Um debate falso e atrasado
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- 22/11/2013
A decisão recente do Supremo Tribunal Federal de fazer com que se cumpram as penas do chamado ‘mensalão’, inclusas aquelas que levaram para a prisão militantes históricos do Partido dos Trabalhadores, José Dirceu e José Genoíno, mobilizou o debate público.
Assim como já ocorrera quando da prorrogação do julgamento em causa por esta mesma Corte, há cerca de dois meses, entrou novamente em cena a lógica binária e maniqueísta na análise do cenário atual, e que tem como verdadeiro motivo a disputa eleitoral de 2014, com os arraigados interesses de ambos os lados do espectro político.
Não é novidade alguma a campanha sem paralelos com que a mídia corporativa se lançou por sobre a estigmatização dos ‘mensaleiros’ petistas. Trata-se, afinal, de grupo que, ainda que tenha beneficiado o grande capital, nunca será o partido do coração da burguesia brasileira, com o qual jamais teve afinidade de classe e ideológica e que sempre esteve em sua mira para a desconstrução simbólica.
A intenção, por sua vez, de associar os mensaleiros a práticas intrínsecas de esquerda não cola. O que de fato teria motivado a compra de deputados, denunciada no processo do mensalão, foi a necessidade de conseguir maioria no congresso para a aprovação da reforma previdenciária, nos moldes exigidos pelo FMI e pelos bancos internacionais. Os alvos eleitos para o ataque da direita estão hoje, portanto, muito aquém de alcançar o que se pode chamar de esquerda. Afinal, 2013 foi o ano em que efervesceram manifestações e demandas sociais, as quais, ainda que de forma pouco consciente ou organizada, começaram a se posicionar contra a usurpação histórica de direitos, seja pelo poder público, privado ou pelas agremiações partidárias.
Face a uma tal conjuntura, qual é o sentido de se manter em uma lógica e focos de pensamento binários e passionais? Mais ainda: quando está nítida uma criminalização pesada e crescente da luta social, da qual participam todos os níveis de governo, federal, estadual e municipal, com a polícia espancando manifestantes à luz do dia e prendendo e agredindo estudantes de forma arbitrária e discricionária (conforme, entre outros, as centenas de professores, pesquisadores e populares presos e criminalizados no Rio de Janeiro), como aceitar que o debate público seja tomado quase que exclusivamente pela prisão de figuras poderosas?
No Fla-Flu instalado entre defensores e detratores dos atuais condenados pelo STF, tucanos comemoram as prisões do alto de suas lambanças com a privataria, os mensalões, o propinoduto no metrô paulista, a máfia do ISS. Quanto aos petistas, não estiveram até agora nem perto de convocar a sua militância para denunciar tão graves condutas de roubo ao patrimônio público, voltando-se quase exclusivamente às desventuras de alguns dos seus condenados. E de ambas as agremiações políticas, nenhuma palavra sequer sobre a criminalização do movimento social e as agressões que têm sofrido muitos daqueles que ousam pôr o pé na rua e a boca no trombone.
Nesse caminho, somente uma certeza: a fúria com que vem se armando Estado e direita para intimidar e reprimir as manifestações populares que se anunciam para 2014, naturalizando a arbitrariedade da PM.
Comentários
Existe uma discussão sobre o procedimento do STF no julgamento e nas prisões, e esta é uma questão importante.
Para não ser confundido com defensores dos mensaleiros, o Editorial ignora este debate.
O julgamento colocou em questão o problema do controle do judiciário e da mídia.
Os erros do PT não justificam os erros do STF, assim como o possível envolvimento de Amarildo com o tráfico não justificam a truculência da polícia.
E nota-se o mal pós-moderno ao nos depararmos com comentaristas que indagam o que ou quem é burguesia, isso num governo que alimentou grandes oligopólios e financiou todos os setores dominantes do país. Santa cachaça!
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