Correio da Cidadania

Impasses e perspectivas para as energias renováveis no Brasil

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A vitória de Lula para a presidência do nosso país criou uma expectativa de mudanças em todos os setores da vida nacional. Particularmente com relação à questão energética, os setores populares organizados que contribuíram para a vitória da esperança passaram a acompanhar os primeiros passos do novo governo com grande atenção. Tratava-se de verificar em que medida as demandas dos movimentos sociais e dos movimentos ambientalistas encontravam espaço na agenda do governo federal recém-eleito.

 

Passados dois anos e meio de governo, uma reflexão sobre as intenções e os fatos torna-se imperativa. Na política energética, e em particular no que se refere à inserção das energias renováveis na matriz energética brasileira, o presente texto busca contribuir para que este governo não perca de vista as forças sociais que o conduziram ao poder. Trata-se, pois, de avaliar em que medida as propostas de política energética do atual governo revelam a preocupação com a sustentabilidade ambiental e a justiça social.

 

Dentre os programas de governo referentes às energias renováveis que estão hoje na ordem do dia, dois se destacam:  o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA) e o Probiodiesel.

 

PROINFA

 

O PROINFA, instituído pelo Artigo 3º da Lei 10.438, de 26/04/2003, foi criado com o objetivo de aumentar a participação, no Sistema Elétrico Interligado Nacional, da energia de Produtores Independentes Autônomos, baseada nas fontes eólica (energia dos ventos), pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e  biomassa. Ficou também estabelecida a aquisição da energia produzida, por um período de 15 anos, através de Contratos de Compra e Venda de Energia (CCVE) pela Eletrobrás.

 

Trata-se, sem dúvida, de um programa promissor com vistas à definição de políticas públicas de fomento às fontes energéticas sustentáveis. Entretanto, verifica-se que sua implementação carregou os vícios de origem de uma lei formulada durante o governo FHC, que estabelece uma primeira etapa de inclusão de 3.300 MW, atribuindo a cada uma das fontes energéticas consideradas – eólica, biomassa e PCHs – uma participação de 1.100 MW para cada.

 

Esta isonomia revela um equívoco ao não reconhecer as distintas condições envolvendo custos diferenciados de geração, nem as enormes vantagens que podem advir da geração distribuída, principalmente para o atendimento nas comunidades isoladas do país, distantes das redes de distribuição de energia elétrica.

 

Esta diferenciação entre as três fontes ficou evidenciada nos resultados da 1ª chamada pública, em maio de 2004, quando foram apresentados projetos totalizando 6.600 MW, assim distribuídos: 3.700 MW para eólica; 1.900 para PCHs; e somente 995 MW para biomassa.

 

Além dos custos diferenciados, estes resultados revelaram uma pressão exercida pelo setor sucroalcooleiro, no sentido de forçar a obtenção de uma remuneração maior que aquela que havia sido estabelecida pelo governo, na definição dos chamados valores econômicos para cada fonte. A significativa presença dos projetos eólicos nesta chamada seria, por sua vez, conseqüência de arranjos comerciais estabelecidos com algumas empresas pelo governo anterior, muito embora este autor saiba que tal evidência seja de difícil comprovação.

 

Ao longo de 2004, o PROINFA sofreu uma série de ajustes, acabando por apresentar a seguinte relação de projetos contratados para a 1ª etapa, perfazendo os 1.100 MW inicialmente previstos: biomassa, com 48 projetos; eólica, com 47 projetos; e PCHs, com 59 projetos.

 

Pode-se também apontar a falta de vigor do PROINFA, uma vez que o país apresenta um potencial bem mais significativo: 143.000 MW para a energia eólica; 10.000 MW para PCHs, além de 4.000 MW para o bagaço da cana de açúcar; e 1.300 MW para o arroz e papel/celulose.

 

Esta debilidade se deve ao Novo Modelo do Setor Elétrico, que restringe a promoção das energias renováveis, ao impor que o impacto de contratação de fontes alternativas na formação da tarifa de suprimento do Pool não poderá exceder 0,5% dessa tarifa. Por seu turno, a meta inicial de alcançar a proporção de 10% com essas fontes até o ano 2010 ficou ausente no Novo Modelo, sendo substituída pela intenção de “uma inserção gradual... no menor prazo possível”. Enfraqueceu-se a posição de liderança exercida pelo Brasil na Coalizão de Joanesburgo para Energias Renováveis, em 2002,  ficando o país ausente da Conferência Internacional sobre Energias Renováveis, realizada em Bonn (Alemanha) em junho de 2004.

 

Há que se assinalar, por fim, que as energias renováveis devem ser entendidas como complementares e não têm a capacidade de substituir completamente o atual perfil de oferta existente. Este limite decorre do caráter de intermitência que caracteriza estas fontes. Elas não estão sempre disponíveis, o que relativiza sua maior utilização.

 

Probiodiesel

 

O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) é apresentado pelo governo como um instrumento de inclusão social e de desenvolvimento regional, a partir da produção e uso do Biodiesel de forma sustentável.

 

Para tanto, uma série de leis, decretos, portarias e resoluções vêm sendo criadas, desde julho de 2003, quando o governo instituiu um grupo de trabalho interministerial encarregado de apresentar estudos sobre a viabilidade de utilização do biodiesel como fonte alternativa de energia.

 

O principal instrumento é a Lei n. 11.097, de janeiro de 2005, que estabelece como meta o percentual mínimo obrigatório de 5% de adição de biodiesel ao óleo diesel comercializado até consumidor final, a ser alcançado no prazo de 8 anos (2012), sendo de três anos (2007) o prazo para atingir um percentual mínimo obrigatório intermediário de 2%.

 

No sentido de criar incentivos para atrair investimentos e viabilizar o programa, o governo também alterou o regime tributário, referente à incidência do PIS e da Cofins, e do IPI. Ainda, foi instituído o Selo Combustível Social, concedido pelo ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), para fomentar a aquisição do combustível produzido pela agricultura familiar.

 

Todavia, alguns pontos deste programa merecem ser questionados:

 

1) Se, por um lado, os agricultores familiares e assentados se vêem atribuídos aparentemente de maiores incentivos, qualquer produtor poderá ter acesso ao programa, com incentivos que não são negligenciáveis.

 

2) Se quer promover culturas, as da soja e do algodão são fortemente dominadas, no centro-oeste e no nordeste, pelo agronegócio. O dendê, por sua vez, nunca foi cultura desenvolvida pela agricultura familiar.

 

3) É impossível que o Brasil esteja produzindo 800 milhões de litros em 2007 sem a produção em larga escala. E, de 2007 até 2012, deverá haver um aumento anual médio de 400 milhões de litros, para que se cumpra o prazo de obrigatoriedade do B5 (5% de biodiesel). É evidente que só o agronegócio pode dar conta desse volume de produção.

 

4) A orientação da produção de biomassa para a produção do biodiesel supõe que os agricultores sejam integrados à indústria transformadora, mas o programa reserva à agricultura familiar o papel de simples produtor de matéria-prima. Se a intenção real deste programa é a inclusão social, seria fundamental estabelecer mecanismos para assegurar a transferência tecnológica para cooperativas de agricultores familiares que fossem capazes de dominar a produção verticalmente, isto é, plantar, colher, esmagar e transesterificar o óleo vegetal. Sem isto, os agricultores familiares são condenados a permanecer para sempre como fornecedores de matéria-prima.

 

 

Célio Bermann é professor do Programa de Pós-Graduação em Energia da USP.

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