Copa: o legado da exceção
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- 11/08/2014
As imagens bonitas da Copa trazidas pela maior parte da mídia comercial, com ruas coloridas e brasileiros cordiais na recepção aos estrangeiros, não são de modo algum o retrato completo do legado que vai ficar do evento esportivo. Tampouco a boa organização e a inexistência de um completo caos em estádios e aeroportos devem ser tomados isolada ou acriticamente para se avaliar o legado dessa Copa.
O atual momento precisa ser apreendido a partir de fatos e imagens que estiveram longe do alcance da maioria dos cidadãos comuns. Como é o caso da onda de absurdas prisões “preventivas” de ativistas no Rio de Janeiro e em São Paulo, o que se insere numa escalada jurídica e militar para criminalizar as lutas sociais, sem sequer habeas corpus e direito de defesa. Uma escalada que ameaça qualquer noção básica de democracia.
Esse aparato repressivo do Estado brasileiro, montado para garantir a Copa com suas leis gerais, estruturou-se com o objetivo de preparar o terreno para enfrentar a ampla retomada das lutas sociais verificada desde junho de 2013. A Copa foi um excelente cenário de preparação e o seu legado é esse verdadeiro estado de exceção, onde se prende preventivamente antes de atos, onde se fazem absurdas ilações e falsificações policiais disfarçadas de “investigação”, tentando incriminar e criminalizar sindicatos e partidos.
A pedagogia com que se constrói esse estado de exceção é esclarecedora para se entender que se busca criminalizar as próprias formas de organização e manifestação da classe trabalhadora e da juventude. Na lógica jurídico-policial e ideológica que está sendo construída, os “vândalos”, sejam eles partidos, sindicatos ou parlamentares, são aqueles que planejam atos e conseguem sustentação financeira e amparo político. São hoje enquadrados como verdadeiros criminosos, bem além da sua estigmatização como figuras radicais ou fora da ordem, e que causam mais problemas com suas greves, denúncias, protestos etc. Fecha-se o círculo do “vandalismo” e suas conexões.
Registre-se, noção reproduzida de forma acrítica e cínica pelos grandes meios de comunicação, Rede Globo à frente.
Por mais primitiva que possa parecer (e é) tal construção de amálgamas para preparar o terreno de futuras criminalizações, ela precisa ser levada muito a sério, especialmente porque se está testando e buscando uma nova base jurídica para o enquadramento do direito de organização e manifestação, em níveis em que estes direitos, simplesmente, estariam suprimidos na prática. Exatamente por ser tão tosca tal montagem é que ela se torna perigosa, pois as mais arbitrárias e autoritárias peças jurídicas têm de rasgar qualquer pudor em relação a qualquer elementar lógica ou formalidade democrática.
Tudo passa a ser vandalismo: greves, piquetes, ocupações de prédios públicos, convocar e “planejar” uma manifestação. Lembre-se que a recente demissão dos 42 metroviários de São Paulo após a última greve ancorou-se na acusação dos demitidos como vândalos.
E, que fique claro, governos de diversos campos políticos estão irmanados nesta ofensiva, seja da base de sustentação de Dilma, ou da oposição reacionária dos tucanos, ou a suposta terceira via em torno de Eduardo Campos. Reprimem, com igual ferocidade, seja a PM do Distrito Federal (sob governo do PT), seja a de Alckmin, seja a do PSB de Pernambuco. Montam farsas jurídicas tanto os governos do PMDB do Rio como os tucanos em São Paulo.
É necessária uma ampla campanha democrática pelo direito de manifestação e organização, contra a criminalização das lutas sociais e dos ativistas, pelo arquivamento dos processos contra os ativistas da Copa, pela libertação dos que continuam presos, pela desmilitarização das polícias. Também é parte concreta e indispensável desta luta a campanha pela readmissão dos 42 metroviários de São Paulo.
Protestar não é crime. O fim da escalada jurídica e militar autoritária exige a derrota do Estado de Exceção, da “democracia” sem direitos.