Termelétricas ignoraram a Segunda Lei
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- Murilo Fagá
- 28/08/2007
No Brasil, a energia hidráulica é hoje o recurso natural predominante na geração de energia elétrica. Mais de 90% da eletricidade consumida têm origem nas turbinas movidas pela água vertida dos reservatórios, construídos pelo homem e distribuídos por todo o território nacional. A partir dos anos 1970 - e durante quase duas décadas -, com a inserção significativa dos grandes aproveitamentos hidrelétricos no país associada às incertezas de preço e à dependência do petróleo importado, disseminou-se o incentivo para que a indústria substituísse derivados de petróleo por eletricidade na obtenção de energia útil na forma de calor (denominada de eletrotermia), com a concessão de vantagens tarifárias à aquisição de energia elétrica e financiamento de novos equipamentos.
No final da década de 90, ante a não realização do investimento necessário, em função dos fracos resultados das ações de conservação e uso racional de energia, deparamo-nos com a iminente escassez de energia elétrica.
A fim de evitar uma possível crise energética, os responsáveis pelo planejamento, avaliando a longa maturação dos projetos hidrelétricos e a iminente oferta de gás oriundo da Bolívia, optaram, equivocadamente, em priorizar a utilização do gás na produção de energia elétrica, ignorando a possibilidade de utilizá-lo na substituição de eletricidade.
Finalizada a conclusão do gasoduto Brasil-Bolívia, sem a existência de um mercado disseminado e maduro para o gás natural - com suas exigências contratuais, do tipo take or pay, obrigando o comprador a retirar ou pagar um percentual da quantidade diária contratada, e ship or pay, onde o comprador se compromete a pagar um percentual da capacidade do gasoduto -, foi criado o Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT). Em sua última versão, publicada em fevereiro de 2000, previa a construção de 49 termoelétricas a gás natural. O PPT responderia simultaneamente pela ancoragem do gás natural e pela produção de eletricidade. Poucas unidades foram construídas (algumas com a participação da Petrobrás) e, atualmente, a eletricidade que geram não as viabiliza, pois necessitaram de grande investimento de capital (alguns financiados pelo BNDES). Estão ociosas, uma vez que, durante a maior parte do ano, os reservatórios têm disponibilidade de oferta de energia elétrica.
No entanto, não se pode desprezar a necessidade de ampliação e diversificação gradativa do parque gerador de energia elétrica. Algumas fontes de energia primária, no curto prazo, podem contribuir para satisfazer essa ampliação da sua oferta. Excluindo a energia eólica (energia dos ventos), todas as outras (urânio, petróleo, carvão, biomassa e gás natural) são primeiramente transformadas em calor, através de uma reação nuclear ou de combustão. A transformação do calor liberado em eletricidade, nas termelétricas, ocorre através dos chamados ciclos termodinâmicos. Ocorre que, ao se fazer a opção pela inserção gradativa da termeletricidade, principalmente, como previsto, utilizando gás natural, surge um novo paradigma de uso racional de energia.
Não é possível transformar integralmente uma quantidade de calor em trabalho. A segunda lei da termodinâmica ensina que parte do calor deve ser rejeitada, como a que é rejeitada pelo escapamento de um carro, sendo essa quantidade rejeitada ainda maior devido a limitações tecnológicas. A eletricidade obtida nas grandes e modernas termelétricas que utilizam gás natural é no máximo cerca de metade da energia térmica disponibilizada pela reação de combustão.
Para disponibilizar energia útil na forma de calor, através da eletricidade obtida em uma termelétrica a gás natural, é necessário uma maior quantidade de calor do que quando se utiliza diretamente o gás natural como energia final. Em razão disso, parte da eletricidade utilizada para a produção de energia útil na forma de calor deveria ser substituída por energia de origem química, como o gás natural, o que representaria uma economia substancial de energia primária.
Recentemente, um estudo sobre o tema avaliou a economia de energia primária que resultaria da substituição da eletricidade utilizada para fins térmicos, nos diferentes setores de consumo, por gás natural. Concluiu, numa estimativa conservadora, que haveria uma economia anual de um milhão e meio de toneladas equivalentes de petróleo e, aproximadamente, um bilhão e novecentos milhões de metros cúbicos de gás natural, quantidade que corresponde a aproximadamente 20% da capacidade máxima do gasoduto Brasil-Bolívia.
Assim, para enfrentar o desafio de uma futura escassez na oferta de energia elétrica, é necessário priorizar a utilização do gás natural de forma disseminada, gerando empregos, contribuindo para a modernização da indústria e reduzindo as pressões sobre as fontes de energia primária. É preciso ainda que os programas oficiais de eficiência energética (Procel, Programa de Conservação de Energia Elétrica, e o Conpet, Programa Nacional de Racionalização do uso dos derivados do petróleo e do gás natural) sejam unificados ou, pelo menos, trabalhem de forma sinérgica, com o objetivo de contribuir para uma utilização racional dos recursos naturais.
Murilo Fagá é professor do Programa de Pós-Graduação em Energia da USP.
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