Correio da Cidadania

O que realmente interessa quanto à RCTV

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No que diz respeito à RCTV, há mesmo duas questões essenciais que deveriam preocupar a todos nós e que merecem ser amplamente debatidas. A primeira é a identificação dos motivos que levam o governo do presidente Chávez à não renovação da concessão pública; a segunda, implica em indagação sobre o destino que o governo dará ao canal que individualmente é o maior do país.

 

No que se refere à primeira, não é destituído de interesse saber se os críticos que atualmente defendem a “liberdade de imprensa” e acusam o presidente Chávez de limitá-la utilizaram, para condenar o término da concessão à RCTV, a mesma lupa de que lançaram mão para reprovar a atuação do governo venezuelano. Estes críticos passam por alto o comportamento da própria empresa diante da “liberdade de imprensa”, pois, caso utilizem o mesmo critério, não poderão ignorar, por exemplo, a decidida ação da empresa na tentativa golpista realizada contra o presidente Chávez em abril de 2002 - que só não se consumou porque a mobilização dos bairros pobres impediu que a farsa da posse de Pedro Carmona, então presidente da Fedecamaras (a maior federação patronal do país), prosperasse.

 

A propósito, é decisivo recordar que, no dia da “posse” de Pedro Carmona, lá estava o presidente da RCTV entre as autoridades civis anunciando um novo período para a democracia venezuelana e o respectivo retorno à Constituição de 1959.

 

Os defensores da “liberdade de imprensa” não consideram que a atuação destacada da RCTV no golpe de abril representou uma demonstração cabal de menosprezo pela democracia e a “liberdade de imprensa” que estava obrigada a defender e que, no entanto, violou completamente. Estes mesmos críticos situam o problema em uma esfera subjetiva, afirmando que o fim da concessão é uma demonstração de que o presidente Chávez jamais “perdoou” a empresa por sua atuação golpista, como se tudo pudesse ser resolvido por uma mudança de comportamento do primeiro mandatário que não perde oportunidade para revelar sua crônica incapacidade de “perdoar” - renegando assim, uma vez mais, a saudável disposição que deveria exibir para “pacificar” o país.

 

Desta forma, os fiéis defensores da “liberdade de imprensa” pretendem fabricar o consenso de que o golpe de abril era possível sem a atuação das redes privadas de televisão e, em conseqüência, produzir a ilusão de que tudo passou como passou em função do comportamento “histriônico” do presidente venezuelano. Após esta demonstração de menosprezo completo pela “liberdade de imprensa” e pelo regime democrático, poderia a RCTV esperar destino diferente daquele que a aguardou?

 

A segunda questão essencial em debate é o destino que o governo dará à concessão pública.

 

É incrível observar que, no uso estendido do conceito de “liberdade de imprensa” prevalecente em nossos países, ninguém parece interessado em saber qual a via de fortalecimento do Estado induzida pela presidente Chávez. O liberalismo conveniente aos monopólios indica que o fortalecimento do Estado é indesejável para uma sociedade democrática, de tal forma que, quando o Estado ganha força, a sociedade civil perde vitalidade. Contudo, na Venezuela, o fortalecimento do Estado nacional não significa o reforço do “ogro filantrópico”, mas exatamente seu oposto: uma grande possibilidade de democratização do mesmo. É precisamente esta ameaça de democratização do Estado venezuelano que imprime temor à classe dominante no Brasil, pois, em nosso país, a “transição” da ditadura à democracia não passou de um processo em que os privilégios de uma ordem social ultra-autoritária, marcada pela relação parasitária entre o grande empresariado e o Estado, foram preservados por meio da “negociação” que assegura aos donos do poder o prestígio social e as posições de mando costumeiras.

 

Neste sentido, a Revolução Democrática Bolivariana em curso na Venezuela é uma crítica contundente à tentativa liberal de legitimação da ordem burguesa implícita no “processo constituinte de 1988”, do qual derivou a “Constituição Cidadã”, assim definida pela ala consentida da oposição à ditadura. O período posterior – que vai de 1988 ao dia de ontem – jamais pôde ventilar sequer uma real oportunidade de revisar aquele velho e conhecido pacto que manteve intactas as posições de privilégio na sociedade brasileira. Entende-se, portanto, por que o ímpeto “reformista” nunca cessa no Brasil e, ao mesmo tempo, revelam-se as razões pelas quais as “reformas” nunca cumprem entre nós suas funções democratizantes: quando se anuncia uma nova reforma política, o objetivo é deixar o povo fora da decisão! Da mesma forma, entende-se a distância que as elites brasileiras pretendem manter do que denominam as “mudanças chavistas”, pois estas, no essencial, desataram na Venezuela um amplo processo de democratização do Estado, de descolonização do poder e da política e de construção coletiva de um projeto nacional que, no Brasil, somente se admite retoricamente.

 

 

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