'Minha Casa, Minha Vida', o pacote habitacional de Lula
- Detalhes
- Pedro Fiori Arantes e Mariana Fix
- 30/07/2009
Como o governo Lula pretende resolver o problema da habitação.
Alguns comentários sobre o pacote habitacional Minha Casa, Minha Vida.
O pacote habitacional lançado em abril de 2009, com a meta de construção de um milhão de moradias, tem sido apresentado como uma das principais ações do governo Lula em reação à crise econômica internacional – ao estimular a criação de empregos e de investimentos no setor da construção –, e também como uma política social em grande escala. O volume de subsídios que mobiliza, 34 bilhões de reais (o equivalente a três anos de Bolsa-Família), para atender a população de 0 a 10 salários mínimos de rendimento familiar, é, de fato, inédito na história do país – nem mesmo o antigo BNH dirigiu tantos recursos à baixa renda em uma única operação. Por isso, o governo Lula tem destacado que o investimento, apesar de focado na geração de empregos e no efeito econômico anti-cíclico, tem um perfil distributivista, ao contrário do que faria a oposição – que provavelmente executaria obras diretamente de interesse do capital.
O objetivo declarado do governo federal é dirigir o setor imobiliário para atender à demanda habitacional de baixa renda, que o mercado por si só não alcança. Ou seja, é fazer o mercado habitacional finalmente incorporar setores que até então não tiveram como adquirir a mercadoria moradia de modo regular e formal. Se as "classes C e D" foram descobertas como "mercado" por quase todas as empresas nos últimos anos, ainda havia limites, numa sociedade desigual e de baixos salários, para a expansão no acesso a mercadorias caras e complexas, como a moradia e a terra urbanizada. Com o pacote habitacional e o novo padrão de financiamento que ele pretende instaurar, esses limites pretendem ser, se não superados, alargados por meio do apoio decisivo dos fundos públicos e semi-públicos, de modo que a imensa demanda por moradia comece a ser regularmente atendida pelo mercado.
Para os mais pobres, o subsídio é alto (entre 60% a 90% do valor do imóvel) e o risco de despejo, no caso de inadimplência, é zero (a única penalidade é não receber o título da moradia enquanto não forem quitadas as prestações). Para os demais, que entram em financiamentos convencionais, mas também subsidiados, o governo estabeleceu um "fundo garantidor" para fornecer um colchão público no caso de inadimplência dos nossos mutuários subprime. Isso quer dizer que o "pacote de bondades" é generoso para todos os que conseguirem nele entrar, empresários ou famílias que necessitam de moradia. Para as construtoras, a promessa é que "haverá para todos, grandes e pequenos", como se manifestou um empresário da construção em seminário da categoria. Entretanto, para os sem-teto, o atendimento previsto é para apenas 14% da demanda habitacional reprimida, do nosso déficit habitacional de ao menos 7,2 milhões de casas. Mas parece claro que, no caso de "sucesso" desse novo sistema produtor da mercadoria-habitação colocado em marcha, o programa poderá deixar de ser conjuntural para se tornar estrutural e prolongado no tempo.
A seguir pretendemos apresentar uma avaliação o pacote, a partir das informações, medidas e instruções normativas que foram divulgadas até o momento (julho de 2009), por meio de algumas questões que nos auxiliam a compreendê-lo melhor.
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Continue acompanhando a análise:
- 1) Qual é o modelo de provisão habitacional que o pacote favorece?
- 2) O pacote irá mesmo beneficiar as famílias que mais precisam?
- 3) Como o pacote mobiliza a ideologia da casa própria?
- 4) O pacote favorece a desmercantilização da habitação, enquanto política de bem-estar social?
- 5) O pacote colabora para a qualificação arquitetônica e a sustentabilidade ambiental?
- 6) O pacote favorece a gestão democrática das cidades e o fortalecimento dos municipios?
- 7) O pacote favorece a reforma urbana e o cumprimento da função social da propriedade?
- 8) Por que o pacote desconsidera os avanços institucionais recentes em política urbana no Brasil?
- 9) O pacote habitacional é uma política anti-cíclica acertada?
- 10) Como o pacote habitacional colabora para que as construtoras saiam da crise?
- 11) Por que o sistema bancário não financia a produção habitacional?
- 12) O pacote colabora para o fortalecimento das organizações dos trabalhadores da construção civil ?
- 13) O pacote fortalece os movimentos populares?
- 14) O pacote garante a isonomia entre campo e cidade no atendimento à moradia?
- 15) Quais as diferenças e similaridades com o BNH?
- Considerações finais
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Mariana Fix é arquiteta e urbanista formada pela FAU-USP, mestre em sociologia pela FFLCH-USP e doutoranda no Instituto de Economia da UNICAMP. É autora de Parceiros da Exclusão: duas histórias da construção de uma nova cidade em São Paulo e São Paulo Cidade Global: fundamentos financeiros de uma miragem, ambos pela editora Boitempo. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Pedro Fiori Arantes é arquiteto e urbanista, mestre e doutorando pela FAU-USP. É coordenador da Usina, assessoria técnica de movimentos populares em políticas urbanas e habitacionais, e assessor do curso "Realidade Brasileira", da via Campesina. É autor de Arquitetura Nova (Editora 34, 2002), e organizador da coletânea de textos de Sérgio Ferro, Arquitetura e trabalho livre (CosacNaify, 2006). E-mail: pedroarantes @uol.com.br