Correio da Cidadania

Anti-imperialismos retóricos vs. nacionalismos populares

Bandeira da Colômbia – Wikipédia, a enciclopédia livre

Por ocasião do conflito entre o presidente Gustavo Petro e Donald Trump, gerado pela rejeição pública expressa pelo mandatário colombiano à forma degradante como o governo dos EUA deporta imigrantes (algemados, acorrentados e tratados como criminosos), o tema do nacionalismo e do anti-imperialismo veio à tona. Petro declarou, no último Conselho de Governo (transmitido ao vivo pela TV e rádio), que “ele não se ajoelha” e coloca Simón Bolívar como seu principal referente nessa questão.

Refletindo sobre isso, formulei algumas perguntas que tento responder brevemente neste texto, a fim de aprofundar a reflexão sobre o sentido do nacionalismo na atualidade, depois que ‒no mundo‒, a grande maioria das experiências nacionalistas, com exceção de algumas potências regionais como China, Índia e Irã, foram derrotadas ou terminaram em grandes fracassos (caso dos países do Norte da África, Oriente Médio e América Latina).

Essas perguntas são: por que o povo colombiano ‒ supostamente ‒ não é tão nacionalista (e/ou antiimperialista) quanto podem ser os povos cubano, mexicano e venezuelano? Qual é a razão? Ou, como dizem alguns, o povo colombiano é “por natureza” cipayo e covarde? Ou há razões que explicam e nos ajudam a compreender o assunto? E, além disso, diante do enorme poder que os grandes conglomerados capitalistas transnacionais têm hoje, a estratégia tradicional de luta nacionalista dos países dependentes tem algum futuro?

Na realidade, o povo colombiano está em formação como uma “entidade sociopolítica”. Por ser tão diverso social, étnica e culturalmente, ainda não possui uma identidade além de alguns símbolos (a bandeira, o hino nacional, a seleção de futebol e alguns “imaginários”) que respondem à necessidade de reconhecimento.

Mas podemos afirmar que, pela forma como as elites oligárquicas sempre dominaram, impôs-se um “espírito cortesão” que se mantém por longos períodos até que rebeliões esporádicas e parciais eclodem, as quais foram derrotadas com a ajuda dos impérios interessados (Espanha, Inglaterra e EUA).

Por outro lado, a diversidade de povos indígenas que existiam neste território na chegada dos invasores ibéricos, que estavam em diferentes estágios de desenvolvimento (alguns nômades, outros sedentários, como os muiscas, e outros entre nômades e sedentários, como os wayuu, arahuacos, misak, nasas, pastos, quillacingas, emberá e outros), e a grande variedade de ambientes e acidentes geográficos e naturais que os isolavam (cordilheiras separadas por vales, florestas e selvas enormes), fizeram com que os colonizadores europeus e seus herdeiros crioulos não conseguissem construir uma verdadeira Nação, como ocorreu no México.

Além disso, a forma como os espanhóis assentaram as populações negras trazidas da África acentuou e enriqueceu essa diversidade, assim como ocorreu com os “povos yanaconas” trazidos do norte do Peru e do Equador no processo colonizador que veio do sul. Os outros dois processos colonizadores vieram do norte, através do rio Magdalena (Gonzalo Jiménez de Quesada), e da atual Venezuela, por Nicolás de Federman (enviado por alemães).

Mas o mais importante é que toda essa situação gerou muitos conflitos entre os diversos povos, mas também entre as elites colonizadoras, que formaram centros de poder equidistantes: Bogotá, Cartagena e Popayán, que respondiam a poderes diferentes. Essa debilidade impediu que criassem uma identidade unificada. Além disso, essa situação os tornava muito temerosos diante de qualquer expressão popular autônoma. Por isso, sempre recorreram à violência e à traição para evitar rebeliões e “desordens”, como ocorreu com a “Revolução Comunera” (1781) e com todas as “guerras civis” provocadas e manipuladas que ocorreram nos séculos 19 e 20.

Essas condições iniciais fizeram com que a causa da independência da Espanha não fosse compartilhada por amplos setores sociais que, como os indígenas, não confiavam nos encomenderos crioulos e, por isso, como ocorreu no Cauca e Nariño, e em outras regiões, preferiram se aliar aos realistas. O mesmo fizeram as comunidades negras, como no caso do Vale do Patía, onde os “macheteros” inicialmente lutaram contra os patriotas.

Ou seja, a Nação que surgiu sob a liderança dos latifundiários da Nova Granada não representou ‒ em nenhum momento ‒ interesses populares. E, mais ainda, a primeira geração de lutadores pela independência, que tinham certa sensibilidade social, como José María Carbonell, Francisco José de Caldas, Policarpa Salavarrieta e outros lutadores autênticos, foi traída e sacrificada pela oligarquia crioula no interregno entre 1810 e 1816.

Assim, desde o início, essa “Nação” nasceu manca, precária, dividida, “por cima e por baixo”. E as elites oligárquicas sabiam que, para manter esses povos submetidos, precisavam do apoio de algum império (primeiro os ingleses e depois os estadunidenses). E, por isso, ocorreu a entrega do Panamá, o que confirmou aos povos oprimidos que essa história de “Nação” era uma farsa. Uma farsa que tem sido usada para enganar com falsas identidades.

Nessas nuances surgiu a identidade “paisa” (com ancestrais catalães, bascos e outros), que construiu uma identidade especial e um nacionalismo regional que, embora tenha aspectos positivos em relação ao espírito empreendedor e à capacidade de trabalho, foi manipulado para gerar um certo desprezo pelos “outros”. Eles tiveram planos de criar uma “nação paisa” com a região antioquenha à frente, incluindo Panamá e Costa Rica, e têm sido um fator divisionista, racista, patriarcal, conservador e clerical em nosso país. Ou seja, como se demonstra na Catalunha, nem todo nacionalismo e independentismo é revolucionário e progressista.

Tudo isso nos leva a concluir que nosso povo não é “por natureza” cipayo e covarde. Ele demonstrou em várias ocasiões que é capaz de enfrentar todo tipo de poderes internos e externos, mas, de alguma forma, intui, quase instintivamente, que, se os interesses dos povos e dos trabalhadores não estiverem à frente dessa luta, os capitalistas (oligarquia financeira, burguesia burocrática, burguesias emergentes) usarão essa “bandeira” para continuar com o engano.

O que estamos vivendo na Venezuela, Equador e Bolívia serve para demonstrar que os falsos nacionalismos “sem verdadeiro espírito popular e transformador” nos levam a enfrentar os impérios usando os “Estados herdados” (coloniais, capitalistas, burocráticos e extrativistas), sem gerar formas efetivas e consistentes de “poder popular”. Esse caminho não leva a lugar algum. Para não seguir por essa rota, é necessário construir “autonomias produtivas de novo tipo”, onde a participação popular, o associativismo e a colaboração, a consciência ambiental e as novas formas de democracia entrem em jogo.

Do contrário, ficaremos presos a esses “antiimperialismos retóricos” que só servem às cúpulas burocráticas e corruptas que se empoderam nos “processos de mudança” para se tornarem novas elites, pintadas de “revolucionárias”, mas que são um obstáculo para os verdadeiros processos transformadores. São lições recentes que devemos estudar e assimilar para não nos deixarmos enganar por aqueles que também idealizaram Simón Bolívar e outros “próceres da independência”.

Não esqueçamos que esses “próceres” traíram ‒ em seu tempo ‒ índios e negros; usaram esses povos para “sua causa”, mas adiaram e negaram a liberdade dos escravos, e ainda hoje desconhecem os direitos da maioria da população. Gabriel García Márquez relata muito bem isso em seu livro “O General em Seu Labirinto”, quando lembra como Bolívar ordenava a seus generais: “Coloquem índios e negros na frente, assim vamos resolvendo esse problema”.

Fernando Dorado é ativista social, dirigente sindical de trabalhadores do setor de saúde e eletromecânicos. Colabora com movimentos sociais do Vale do Cauca, Colômbia. Deputado entre 1994-1997.
Traduzido por Gabriel Brito, editor do Correio da Cidadania.

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