O perigo do retrocesso
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- Valéria Nader
- 28/08/2007
O setor elétrico brasileiro é o maior monopólio natural do mundo, com seus grandes reservatórios, grandes linhas de transmissão e predominância quase absoluta da hidroeletricidade. Os ganhos de escala e de produtividade associados à exploração do monopólio natural por uma empresa só comprovam a velha teoria da regulação.
“No Brasil, desmontamos um monopólio natural e criamos, ao invés de só a Eletrobrás - que compreendia vários setores de atuação, uma organização coesa, que propiciava uma economia de grande escala e preço de energiabarato -, uma quantidade enorme de custos. A Aneel custa muito dinheiro; o ONS, por ano, custa 150 milhões de reais. O papel da linha de transmissão não é só o transporte de energia, mas também a realocação da água, com o que se coordena a operação do sistema hidráulico como um todo e se evitam investimentos desnecessários em geração. Quando se separou a geração da transmissão, perdemos esse efeito de ganho de escala que a transmissão provoca na geração. Incrementou-se, ademais, o potencial de aumento do preço: com os leilões reversos – ganha o leilão aquele que oferecer a menor receita pela linha –, o vencedor imediatamente imporá aumento da conta de transmissão”, enfatiza Roberto D’Araújo.
Para se ter uma idéia de como a separação do monopólio natural aumentou o custo desnecessariamente, os contratos de transmissão subiram 700% desde sua implementação em junho de 1999.
Em um país em que impera a lógica do mercado financeiro e que mimetiza os padrões de consumo dos países desenvolvidos, talvez não seja tão simples para o cidadão comum a compreensão de que a energia não é uma mercadoria que possa ser comercializada como outra qualquer, com seu preço formado ao bel prazer do mercado. Nesses mesmos países desenvolvidos, no entanto, observa-se que um bem tão essencial à vida moderna como a eletricidade recebe muitas vezes outro tratamento. Conforme observa D’Araújo, um outro caso de monopólio natural no setor elétrico é a província de Quebec, no Canadá. “E como o exploram lá? Por meio de uma empresa estatal única, que vai desde a usina até a casa do consumidor. E regulada: o Canadá tem uma agência reguladora que vigia essa empresa, a fim de que ela não exerça um poder de monopólio. O preço da energia no Canadá é metade do brasileiro”.
A eleição do “governo da esperança” trouxe grandes expectativas de que as mazelas decorrentes do desmonte do nosso monopólio pudessem ser, pelo menos, minimizadas. Infelizmente, as inovações têm sido pontuais, conduzindo à impressão de serem feitas sob medida para acobertar a ausência de mudanças estruturais. Mais um retrato da inércia deste governo.
A avaliação da atual condução do setor elétrico deixa muito clara a esquizofrenia decorrente de não se colocar em prática nem mesmo os princípios estabelecidos pelo próprio governo na reforma do setor: a universalização, transparência e valorização do serviço público. Na medida em que este governo não resolve as mazelas do anterior nem avança para além dele, a crise se aprofunda. Há quem expresse sua opinião nesse sentido avaliando que o setor está hoje em situação ainda pior que na gestão anterior. As distribuidoras privadas estariam se locupletando, favorecidas em escala ainda superior à do passado.
Em um setor constitutivamente próximo e permeável a interesses privados, dotados de alta capacidade de articulação, a falta de definições claras teria como conseqüência o abuso desses interesses. Desafortunadamente, continua oportuno e pertinente o velho conselho de Joaquim Francisco de Carvalho: “Qualquer governo é eleito para administrar o patrimônio público em benefício da sociedade e não para leiloá-lo à sua escolha, beneficiando grupos específicos de maneira obscura e em processos discutíveis”.
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