Correio da Cidadania

A não declarada Política Nacional de Meio Ambiente (2)

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No intuito de ampliar o debate, numa série de três textos são apresentadas as principais ações do governo federal com reflexo direto sobre os ecossistemas brasileiros e a qualidade de vida das comunidades constituintes, no conjunto, entendidas como a política nacional do meio ambiente. Neste segundo manuscrito,  discutem-se o impacto da produção do álcool proveniente da cana-de-açúcar, os transgênicos e a posição do Grupo dos Cinco sobre concessões em detrimento do crescimento econômico.

 

A produção de álcool proveniente da cana-de-açúcar

 

A produção em larga escala de biodiesel e de álcool proveniente da cana-de-açúcar é apresentada pelo governo federal como a principal alternativa ao uso dos derivados de petróleo. Também é citado como tecnologia limpa e que contribuirá para reduzir as emissões de carbono. Devido à extensão necessária para plantio de cana para essa finalidade, já pensando na ampliação da produção de álcool para exportação, este é um empreendimento que atende ao interesse do grande empresário do agronegócio.

 

Quais são as alternativas para o pequeno produtor rural? E a reforma agrária? O milho, também empregado na produção de álcool, é o principal componente da ração animal. Segundo recente relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), a ampliação no uso do milho para a produção de álcool, e sua respectiva redução na oferta para ração animal, já reflete no preço dos alimentos, com perspectivas de maior elevação dos preços em toda cadeia produtiva, inevitavelmente atingindo o consumidor final. A ampliação da exportação de álcool sem dúvida também refletirá no preço final do produto ao consumidor no Brasil, impondo a redução da porcentagem usada na gasolina e a alteração da proporção do valor do álcool quando comparado ao valor da gasolina, numa questão de oferta e demanda.

 

O governo federal também não acena com alternativas que permitam a redução do consumo de derivados de petróleo e do próprio álcool. Mantém-se a perspectiva da venda de veículos de passeio para impulsionar a economia e o uso preferencial do transporte individual em detrimento do transporte público coletivo de qualidade, de quebra reforçando a necessidade de rodízios e pedágios em grandes centros urbanos como meio para reduzir o número de veículos em zonas preestabelecidas. A preferência pela produção de álcool da cana para impulsionar veículos automotores individuais torna-se mais preocupante se levarmos em conta as discussões referentes aos problemas originados pela monocultura da cana, pela necessidade de novas áreas no Cerrado e na Mata Atlântica para a ampliação da produção e também devido à perda de biodiversidade, ocasionada pela redução de habitats.

 

Os transgênicos

 

Ainda relativo às discussões relacionadas ao agronegócio, por algum tempo, agricultores brasileiros plantaram ilegalmente soja transgênica. Vencidos os “debates”, a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) mantém a liberação comercial da soja e de milho transgênicos, mesmo após a divulgação de estudos que discutem a possibilidade de o milho geneticamente modificado fazer mal às cobaias, como divulgado pelo Greenpeace e o Comitê de Pesquisa e Informação Independente de Engenharia Genética (Crii-gen).

 

Estas suspeições demonstradas nos testes sugerem claramente a necessidade de exaustivos estudos com organismos geneticamente modificados, permitindo conclusões mais seguras sobre seu impacto no meio ambiente e na saúde dos animais e do próprio homem, seu consumidor final, antes da sua liberação para uso geral. Além disso, recentes estudos demonstram ampliação no uso de agrotóxicos em plantações com transgênicos, contrariando o discurso inicial proferido pelas grandes empresas produtoras de transgênicos e seu complemento, os agrotóxicos, de que o uso de transgênicos implicaria na redução do consumo de herbicidas. A semente transgênica também custa mais do que a semente convencional, implicando na elevação do custo de produção e do produto final, incompatível com a produção em pequena escala.

 

Assim, a ampliação no uso de transgênicos e herbicidas atende aos interesses do agronegócio multinacional. A CTNBio, da mesma forma que o IBAMA, em outros momentos também foi alvo de duras críticas do agronegócio globalizado pelo excesso de zelo nas discussões técnicas referente aos transgênicos, impondo barreiras e dificultando sua liberação. O que será que mudou?

 

Apesar de tudo, é positiva a atuação da Justiça Federal do Paraná que, em 28/06/07, suspendeu, em decisão definitiva de mérito, a aprovação comercial do milho geneticamente modificado “Liberty Link”, produzido no país pela multinacional Bayer CropScience. A medida condiciona eventual liberação à realização de estudos preliminares para garantir a coexistência do milho transgênico com variedades orgânicas e convencionais, além de regras para monitoramento pós-colheita do “Liberty Link”.

 

A posição do Grupo dos Cinco

 

Também não deixam de ser preocupantes os discursos do presidente Lula, em particular o ocorrido em Heiligendamm (Alemanha, junho de 2007), indicando que o Grupo dos Cinco - Brasil, China, Índia, México e África do Sul -, não farão concessões em detrimento do crescimento econômico. Este é um claro indicativo de que as questões ambientais e a preservação dos ecossistemas brasileiros estão relegadas a um segundo plano. Sugere, mais ainda, que o governo federal não pretende impor barreiras aos empreendimentos unicamente por trazerem danos irreparáveis ao meio ambiente.

 

Ficam as perguntas: A mudança ocorrida no IBAMA seguiu essa política? E o que dizer sobre a transposição do São Francisco e a construção das usinas no rio Madeira? O crescimento econômico é para atender à demanda e aos interesses da maior parcela da população brasileira ou um meio de ampliar o lucro rápido do empresariado globalizado? Será que o modelo de crescimento a qualquer custo, por mais de 500 anos implantado no Brasil, ainda prevalece?

 

 

Marcelo Pompêo é professor do Departamento de Ecologia da USP

 

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