

 

Um ser morno, moldável, conformado, tanto na vida pessoal como na vida política. Ele sofre da síndrome do "mal menor". A meta é unicamente evitar o pior, buscar o mal menor, porque na sua cabeça não passa a idéia de opor-se frontalmente a ninguém, uma vez que assume, a priori, a impossibilidade de vencer um ataque.

 

Contra-atacar não é viável e atacar, então, não pode sequer ser cogitado, porque envolve o risco de aniquilação total.

 

Presas nesses grilhões, nem as pessoas nem as organizações populares, tampouco as agremiações de esquerda, conseguem formular estratégicas adequadas e táticas de ação coerentes para sair do lodaçal que as envolve.

 

Esse ser humano empobrecido na sua dignidade costuma racionalizar sua covardia com chavões do tipo: "não se pode fugir da vida como ela é. Fazê-lo é prova de irrealismo".

 

Este obstáculo terrível à liberdade, à democracia, à realização das pessoas só poderá ser vencido se for enfrentado com os valores autênticos das grandes correntes do pensamento religioso e marxista empenhadas hoje na empreitada heróica (e cheia de riscos) da reconstrução do socialismo.

 

Não há vitória sem luta, não há luta sem risco.

 

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Comentários   

0 #19 Plinio Sampaio 04-12-2009 21:43
Prezado Nelson,
Voce tocou no ponto: a covardia dos honestos.
Muito obrigado pela sua participação no debate. Para isto é que existe o Correio da Cidadania.
Abraço, Plinio
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0 #18 pliniosampaio 04-12-2009 08:12
Prezada Karin,
muito obrigado pelo coomentário. Eu também fico muito preocupado com a reação da juventude ao problema da participação política. Mas não posso negar que, dado o grau de aviltamento a que a atividade política chegou, eles tem justificativa (embora não razão) para sua atitude.
Um abraço, Plinio
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0 #17 FALAR A VERDADEPeterson 01-12-2009 17:09
O pais sofre muito pela falta de alguem que fale a verdade como o Plinio!
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0 #16 Os mais “fodidos” mostram o caminhoNelson 28-11-2009 21:41
A leitura deste belo editorial fez-me dar uma olhada uma pouco mais detida na realidade que nos cerca. O que vemos é que “os mais fodidos entre os fodidos” – como escreveu Eduardo Galeano – é que estão a nos mostrar o caminho.
Quem está a impulsionar lutas realmente transformadoras da sociedade, que superam o mero corporativismo, em nosso continente? Isso mesmo, os “fodidos” indígenas bolivianos e equatorianos, os “fodidos” trabalhadores rurais do MST.
Os índios da Bolívia são, sem dúvida, o maior exemplo para nosotros, que estamos aí, basbaques, quase que a contemplar o que se passa, agindo muito pouco ou simplesmente não movendo um dedo sequer. Pois esses índios, considerados a escória da sociedade em todos os países latino-americanos empreenderam um movimento irrefreável. Depois de expulsarem duas grandes empresas estrangeiras, derrubaram governos corruptos e colocaram em seu lugar um companheiro deles, que está a implementar as mudanças necessárias em seu país.
Enquanto isso, os “educados” preferimos “não nos arriscarmos, não nos comprometermos com idéias e valores” a fim de preservarmos nossa “posição já galgada”.
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0 #15 InfividualismoKarim Borge dos Santos 27-11-2009 18:43
Vivemos na era do individualismo, quando a literatura de auto ajuda nos faz viver cada vez mais a competitividade. Não se sabe mais o que é solidariedade. Eu como professora de Geografia tenho dificuldade em discutir com meus alunos o mundo em que vivemos, bem como as contradições instauradas. E a justificativa que recebo desses jovens é que eles não acreditam mais em ninguém, nem em políticos, nem nos professores e nem mesmo na sua própria família. Portanto, não podem fazer nada pelo mundo e não querem saber. Vivemos o momento do individualismo, difundido pela literatura e pela mídia. Vejo nisso grande dificuldade de mudanças na busca de uma sociedade mais justa.
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0 #14 plinio sampaio 21-11-2009 15:20
Wilson,
voce usou, em seu comentário, a palavra certa: dopagem. Esta geração está sendo dopada, a fim de não tomar consciencia da exploração que sofre.
Muito obrigado pelo seu comentário.
Plinio
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0 #13 plinio sampaio 21-11-2009 15:18
Hector
eu também me preocupo com uma juventude que está sendo educado para conformar-se com a mediocridade. Meu jeito de superar essa preocupação é o engajamento na luta socialista. Há jovens entusiasmados com ela.
Um abraço e obrigado pelos comentários
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0 #12 pliniosampaio 21-11-2009 15:16
O antído, companheira Marilia, chama-se engajamento na revolução. Está convidada.
Muito obrigado pelo comentário
Plinio
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0 #11 plinio sampaio 21-11-2009 15:14
Prezado Guimarães,
primeiramente muito obrigado pelos seus comentários, com os quais concordo em grande parte. Uma pequena observação a respeito de sua desilusão com o socialismo: uma proposta pode ser inviável em si ou, sendo viável, não viabilizar-se por defeito de execução. Esta última alternativa foi o que aconteceu com o socialismo. Corrigida, a proposta continua sendo a unica alternativa valida ao capitalismo.
Um abraço, Plinio
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0 #10 plinio sampaio 21-11-2009 14:57
Oh! Perácio,
que beleza de confissão! Só por ela, fica evidente que voce pode superar essa crise. Sim. Crise. Crise imposta por uma realidade que precisa urgentemente ser mudada.
Muito obrigado pela sua contribuição. Abraço, Plinio
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