Correio da Cidadania

Do golpe militar à tentativa de democracia

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O golpe ditatorial de 64 foi sinistro e de longo período. O transcurso de seus cinquenta anos exige acerto de contas com o passado, em nome da verdade, da justiça e da memória dos que foram brutalmente assassinados, perseguidos, exilados, torturados.

 

Em nome dos que tiveram os direitos políticos, civis, sindicais e sociais espezinhados. Em nome também das multidões de anônimos trabalhadores que sofreram o desemprego, o confisco, o arrocho salarial e os ritmos alucinantes do trabalho.

 

Tudo em prol dos proprietários da riqueza e do poder do país que, através dos altos oficiais militares, impuseram a dependência crescente ao grande capital mundial e jogaram o país em um endividamento externo que deu início à sequência das décadas perdidas, a partir dos anos 80 do século passado.

 

Os 50 anos do golpe militar produziram inúmeros e ótimos livros, resenhas, documentários e filmes. Um necessário reencontro com um passado que não pode ser esquecido, para que não seja mais repetido.

 

Mas é preciso ir além. Pois são evidentes as mazelas e heranças da ditadura militar até os dias de hoje.

 

Nesse início de 2014, segue e radicaliza-se a repressão policial dos segmentos trabalhadores, da população pobre, do movimento social. O monumental aparato repressivo que se constrói para garantir a Copa, seus negócios, e reprimir as manifestações, com as leis de exceção e criminalização aprovadas em diversos níveis legislativos, acendem uma luz amarela.

 

Nos fatos, quando se registram os 50 anos do golpe, monta-se esse aparato repressivo por governo que, no passado, se disse dos trabalhadores. Forças policiais e militares ocupam, como a um território inimigo, regiões urbanas das nossas principais capitais, deixando atrás de si rastro de sangue de populares e trabalhadores, executados por policiais ensandecidos pela retórica de “guerra civil” e a impunidade de que gozam.

 

Que estranho país é o Brasil, que lembra os 50 anos do golpe com repúdio e tristeza, mas tem governos que armam suas polícias militares até os dentes para reprimir lutas, reivindicações e protestos sociais da grande população nacional oprimida e desassistida. Para a imposição da nova ordem democrático-autoritária, incute-se o medo à população, servindo-se da retórica da luta contra o terrorismo. Há terroristas contra civis entre nós, com terríveis armas químicas? Há homens e mulheres-bombas desesperados assaltando os palácios governamentais, as casas legislativas, os quartéis de polícia?

 

Quando vemos na televisão um vídeo mostrando uma pessoa sendo arrastada pelas ruas por um camburão da PM, após ter sido morta por esses mesmos policiais, uma luz vermelha deve ser acesa. Cinquenta anos depois do golpe e isto ainda ocorre, em especial nas periferias, favelas e comunidades das grandes cidades, onde a polícia tem licença para matar.

 

Cinquenta anos após o golpe, segue o literal monopólio da grande mídia, que se impôs desde seus primeiros momentos. Situação que todos os governos pós-1985, sem exceção, sancionaram e fortaleceram.

 

Parece evidente que a transição do regime ditatorial para a ordem institucional não se completou. Os esqueletos e as heranças do regime militar estão muito ativos na nossa sociedade. Conquistamos o direito de voto, de organização, manifestação, expressão, isto é certo. Mas é profundo o DNA violento e repressor do Estado brasileiro.

 

As necessidades e direitos inarredáveis da população foram transformados em um enorme negócio, com exclusivos objetivos de lucro, e serviços crescentemente inacessíveis e desqualificados. Mesmo sob um governo que se imaginava progressista, monta-se um autêntico Estado de Exceção penal.

 

Para sermos coerentes com a história e a memória da luta contra a ditadura militar, é imperioso que bandeiras democráticas, políticas e sociais tenham relevância na pauta de todos os movimentos populares.

 

Que não fiquem impunes os torturadores e mandantes dos crimes da ditadura, ainda vivos. Que se arranquem todas as homenagens públicas que ainda se mantêm àqueles criminais – nomes de ruas, avenidas, colégios etc.

 

Que se desarme o aparato militar, policial e jurídico herdado e radicalizado dos anos ditatoriais, pondo fim à repressão e criminalização diária das lutas sociais.

 

Que se impulsionem a segurança, a saúde, a educação públicas de qualidade.

 

A sociedade brasileira precisa por fim às heranças malditas do golpe de 64, que ainda as corrói subterraneamente. Este é o verdadeiro sentido de lembrarmos desta data.

Comentários   

0 #1 RE: Do golpe militar à tentativa de democracia Adolfo Magalhães 07-04-2014 19:32
Nao mudou nada, só o nome
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