Correio da Cidadania

Diferentes pesos, ou interesses, diferentes medidas

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Talvez, o maior contraste entre o tratamento reservado às medidas tomadas pelo presidente Chávez e aquelas verificadas em outro país qualquer pode ser visto quando observamos que outra grande batalha pela manutenção da “liberdade de imprensa” e do “respeito à opinião pública” ocorre no continente: também em maio, mês que marcará o fim da concessão pública à RCTV na Venezuela, a Corte Suprema e o Congresso Nacional no México decidiram sobre o destino das concessões públicas dos meios de comunicação. Curiosamente, a atenção da grande imprensa, e especialmente dos jornalistas e escritores independentes, parece não ser a mesma.

 

O parlamento mexicano votou recentemente a Lei de Rádio e Televisão que, acertadamente, é chamada pelos políticos de Lei Televisa, em referência óbvia à maior rede de televisão privada da América Latina. A lei, que foi aprovada no conturbado período que levou Felipe Calderón à presidência do país, em meio a denúncias e grandes evidências de fraude eleitoral, mereceu pedido de inconstitucionalidade por parte de 47 senadores, entre os quais vários do ultra-conservador Partido de Ação Nacional do presidente “eleito”. Muitos senadores que participaram da negociação alegam que a lei em questão foi elaborada e aprovada pelo parlamento sob chantagem: a base parlamentar do candidato que finalmente se impôs – Felipe Calderón – ouviu claramente que ou aprovavam a lei ou, “sem Televisa, não venceremos as eleições”, como narrou um senador.

 

O recurso encontra-se na Corte Suprema e, entre muitos outros, três aspectos chamam poderosamente a atenção.

 

O artigo 16 da nova LFRT indica que a concessão será de 20 anos, com preferência de renovação para os atuais proprietários. A lei anterior indicava que a concessão seria de até 20 anos, podendo ser revogada “conforme interesse nacional, por se tratar de um bem de uso comum escasso e sujeito ao regime de domínio público da Federação”. O segundo problema importante é que a nova versão da Lei proíbe “os povos e comunidades indígenas de adquirir, operar e administrar estações de rádio e televisão” - o que não representa pouco em um país onde existe mais de 60 povos originários e, após 1994, o princípio das autonomias municipais vingou em grande parte do território nacional, especialmente entre as populações indígenas, que desde então se rebelaram. A terceira questão controversa é que 8 dos atuais concessionários poderão adquirir novas emissoras e bandas de tecnologia sem passar por leilões públicos.

 

Como qualquer um pode supor, a Corte Suprema não é, no México ou em qualquer lugar deste planeta, um reduto de radicais dispostos a enfrentar o evidente reforço do monopólio informativo em uma sociedade convulsionada; e, em conseqüência, não pretende uma revisão global da lei que ameace os donos do poder com a democratização no setor das comunicações. Para os críticos mexicanos, a Corte não está interessada em estabelecer um marco de concorrência entre as duas grandes empresas que dominam a televisão no país e talvez corrija apenas os aspectos mais gritantes aprovados pelo parlamento. Contudo, também lá se escutam os gritos em protesto por esta ameaça à “liberdade de imprensa”. O assunto é motivo de debate todos os dias nos grandes jornais mexicanos. Mesmo assim, o silêncio sobre o tema domina a mídia brasileira, especialmente na televisão, porque se trata de um tema daqueles que “não fica bem tocar”.

 

Caso a Corte Suprema confirme a legislação aprovada pelo parlamento em circunstâncias inaceitáveis, a “regulação” do setor ficará definitivamente marcada pela atuação de dois grandes monopólios (Televisa e TV Azteca), conferindo aos mesmos privilégios que seriam considerados abusivos em qualquer país realmente preocupado com o pluralismo no meio jornalístico. Contudo, neste caso, os tradicionais defensores da “liberdade de imprensa” parecem estar satisfeitos com o rumo da situação, pois a matéria é obviamente inconveniente para os donos do poder, especialmente para os monopólios, razão pela qual deve ser mantida fora dos holofotes. A falta de respeito para com a opinião pública neste caso é evidente, mas nem mesmo jornalistas independentes e escritores relativamente atentos aos estudos latino-americanos ou dedicados à análise da mídia chamaram a atenção devida ao fenômeno.

 

Apesar do subdesenvolvimento e da dependência que caracterizam nossa formação social, não haverá nos trópicos o padrão equivalente daquele jornalismo estadunidense que, na periferia, é considerado por gregos e troianos como o padrão mundial de qualidade precisamente destinado a “fabricar o consenso”? Observem, por exemplo, outro exemplo de respeito à opinião pública e à liberdade da imprensa implícita na intervenção das tropas da ONU no Haiti. O contraste existente entre a importância que o comando brasileiro das tropas da Minustah na intervenção no Haiti assumiu para a política externa brasileira e a falta de informação correspondente nos grandes jornais e, especialmente, na televisão nacional sobre o tema parece não comover os defensores da liberdade de imprensa. Neste, como em muitos outros casos, ninguém está preocupado com o respeito à opinião pública e podemos mesmo afirmar que o padrão jornalístico sobre o tema indica um grande temor de bem informar a opinião pública do que realmente ocorre no pequeno país caribenho após a destituição de Aristide e a intervenção patrocinada por Washington sob comando da ONU.

 

Neste, e em tantos outros casos, não podemos dispor do “direito à informação” e desfrutar da “liberdade de imprensa” pela qual zelamos muito e que leva preocupação a todos aqueles que consideram que ela está sendo eliminada na Venezuela com o fim da concessão pública à Rádio Caracas Televisão. Por que o jornalismo brasileiro – que desfruta plenamente da “liberdade de imprensa” – não percorre os bairros de Cite Soleil, escutando a dor e o desespero das vítimas da violência, que, segundo organizações independentes, são praticadas inclusive por nossas tropas, além de também escutar o “outro lado” do conflito, fortalecendo ainda mais as virtudes de nossa democracia e as convicções da opinião pública?

 

A atenção dos monopólios televisivos parece estar voltada para o ataque à “liberdade de imprensa” na Venezuela e, obviamente, só nos resta compreender que eles não dispõem de fundos necessários para cobrir os acontecimentos no Haiti com a mesma atenção que o fazem em Caracas, onde a Revolução Democrática Bolivariana está supostamente solapando as bases da democracia liberal.

 

 

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