Fim da bonança econômica expõe limite da “Revolução Cidadã” no Equador
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- Gabriel Brito, da Redação
- 26/10/2015
Ainda sem muita repercussão regional, a América Latina vê ruir um de seus mais festejados processos políticos recentes, inclusive com cenas de repressão a movimentos sociais. Trata-se do Equador e sua chamada “Revolução Cidadã”, que no atual momento parece passar pelo mesmo fim de ciclo de outros países capitaneados pelos chamados “governos progressistas”. Sobre isso, e também da conjuntura sul-americana, conversamos com o cientista político equatoriano Décio Machado.
“Fazendo um rápido panorama da região, vemos como no Brasil o atual ministro da Fazenda é discípulo dos Chicago Boys, dentro de um governo que se diz dos trabalhadores; na Argentina, o próximo presidente será o representante da direita new age do atual partido do governo; no Chile, o governo de Bachelet não executa nem uma única das medidas progressistas que prometeu em campanha; no Peru, já não resta nada de esquerda dentro do governo de Humala; na Bolívia, desde meados do ano passado se estreitaram os laços entre o setor privado e o governo; e no Equador o governo está voltando à doutrina do FMI, eliminando subsídios sociais e a ponto de começar um processo de privatizações sobre diferentes ativos de empresas públicas”, sintetizou.
Além de analisar o contexto econômica regional, Decio discute a evolução do processo equatoriano nos 9 anos de correísmo - crítica constante dos trabalhos do autor e organizador de obras como “A Restauração Conservadora do Correísmo”, “Correísmo a nu” e “O país que queríamos” – e a relação dos detentores do poder com a população, em especial os setores mais contestadores, sem esquecer dos avanços obtidos, inclusive por meio da auditoria da dívida.
“Ao mesmo tempo em que se construía este estereótipo de líder nacionalista e revolucionário enfrentado com os grandes poderes do capital mundial, no interior do país se desenvolveu um modelo de Estado coercitivo e controlador. A repressão exercida sobre os setores populares mobilizados no interior do país no levante nacional de 13 de agosto passado, no qual foram detidas uma centena de pessoas – grande parte delas com processos judiciais abertos – não é mais que a concretização prática de um tipo de política que tem sérias dificuldades de aceitar o pensamento crítico e a dissidência”, afirmou.
E, diante da conjuntura de crise econômica sem prazo previsível de término, Decio Machado alude ao que se vê em outros locais e diz ser hora de se renovarem os projetos e protagonistas políticos. Em linhas gerais, quadro muito similar ao que estamos testemunhando no Brasil e também nos países vizinhos.
“É fácil prever que a socialdemocracia latino-americana irá cada vez mais se parecer com as socialdemocracias liberais europeias. Isso conduz duas a vertentes: a conformação de iniciativas políticas diferenciadas disso que foi chamado de ‘progressismo latino-americano’ e, sobretudo, uma rearticulação de novos movimentos sociais, onde pessoalmente penso que movimentos urbanos e de incidência juvenil terão mais peso que os camponeses, indígenas e rurais”.
A entrevista completa com Décio Machado pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: O que você pode nos contar do atual momento do Equador, nos aspectos políticos, sociais e econômicos?
Decio Machado: O Equador viveu nesses últimos anos um período de estabilidade política importante – nenhum dos três presidentes eleitos depois de Rafael Correa terminou o mandato –, e obteve um notável melhoramento em seus indicadores sociais e um crescimento econômico sustentado, que permitiu ao país ver suas classes médias passarem de 14% a 27% da população durante os últimos 10 anos.
O aparato de propaganda do regime correísta chamou isso de “milagre equatoriano”, tentando forçosamente equiparar-se a processos econômicos como os vividos por Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura e Taiwan entre 1960 e 1990, motivo pelo qual se autodefiniu o Equador como “o jaguar latino-americano” em alusão aos chamados quatro “tigres asiáticos”.
Do ponto de vista político, o correísmo implementou como base de sua estratégia de legitimação o culto à personalidade do líder, o que veio a significar uma agressiva campanha de propaganda, onde a figura do presidente foi diariamente onipresente durante nove anos, e através da qual também se quis construir outro nível de devoção ao Estado, mais fiel ao estilo norte-coreano. Em paralelo, o alto preço do petróleo nos mercados internacionais e uma efetiva política de arrecadação de impostos, entre 2007 e 2014, duplicou o número de contribuintes ativos no país, apesar de o índice de sonegação continuar alto. Isso permitiu ao correísmo implementar uma profunda modernização do Estado e suas infraestruturas.
O aumento da capacidade aquisitiva da população fez aumentar o consumo, desenvolvendo-se em paralelo uma forte cultura de endividamento familiar, que cedo ou tarde passará sua fatura, enquanto as empresas privadas monopólicas e semi-monopólicas nos diferentes setores da economia nacional obtiveram um nível de lucros muito superior aos da era neoliberal. Cabe destacar que tais empresas foram agraciadas por uma política fiscal que exerce sua pressão sobre as camadas médias, em vez de os grandes capitais.
Ainda assim, a estrutura econômica real do país sofreu mudanças apenas a respeito da matriz de acumulação herdada do neoliberalismo, condição que está conduzindo a uma rápida deterioração da economia nacional, no momento em que o país entrou em crise por conta da desaceleração da economia chinesa e queda dos preços do óleo cru.
Terminando o período de bonança econômica, terminou também a magia do encantamento que o correísmo exerceu sobre a sociedade equatoriana. Na atualidade, o regime e a figura do presidente Correa sofrem um forte desgaste político, enquanto começam cortes orçamentários, demissões na Administração Pública e privatizações.
Correio da Cidadania: Estamos diante do esgotamento de um ciclo no Equador, de forma similar a outros países travados pela crise internacional do capitalismo?
Decio Machado: Todos os países da região obtiveram notáveis ganhos em matéria de combate à pobreza na década dourada das commodities. Apesar do discurso revolucionário, a redução da pobreza não é uma conquista apenas dos governos progressistas. A Colômbia, por exemplo, um país que manteve governos neoliberais durante todos esses anos, reduziu sua pobreza monetária – referente à renda que não dá para uma cesta básica – de 49,4% em 2002 para 28,5% em 2014. Mesmo assim, a redução da pobreza na América Latina está estancada em 28% da população, isto é, em 167 milhões de pessoas, desde 2012, o que demonstra o fim de ciclo de bonança econômica regional.
Com o fim da década dourada dos preços de commodities, chegou também o fim do ciclo político progressista, o que não quer dizer necessariamente que implique na queda dos regimes políticos atuais, mas na transformação de suas políticas públicas. Fazendo um rápido panorama da região, vemos como no Brasil o atual ministro da Fazenda é discípulo dos Chicago Boys, dentro de um governo que se diz dos trabalhadores; na Argentina, o próximo presidente será o representante da direita new age do atual partido do governo; no Chile, o governo de Bachelet não executa nem uma única das medidas progressistas que prometeu em campanha; no Peru, já não resta nada de esquerda dentro do governo de Humala; na Bolívia, desde meados do ano passado se estreitaram os laços entre o setor privado e o governo; e no Equador o governo está voltando à doutrina do FMI, eliminando subsídios sociais e a ponto de começar um processo de privatizações sobre diferentes ativos de empresas públicas.
Que os nossos atuais governos descubram agora que o capitalismo retroalimenta suas próprias crises cíclicas não demonstra mais que uma enorme incapacidade das elites tecno-burocráticas “progressistas”. Passamos uma década escutando discursos sobre as virtudes do planejamento, mas na hora da verdade vemos que pouco se planejaram os Estados para encarar a mudança de ciclo econômico imposta pelo capitalismo global nesses momentos.
A consequência é clara: existe o severo risco de se perderem nos próximos anos grande parte das conquistas sociais adquiridas pela classe trabalhadora e pelos setores historicamente esquecidos em nossas respectivas sociedades latino-americanas. Não se pode esquecer que a porcentagem mais alta da população latino-americana – cerca de 38%, equivalente a 200.000 milhões de pessoas – é “vulnerável”, segundo a CEPAL.
Correio da Cidadania: Um dos méritos mais festejados do governo Correa foi a auditoria da dívida pública, reduzida drasticamente sem resistência dos supostos credores. Qual o peso que isso teve no orçamento e políticas públicas do Equador nesses anos? Isso redundou numa melhora visível das condições de vida da população e dos serviços públicos mais essenciais?
Decio Machado: Em 2008, após uma auditoria independente realizada sobre a dívida externa, o presidente Correa declarou uma parte da dívida contraída pelo Equador como ilegítima. A partir daí, se declarou o fim dos pagamentos de 70% da dívida equatoriana em bônus, situação que fez os credores ou portadores da dívida sacarem do mercado seus títulos com valores mais baixos, tentando vendê-los rapidamente.
Foi o mesmo Estado equatoriano que, através de uma atrevida estratégia de engenharia financeira, recomprou por apenas 800 milhões uma dívida original de 3 bilhões de dólares. Somados os juros, é possível que essa brilhante operação possa ter economizado uns 7 bilhões de dólares nos anos seguintes.
Sem dúvida, tal economia por parte do Estado equatoriano permitiu ao governo do presidente Correa incrementar a dotação orçamentária a programas sociais dirigidos aos setores mais vulneráveis. É um fato que a declaração da dívida externa do país como ilegítima, em um terço de seu valor, permitiu aos setores mais empobrecidos melhorar suas condições de vida, ainda que a qualidade dos serviços públicos continue deixando muito a desejar.
Lamentavelmente, nos últimos anos o governo correísta desandou o caminho percorrido. O país na atualidade vive uma agressiva política de endividamento externo, condição que possivelmente exija ao governo modificar novamente a Constituição, pois já estamos com uma dívida próxima de 40% do PIB, equivalente ao teto máximo de endividamento que contempla nosso texto constitucional.
Correio da Cidadania: Um de seus livros sobre o processo equatoriano, denominado “Revolução Cidadã”, tem o eloquente nome de Restauração Conservadora do Correísmo. O que pode nos detalhar a respeito disso e como se refletem nas práticas mais recentes do governo Correa?
Decio Machado: O livro é um esforço compartilhado por múltiplos acadêmicos e militantes sociais equatorianos, dos quais sou apenas um. Ali, se detalha como o regime foi evoluindo muito rapidamente a posições conservadoras em praticamente todos os seus eixos de intervenção.
A política pública de saúde sexual foi posta em mãos de sinistros personagens vinculados ao Opus Dei e o aborto é penalizado com cadeia, inclusive em caso de estupro; a política econômica e produtiva está nas mãos de funcionários públicos carentes de ideologia política e lobistas a serviço do capital emergente equatoriano; o governo está aprovando um Tratado de Livre Comércio com a União Europeia e é de se esperar que assine o mesmo com outros países no futuro imediato; metade das reservas nacionais de ouro foi colocada, no ano passado, nas mãos de um dos maiores piratas de Wall Street, o grupo de investimento Goldman Sachs, um dos responsáveis impunes do colapso da bolha imobiliária de 2008 nos EUA; a economia nacional voltou a ser monitorada pelo FMI e, ante o esgotamento de sua capacidade de endividamento em fontes alternativas, é fácil supor que em breve volte a ser receptora de créditos sob condições historicamente impostas pelas instituições de Bretton Woods; vários líderes sociais, por se oporem às políticas extrativistas, têm processos abertos por sabotagem e terrorismo num país onde o terrorismo não existe; e a política fiscal isenta, mediante vários mecanismos, os grandes capitais.
Em resumo, o que sobra dos setores progressistas no interior do governo é um papel meramente testemunhal; servem apenas como fachada legitimadora de um discurso pretensamente revolucionário, mas as práticas políticas emanadas desde o Executivo e o Legislativo – controlado majoritariamente pelo partido de governo – são claramente reacionárias.
Correio da Cidadania: Recentemente, vimos resistência a algumas políticas de governo, levando parcelas consideráveis dos movimentos sociais, em especial indígenas, a protestos de rua vigorosos. O que opina sobre essa confrontação?
Decio Machado: O idílio inicial entre o governo de Rafael Correa e os movimentos sociais independentes quebrou-se a partir do segundo ano de gestão. A aprovação da atual Lei da Mineração e a negação por parte do governo em desenvolver uma reforma agrária em um país que ostenta um dos mais altos índices da América Latina a respeito da concentração de terra foram os primeiros detonantes. A partir de então, e surpreendentemente, o presidente Correa manifestou em múltiplos discursos públicos que o maior inimigo do processo autodenominado Revolução Cidadã são as organizações ambientalistas, os setores de esquerda e o movimento indígena.
Desde então, as mobilizações contra as políticas governamentais auspiciadas pela esquerda social e política independente do governo vieram aumentando. As mobilizações massivas desses últimos meses não são mais que a continuidade e aprofundamento deste desencontro político.
Correio da Cidadania: Mas como e por que se deu uma reação repressiva da parte do governo, que internacionalmente aparece como sendo bastante ligado a tais grupos?
Decio Machado: A imagem exterior do presidente Rafael Correa é fruto de uma construção midiática estrategicamente planejada pelo governo, através da colaboração de reconhecidos profissionais internacionais do marketing político, contratados para tal finalidade. Ao mesmo tempo em que se construía este estereótipo de líder nacionalista e revolucionário enfrentado com os grandes poderes do capital mundial, no interior do país se desenvolveu um modelo de Estado coercitivo e controlador.
A repressão exercida sobre os setores populares mobilizados no interior do país no levante nacional de 13 de agosto passado, no qual foram detidas uma centena de pessoas – grande parte delas com processos judiciais abertos – não é mais que a concretização prática de um tipo de política que tem sérias dificuldades de aceitar o pensamento crítico e a dissidência.
É curioso observar como o governo não desenvolveu nenhum tipo de ação repressiva sobre as mobilizações de rua organizadas pela direita política, em meados do ano passado, como oposição à Lei de Heranças e Mais Valias – projetos legislativos que pretendiam taxar a transmissão patrimonial de grandes fortunas e a especulação imobiliária, os quais foram imediatamente arquivados pelo Executivo. Ainda assim, o que inquieta o governo são as mobilizações patrocinadas pelos setores de esquerda, sobre as quais exerceu repressão através de corpos e segurança de Estado.
Para entender essa contradição, deve-se entender que são as mobilizações desenvolvidas pelos setores populares as que põem em questão a estratégia populista do presidente Correa de se reivindicar como voz do povo.
Correio da Cidadania: Aqui no Brasil, temos um momento de extremo recrudescimento da opressão aos povos indígenas, em variadas regiões, talvez porque até hoje os povos originários não tenham adquirido a mesma influência política que possuem em outros países. No Equador, qual o grau de força política desses povos e sua relação com os governos?
Decio Machado: O movimento indígena, através de sua organização mais importante, a Confederação Nacional Indígena do Equador (CONAIE), protagonizou a política reivindicativa nacional desde os anos 90 até hoje. Foram os erros de seus próprios dirigentes que paulatinamente debilitaram a citada organização, a qual na atualidade, apesar de sua crise interna e falta de coesão, segue sendo o movimento social mais importante do país.
As principais reivindicações históricas da CONAIE e do movimento indígena em geral seguem vigentes e não foram atendidas pelo atual governo. O presidente Correa se negou a empreender uma reforma agrária e a declaração de que o Equador é um Estado Plurinacional não é mais que pura retórica.
A força política do movimento indígena é visível nos territórios onde os indígenas têm um peso social importante, a exemplo de determinadas províncias da Serra Central e o conjunto da Amazônia equatoriana. Isso se plasma na representação político-institucional do Pachakutik (partido indígena fundado em 1995 que busca representar os interesses dos povos indígenas e que de tabela foi utilizado por muitos oportunistas hoje no partido de governo) nos governos locais de tais territórios.
De toda forma, é uma realidade evidente que, apesar de o modelo organizativo da CONAIE – com organizações internas de distinto nível – ser exemplar, existe na atualidade um curto-circuito entre suas bases e a dirigência.
Em todo caso, me atrevo a dizer que, em um país no qual a população que se define indígena é de apenas 7%, quando na realidade é muito maior, deve-se repensar a pertinência de o movimento indígena seguir sendo o eixo através do qual se articulem de forma satelital o resto dos movimentos sociais de contestação.
Correio da Cidadania: A direita tem influenciado o atual cenário de luta política? Como este espectro tem se organizado no Equador?
Decio Machado: O cenário político equatoriano deste momento é tremendamente complexo e se estrutura através de diferentes interesses e estratégias transversais, e em muitos casos enfrentadas.
Por um lado, a mobilização nas ruas foi mantida e sustentada durante todos esses anos pela esquerda social e política dissidente do correísmo. Essa situação mudou em meados deste ano, quando a direita também protagonizou importantes mobilizações de rua, encabeçadas por setores médios acomodados e parte do setor empresarial contra as propostas de lei auspiciadas pelo governo, no âmbito das Heranças e Mais Valias Patrimoniais.
Atualmente, tais setores conservadores estão se incorporando às mobilizações auspiciadas pelos setores populares, os quais, apesar de tentarem se distanciar dos interesses da burguesia, não podem evitar sua presença nas manifestações de rua. Na realidade, são setores mais conservadores que controlam o aparato midiático privado nacional, o que lhes permite apostar na estratégia de capitalizar o desgaste político que sofre o governo nacional em tais momentos.
Na espera de que a situação econômica nacional se deteriore ainda mais, como é previsível, esses setores buscam se unificar sob uma só proposta eleitoral, que tenha possibilidade de derrotar o correísmo eleitoral em fevereiro de 2017, data das próximas eleições presidenciais. Que tenham também capacidade de se unificar e que a tendência de voto lhes beneficie, são duas coisas ainda por se confirmarem.
Em paralelo, e como já indicava anteriormente, são os setores organizados da esquerda social e política que protagonizam as convocações de mobilização nas ruas, ainda que isso não redunde em intenção de voto por parte da cidadania. O correísmo se encarregou, durante esses quase nove anos, de enfraquecer enormemente as organizações políticas da esquerda, as quais, com medíocres lideranças, tampouco são capazes de oferecer um programa de governo alternativo, sólido e convincente para a sociedade equatoriana.
Por último, no que se refere ao governismo, cabe destacar que o presidente Correa pretende aprovar em breve uma lei que lhe permita apresentar-se à reeleição presidencial de maneira ilimitada. Mesmo assim, em função do agravamento da crise econômica, o mais seguro seria deixar um pupilo político posicionado para a candidatura presidencial de 2017 – fala-se em Lenin Moreno, seu ex-vice-presidente durante a legislatura anterior – com a finalidade de voltar a se candidatar em 2021, articulando uma estratégia similar à do lulismo no Brasil e buscando não desgastar ainda mais sua imagem, na atual conjuntura de crise exponencial que vive o país.
Correio da Cidadania: Que outros grupos e coletivos sociais têm se destacado neste cenário?
Decio Machado: Os movimentos sociais equatorianos têm a necessidade de se reinventarem. Não creio que as esquerdas tenham alguma chance eleitoral em 2017, o que suporá, seguramente, uma forte crise entre suas atuais direções. Penso que conforme se agrave a crise econômica, haverá melhores condições para o surgimento de novos movimentos sociais, de perfil urbano jovem e com características de indignação similares às que vimos no Brasil em junho de 2013.
Além disso, aqueles que na atualidade ostentam o peso da mobilização social no Equador são o movimento indígena, especificamente a CONAIE, com quem todos os setores da esquerda social devemos ser solidários, dado que sobre eles recai grande parte da criminalização social patrocinada pelo poder político do Estado.
Correio da Cidadania: Apesar de tudo que foi dito até aqui, ainda se pode dizer que há bastante solidez na relação de Correa com setores da população e trabalhadores?
Decio Machado: O governo correísta implementou as mesmas lógicas políticas clientelistas que anteriormente tinham sido desenvolvidas por outros governos neoliberais no país. Através de benefícios políticos e cargos públicos, compram dirigentes de organizações populares e tentam dividir os movimentos sociais de resistência.
A solidez deste tipo de relações no atual governo se manteve enquanto se manteve também a bonança econômica. Agora estamos em um período de crise onde possivelmente o país feche o ano com um crescimento negativo. E nada aponta que 2016 seja um ano de recuperação econômica. Neste contexto, há que se entender que a Aliança País – o partido de governo – é um partido construído desde o poder. Seus líderes territoriais são, na maioria dos casos, caciques locais reciclados da velha ‘partidocracia’ existente no período neoliberal. Por isso que nem há originalidade nas políticas públicas desenvolvidas pelo correísmo nas instituições locais e nem o modelo de relação clientelista com as organizações sociais ou a sociedade em geral sofreu transformações radicais, ao se comparar com o que já vinha historicamente acontecendo no país.
Em função de o governo ir se debilitando na atual conjuntura política nacional, se enfraqueceram os laços clientelistas e grande parte dos funcionários públicos com nomeações políticas se reacomoda largamente nas chapas que considera com maiores possibilidades de ganhar as próximas eleições. Tal qual o fizeram nas fileiras correístas anteriormente. São um establishment carente de ideologia, que buscará manter seus privilégios de casta, mande quem mandar a partir de 2017.
Correio da Cidadania: Que avaliação geral você faz da “Revolução Cidadã”?
Decio Machado: Penso que esse processo mal chamado Revolução Cidadã, que por aqui contou muito pouco com os cidadãos e cidadãs na hora de tomar decisões, serviu para implantar uma modernização tardia do capitalismo no Equador. Para isso, foi sendo gerada uma sorte de alianças publico-privadas com setores emergentes do capital equatoriano, o que implicou por sua vez na superação do poder econômico que ostentavam antigamente os grandes fazendeiros, em favor de novos tipos de negócios, mais tecnificados e com olhar na economia de consumo nacional.
Para essa nova burguesia, nascida depois da crise bancária de 1999 e 2000, que lutava pelo controle político do país frente aos velhos proprietários de terras da produção de banana e flores, o correísmo teve sentido político, pois sob suas consignas e bandeiras construídas durante a resistência ao neoliberalismo implementou-se uma série de políticas de perfil desenvolvimentista, necessárias para inserir o país no marco do atual sistema-mundo do capitalismo globalizado.
Terminado o período de bonança econômica, tais setores colocam uma clara disjuntiva ao atual governo: ou readéqua sua política social, eliminando subsídios, diminuindo o tamanho do Estado e instaurando uma política de privatizações sobre ativos atualmente em mãos públicas, ou fazem uma guerra para que o governo se vá. Tudo parece indicar que o atual governo, igualmente a tantos outros na América latina, optou pela primeira das opções apresentadas por esses novos setores do capital emergente.
Correio da Cidadania: Acredita estarmos diante de cenário parecido com outros países latinos? Nesse sentido, como analisa o atual momento de tais governos, em especial aqueles rotulados já há alguns anos como “progressistas”?
Decio Machado: Como já dito, considero que os países chamados progressistas entraram em uma fase de redefinição de suas políticas sociais. Faço referência às sociais porque foi através delas que se marcaram diferenças com os governos anteriores. Tais governos, com exceção do governo bolivariano da Venezuela, nunca apresentaram políticas que buscassem a superação do capitalismo. Cristina Fernandez de Kirchner falou de voltar ao “capitalismo sério”, Correa falou do “capitalismo social” e o próprio vice-presidente boliviano Garcia Linera reconheceu que a diferença de tais governos em relação a outros se limita somente a um debate sobre a destinação do excedente econômico.
Em resumo: nunca se pretendeu construir um modelo alternativo de sociedade e produção, apesar de que todos esses governos contaram em algum momento com apoio popular que teria legitimado democraticamente ferramentas reais de transformação social.
Fruto de tudo isso, assistimos atualmente como a iniciativa da ALBA se debilita ao mesmo tempo em que se debilita o governo bolivariano na Venezuela; vemos como no Brasil, o gigante regional e o país onde se decide o futuro da região, o poder de suas transnacionais encheu de podridão toda a esfera política do Partido dos Trabalhadores; possivelmente, assistamos no ano que vem a assinatura de um Tratado de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia; ou como a Unasul passou a ser funcional às necessidades do capital, por exemplo, através da IIRSA, entre tantas outras questões. Inclusive geopoliticamente, vemos na atualidade como a Aliança do Pacífico, um projeto orientado ao mercado capitalista, tomou a iniciativa frente a outros projetos supranacionais na região.
O período de bonança econômica na América Latina permitiu que 6,5 milhões de pessoas, por ano, saíssem da pobreza. Mesmo assim, todos os governos latino-americanos, quaisquer sejam suas colorações, estão apresentando saídas da crise por meio de posições tremendamente conservadoras. Neste momento, articulam-se acordos em diversos países que buscam isentar empresas de obrigações tributárias enquanto se congela o poder aquisitivo dos trabalhadores.
Enfim, o novo período de lutas por parte dos movimentos sociais na América Latina carregará não só a resistência ao modelo extrativista e pela defesa de direitos coletivos de nossos povos, mas também a defesa das melhorias sociais adquiridas pelos setores historicamente marginalizados em nossas respectivas sociedades, durante este período. Quem tem de financiar o período de crise devem ser aqueles que mais lucraram durante o período de vacas gordas, isto é: sojeiros, empresas de telecomunicações, agronegócio em geral, capitais emergentes variados e as novas elites burguesas afinadas a tais regimes políticos.
Correio da Cidadania: Diante da conjuntura econômica internacional, o que projeta para os próximos anos em nossos países?
Decio Machado: É fácil prever que a socialdemocracia latino-americana irá cada vez mais se parecer com as socialdemocracias liberais europeias. Essa realidade implica na necessidade de se gerarem novas alternativas sociopolíticas que sejam capazes de se transformarem em motores de mudança em nossa região.
Isso conduz duas vertentes: a conformação de iniciativas políticas diferenciadas disso que foi chamado de “progressismo latino-americano” e, sobretudo, uma rearticulação de novos movimentos sociais, onde pessoalmente penso que movimentos urbanos e de incidência juvenil terão mais peso que os camponeses, indígenas e rurais.
Correio da Cidadania: Finamente, para onde vai a “Revolução Cidadã”?
Decio Machado: A “Revolução Cidadã” é uma construção propagandística a serviço de um líder carismático, isto é, do presidente Rafael Correa. Se nos damos conta, até as iniciais RC são coincidentes. Isto quer dizer que a Revolução Cidadã carece de programa ou projeto, é apenas uma plataforma concebida para o posicionamento de seu líder, uma lógica por certo muito neopopulista. A mediocridade da intelectualidade a serviço do regime permitiu a construção de imaginários socialistas que pouco ou nada têm a ver com a realidade nacional e a rota realmente proposta para o futuro do país.
Porém, apesar dos eloquentes discursos e páginas de livros financiados pelos cofres públicos e gerados pelos mercenários do poder, a realidade costuma ser bem crua: a “Revolução Cidadã” não é mais que a camuflagem, sob discurso novo, da reprodução de elementos bem antigos, como o caudilhismo, o paternalismo, as estruturas sociais hierárquicas e a subordinação do povo ao poder político de turno.
Mas os governantes são transitórios, alguns duram mais, outros menos, todos têm seu momento de esplendor, mas em algum momento todos se vão ou são derrotados. No dia em que Correa não esteja mais, isso que veio a se chamar propagandisticamente de “Revolução Cidadã” não existirá mais.
Onde não existe o pensamento crítico e construção de organizações sociais autônomas ao poder, a única coisa que se cria é dependência e cerceamento da capacidade criativa dos nossos povos. Para além do cimento e do concreto, essa é a principal herança que deixará a chamada “Revolução Cidadã” no Equador.
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Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.
Fim da bonança econômica expõe limite da “Revolução Cidadã” no Equador
Ainda sem muita repercussão regional, a América Latina vê ruir um de seus mais festejados processos políticos recentes, inclusive com cenas de repressão a movimentos sociais. Trata-se do Equador e sua chamada “Revolução Cidadã”, que no atual momento parece viver o mesmo fim de ciclo de outros países capitaneados pelos chamados “governos progressistas”. Sobre isso, e também da conjuntura sul-americana, conversamos com o cientista político equatoriano Décio Machado.
Gabriel Brito, da Redação
Ainda sem muita repercussão regional, a América Latina vê ruir um de seus mais festejados processos políticos recentes, inclusive com cenas de repressão a movimentos sociais. Trata-se do Equador e sua chamada “Revolução Cidadã”, que no atual momento parece passar pelo mesmo fim de ciclo de outros países capitaneados pelos chamados “governos progressistas”. Sobre isso, e também da conjuntura sul-americana, conversamos com o cientista político equatoriano Décio Machado.
“Fazendo um rápido panorama da região, vemos como no Brasil o atual ministro da Fazenda é discípulo dos Chicago Boys, dentro de um governo que se diz dos trabalhadores; na Argentina, o próximo presidente será o representante da direita new age do atual partido do governo; no Chile, o governo de Bachelet não executa nem uma única das medidas progressistas que prometeu em campanha; no Peru, já não resta nada de esquerda dentro do governo de Humala; na Bolívia, desde meados do ano passado se estreitaram os laços entre o setor privado e o governo; e no Equador o governo está voltando à doutrina do FMI, eliminando subsídios sociais e a ponto de começar um processo de privatizações sobre diferentes ativos de empresas públicas”, sintetizou.
Além de analisar o contexto econômica regional, Decio discute a evolução do processo equatoriano nos 9 anos de correísmo - crítica constante dos trabalhos do autor e organizador de obras como “A Restauração Conservadora do Correísmo”, “Correísmo a nu” e “O país que queríamos” – e a relação dos detentores do poder com a população, em especial os setores mais contestadores, sem esquecer dos avanços obtidos, inclusive por meio da auditoria da dívida.
“Ao mesmo tempo em que se construía este estereótipo de líder nacionalista e revolucionário enfrentado com os grandes poderes do capital mundial, no interior do país se desenvolveu um modelo de Estado coercitivo e controlador. A repressão exercida sobre os setores populares mobilizados no interior do país no levante nacional de 13 de agosto passado, no qual foram detidas uma centena de pessoas – grande parte delas com processos judiciais abertos – não é mais que a concretização prática de um tipo de política que tem sérias dificuldades de aceitar o pensamento crítico e a dissidência”, afirmou.
E, diante da conjuntura de crise econômica sem prazo previsível de término, Decio Machado alude ao que se vê em outros locais e diz ser hora de se renovarem os projetos e protagonistas políticos. Em linhas gerais, quadro muito similar ao que estamos testemunhando no Brasil e também nos países vizinhos.
“É fácil prever que a socialdemocracia latino-americana irá cada vez mais se parecer com as socialdemocracias liberais europeias. Isso conduz duas a vertentes: a conformação de iniciativas políticas diferenciadas disso que foi chamado de ‘progressismo latino-americano’ e, sobretudo, uma rearticulação de novos movimentos sociais, onde pessoalmente penso que movimentos urbanos e de incidência juvenil terão mais peso que os camponeses, indígenas e rurais”.
A entrevista completa com Décio Machado pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: O que você pode nos contar do atual momento do Equador, nos aspectos políticos, sociais e econômicos?
Decio Machado: O Equador viveu nesses últimos anos um período de estabilidade política importante – nenhum dos três presidentes eleitos depois de Rafael Correa terminou o mandato –, e obteve um notável melhoramento em seus indicadores sociais e um crescimento econômico sustentado, que permitiu ao país ver suas classes médias passarem de 14% a 27% da população durante os últimos 10 anos.
O aparato de propaganda do regime correísta chamou isso de “milagre equatoriano”, tentando forçosamente equiparar-se a processos econômicos como os vividos por Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura e Taiwan entre 1960 e 1990, motivo pelo qual se autodefiniu o Equador como “o jaguar latino-americano” em alusão aos chamados quatro “tigres asiáticos”.
Do ponto de vista político, o correísmo implementou como base de sua estratégia de legitimação o culto à personalidade do líder, o que veio a significar uma agressiva campanha de propaganda, onde a figura do presidente foi diariamente onipresente durante nove anos, e através da qual também se quis construir outro nível de devoção ao Estado, mais fiel ao estilo norte-coreano. Em paralelo, o alto preço do petróleo nos mercados internacionais e uma efetiva política de arrecadação de impostos, entre 2007 e 2014, duplicou o número de contribuintes ativos no país, apesar de o índice de sonegação continuar alto. Isso permitiu ao correísmo implementar uma profunda modernização do Estado e suas infraestruturas.
O aumento da capacidade aquisitiva da população fez aumentar o consumo, desenvolvendo-se em paralelo uma forte cultura de endividamento familiar, que cedo ou tarde passará sua fatura, enquanto as empresas privadas monopólicas e semi-monopólicas nos diferentes setores da economia nacional obtiveram um nível de lucros muito superior aos da era neoliberal. Cabe destacar que tais empresas foram agraciadas por uma política fiscal que exerce sua pressão sobre as camadas médias, em vez de os grandes capitais.
Ainda assim, a estrutura econômica real do país sofreu mudanças apenas a respeito da matriz de acumulação herdada do neoliberalismo, condição que está conduzindo a uma rápida deterioração da economia nacional, no momento em que o país entrou em crise por conta da desaceleração da economia chinesa e queda dos preços do óleo cru.
Terminando o período de bonança econômica, terminou também a magia do encantamento que o correísmo exerceu sobre a sociedade equatoriana. Na atualidade, o regime e a figura do presidente Correa sofrem um forte desgaste político, enquanto começam cortes orçamentários, demissões na Administração Pública e privatizações.
Correio da Cidadania: Estamos diante do esgotamento de um ciclo no Equador, de forma similar a outros países travados pela crise internacional do capitalismo?
Decio Machado: Todos os países da região obtiveram notáveis ganhos em matéria de combate à pobreza na década dourada das commodities. Apesar do discurso revolucionário, a redução da pobreza não é uma conquista apenas dos governos progressistas. A Colômbia, por exemplo, um país que manteve governos neoliberais durante todos esses anos, reduziu sua pobreza monetária – referente à renda que não dá para uma cesta básica – de 49,4% em 2002 para 28,5% em 2014. Mesmo assim, a redução da pobreza na América Latina está estancada em 28% da população, isto é, em 167 milhões de pessoas, desde 2012, o que demonstra o fim de ciclo de bonança econômica regional.
Com o fim da década dourada dos preços de commodities, chegou também o fim do ciclo político progressista, o que não quer dizer necessariamente que implique na queda dos regimes políticos atuais, mas na transformação de suas políticas públicas. Fazendo um rápido panorama da região, vemos como no Brasil o atual ministro da Fazenda é discípulo dos Chicago Boys, dentro de um governo que se diz dos trabalhadores; na Argentina, o próximo presidente será o representante da direita new age do atual partido do governo; no Chile, o governo de Bachelet não executa nem uma única das medidas progressistas que prometeu em campanha; no Peru, já não resta nada de esquerda dentro do governo de Humala; na Bolívia, desde meados do ano passado se estreitaram os laços entre o setor privado e o governo; e no Equador o governo está voltando à doutrina do FMI, eliminando subsídios sociais e a ponto de começar um processo de privatizações sobre diferentes ativos de empresas públicas.
Que os nossos atuais governos descubram agora que o capitalismo retroalimenta suas próprias crises cíclicas não demonstra mais que uma enorme incapacidade das elites tecno-burocráticas “progressistas”. Passamos uma década escutando discursos sobre as virtudes do planejamento, mas na hora da verdade vemos que pouco se planejaram os Estados para encarar a mudança de ciclo econômico imposta pelo capitalismo global nesses momentos.
A consequência é clara: existe o severo risco de se perderem nos próximos anos grande parte das conquistas sociais adquiridas pela classe trabalhadora e pelos setores historicamente esquecidos em nossas respectivas sociedades latino-americanas. Não se pode esquecer que a porcentagem mais alta da população latino-americana – cerca de 38%, equivalente a 200.000 milhões de pessoas – é “vulnerável”, segundo a CEPAL.
Correio da Cidadania: Um dos méritos mais festejados do governo Correa foi a auditoria da dívida pública, reduzida drasticamente sem resistência dos supostos credores. Qual o peso que isso teve no orçamento e políticas públicas do Equador nesses anos? Isso redundou numa melhora visível das condições de vida da população e dos serviços públicos mais essenciais?
Decio Machado: Em 2008, após uma auditoria independente realizada sobre a dívida externa, o presidente Correa declarou uma parte da dívida contraída pelo Equador como ilegítima. A partir daí, se declarou o fim dos pagamentos de 70% da dívida equatoriana em bônus, situação que fez os credores ou portadores da dívida sacarem do mercado seus títulos com valores mais baixos, tentando vendê-los rapidamente.
Foi o mesmo Estado equatoriano que, através de uma atrevida estratégia de engenharia financeira, recomprou por apenas 800 milhões uma dívida original de 3 bilhões de dólares. Somados os juros, é possível que essa brilhante operação possa ter economizado uns 7 bilhões de dólares nos anos seguintes.
Sem dúvida, tal economia por parte do Estado equatoriano permitiu ao governo do presidente Correa incrementar a dotação orçamentária a programas sociais dirigidos aos setores mais vulneráveis. É um fato que a declaração da dívida externa do país como ilegítima, em um terço de seu valor, permitiu aos setores mais empobrecidos melhorar suas condições de vida, ainda que a qualidade dos serviços públicos continue deixando muito a desejar.
Lamentavelmente, nos últimos anos o governo correísta desandou o caminho percorrido. O país na atualidade vive uma agressiva política de endividamento externo, condição que possivelmente exija ao governo modificar novamente a Constituição, pois já estamos com uma dívida próxima de 40% do PIB, equivalente ao teto máximo de endividamento que contempla nosso texto constitucional.
Correio da Cidadania: Um de seus livros sobre o processo equatoriano, denominado “Revolução Cidadã”, tem o eloquente nome de Restauração Conservadora do Correísmo. O que pode nos detalhar a respeito disso e como se refletem nas práticas mais recentes do governo Correa?
Decio Machado: O livro é um esforço compartilhado por múltiplos acadêmicos e militantes sociais equatorianos, dos quais sou apenas um. Ali, se detalha como o regime foi evoluindo muito rapidamente a posições conservadoras em praticamente todos os seus eixos de intervenção.
A política pública de saúde sexual foi posta em mãos de sinistros personagens vinculados ao Opus Dei e o aborto é penalizado com cadeia, inclusive em caso de estupro; a política econômica e produtiva está nas mãos de funcionários públicos carentes de ideologia política e lobistas a serviço do capital emergente equatoriano; o governo está aprovando um Tratado de Livre Comércio com a União Europeia e é de se esperar que assine o mesmo com outros países no futuro imediato; metade das reservas nacionais de ouro foi colocada, no ano passado, nas mãos de um dos maiores piratas de Wall Street, o grupo de investimento Goldman Sachs, um dos responsáveis impunes do colapso da bolha imobiliária de 2008 nos EUA; a economia nacional voltou a ser monitorada pelo FMI e, ante o esgotamento de sua capacidade de endividamento em fontes alternativas, é fácil supor que em breve volte a ser receptora de créditos sob condições historicamente impostas pelas instituições de Bretton Woods; vários líderes sociais, por se oporem às políticas extrativistas, têm processos abertos por sabotagem e terrorismo num país onde o terrorismo não existe; e a política fiscal isenta, mediante vários mecanismos, os grandes capitais.
Em resumo, o que sobra dos setores progressistas no interior do governo é um papel meramente testemunhal; servem apenas como fachada legitimadora de um discurso pretensamente revolucionário, mas as práticas políticas emanadas desde o Executivo e o Legislativo – controlado majoritariamente pelo partido de governo – são claramente reacionárias.
Correio da Cidadania: Recentemente, vimos resistência a algumas políticas de governo, levando parcelas consideráveis dos movimentos sociais, em especial indígenas, a protestos de rua vigorosos. O que opina sobre essa confrontação?
Decio Machado: O idílio inicial entre o governo de Rafael Correa e os movimentos sociais independentes quebrou-se a partir do segundo ano de gestão. A aprovação da atual Lei da Mineração e a negação por parte do governo em desenvolver uma reforma agrária em um país que ostenta um dos mais altos índices da América Latina a respeito da concentração de terra foram os primeiros detonantes. A partir de então, e surpreendentemente, o presidente Correa manifestou em múltiplos discursos públicos que o maior inimigo do processo autodenominado Revolução Cidadã são as organizações ambientalistas, os setores de esquerda e o movimento indígena.
Desde então, as mobilizações contra as políticas governamentais auspiciadas pela esquerda social e política independente do governo vieram aumentando. As mobilizações massivas desses últimos meses não são mais que a continuidade e aprofundamento deste desencontro político.
Correio da Cidadania: Mas como e por que se deu uma reação repressiva da parte do governo, que internacionalmente aparece como sendo bastante ligado a tais grupos?
Decio Machado: A imagem exterior do presidente Rafael Correa é fruto de uma construção midiática estrategicamente planejada pelo governo, através da colaboração de reconhecidos profissionais internacionais do marketing político, contratados para tal finalidade. Ao mesmo tempo em que se construía este estereótipo de líder nacionalista e revolucionário enfrentado com os grandes poderes do capital mundial, no interior do país se desenvolveu um modelo de Estado coercitivo e controlador.
A repressão exercida sobre os setores populares mobilizados no interior do país no levante nacional de 13 de agosto passado, no qual foram detidas uma centena de pessoas – grande parte delas com processos judiciais abertos – não é mais que a concretização prática de um tipo de política que tem sérias dificuldades de aceitar o pensamento crítico e a dissidência.
É curioso observar como o governo não desenvolveu nenhum tipo de ação repressiva sobre as mobilizações de rua organizadas pela direita política, em meados do ano passado, como oposição à Lei de Heranças e Mais Valias – projetos legislativos que pretendiam taxar a transmissão patrimonial de grandes fortunas e a especulação imobiliária, os quais foram imediatamente arquivados pelo Executivo. Ainda assim, o que inquieta o governo são as mobilizações patrocinadas pelos setores de esquerda, sobre as quais exerceu repressão através de corpos e segurança de Estado.
Para entender essa contradição, deve-se entender que são as mobilizações desenvolvidas pelos setores populares as que põem em questão a estratégia populista do presidente Correa de se reivindicar como voz do povo.
Correio da Cidadania: Aqui no Brasil, temos um momento de extremo recrudescimento da opressão aos povos indígenas, em variadas regiões, talvez porque até hoje os povos originários não tenham adquirido a mesma influência política que possuem em outros países. No Equador, qual o grau de força política desses povos e sua relação com os governos?
Decio Machado: O movimento indígena, através de sua organização mais importante, a Confederação Nacional Indígena do Equador (CONAIE), protagonizou a política reivindicativa nacional desde os anos 90 até hoje. Foram os erros de seus próprios dirigentes que paulatinamente debilitaram a citada organização, a qual na atualidade, apesar de sua crise interna e falta de coesão, segue sendo o movimento social mais importante do país.
As principais reivindicações históricas da CONAIE e do movimento indígena em geral seguem vigentes e não foram atendidas pelo atual governo. O presidente Correa se negou a empreender uma reforma agrária e a declaração de que o Equador é um Estado Plurinacional não é mais que pura retórica.
A força política do movimento indígena é visível nos territórios onde os indígenas têm um peso social importante, a exemplo de determinadas províncias da Serra Central e o conjunto da Amazônia equatoriana. Isso se plasma na representação político-institucional do Pachakutik (partido indígena fundado em 1995 que busca representar os interesses dos povos indígenas e que de tabela foi utilizado por muitos oportunistas hoje no partido de governo) nos governos locais de tais territórios.
De toda forma, é uma realidade evidente que, apesar de o modelo organizativo da CONAIE – com organizações internas de distinto nível – ser exemplar, existe na atualidade um curto-circuito entre suas bases e a dirigência.
Em todo caso, me atrevo a dizer que, em um país no qual a população que se define indígena é de apenas 7%, quando na realidade é muito maior, deve-se repensar a pertinência de o movimento indígena seguir sendo o eixo através do qual se articulem de forma satelital o resto dos movimentos sociais de contestação.
Correio da Cidadania: A direita tem influenciado o atual cenário de luta política? Como este espectro tem se organizado no Equador?
Decio Machado: O cenário político equatoriano deste momento é tremendamente complexo e se estrutura através de diferentes interesses e estratégias transversais, e em muitos casos enfrentadas.
Por um lado, a mobilização nas ruas foi mantida e sustentada durante todos esses anos pela esquerda social e política dissidente do correísmo. Essa situação mudou em meados deste ano, quando a direita também protagonizou importantes mobilizações de rua, encabeçadas por setores médios acomodados e parte do setor empresarial contra as propostas de lei auspiciadas pelo governo, no âmbito das Heranças e Mais Valias Patrimoniais.
Atualmente, tais setores conservadores estão se incorporando às mobilizações auspiciadas pelos setores populares, os quais, apesar de tentarem se distanciar dos interesses da burguesia, não podem evitar sua presença nas manifestações de rua. Na realidade, são setores mais conservadores que controlam o aparato midiático privado nacional, o que lhes permite apostar na estratégia de capitalizar o desgaste político que sofre o governo nacional em tais momentos.
Na espera de que a situação econômica nacional se deteriore ainda mais, como é previsível, esses setores buscam se unificar sob uma só proposta eleitoral, que tenha possibilidade de derrotar o correísmo eleitoral em fevereiro de 2017, data das próximas eleições presidenciais. Que tenham também capacidade de se unificar e que a tendência de voto lhes beneficie, são duas coisas ainda por se confirmarem.
Em paralelo, e como já indicava anteriormente, são os setores organizados da esquerda social e política que protagonizam as convocações de mobilização nas ruas, ainda que isso não redunde em intenção de voto por parte da cidadania. O correísmo se encarregou, durante esses quase nove anos, de enfraquecer enormemente as organizações políticas da esquerda, as quais, com medíocres lideranças, tampouco são capazes de oferecer um programa de governo alternativo, sólido e convincente para a sociedade equatoriana.
Por último, no que se refere ao governismo, cabe destacar que o presidente Correa pretende aprovar em breve uma lei que lhe permita apresentar-se à reeleição presidencial de maneira ilimitada. Mesmo assim, em função do agravamento da crise econômica, o mais seguro seria deixar um pupilo político posicionado para a candidatura presidencial de 2017 – fala-se em Lenin Moreno, seu ex-vice-presidente durante a legislatura anterior – com a finalidade de voltar a se candidatar em 2021, articulando uma estratégia similar à do lulismo no Brasil e buscando não desgastar ainda mais sua imagem, na atual conjuntura de crise exponencial que vive o país.
Correio da Cidadania: Que outros grupos e coletivos sociais têm se destacado neste cenário?
Decio Machado: Os movimentos sociais equatorianos têm a necessidade de se reinventarem. Não creio que as esquerdas tenham alguma chance eleitoral em 2017, o que suporá, seguramente, uma forte crise entre suas atuais direções. Penso que conforme se agrave a crise econômica, haverá melhores condições para o surgimento de novos movimentos sociais, de perfil urbano jovem e com características de indignação similares às que vimos no Brasil em junho de 2013.
Além disso, aqueles que na atualidade ostentam o peso da mobilização social no Equador são o movimento indígena, especificamente a CONAIE, com quem todos os setores da esquerda social devemos ser solidários, dado que sobre eles recai grande parte da criminalização social patrocinada pelo poder político do Estado.
Correio da Cidadania: Apesar de tudo que foi dito até aqui, ainda se pode dizer que há bastante solidez na relação de Correa com setores da população e trabalhadores?
Decio Machado: O governo correísta implementou as mesmas lógicas políticas clientelistas que anteriormente tinham sido desenvolvidas por outros governos neoliberais no país. Através de benefícios políticos e cargos públicos, compram dirigentes de organizações populares e tentam dividir os movimentos sociais de resistência.
A solidez deste tipo de relações no atual governo se manteve enquanto se manteve também a bonança econômica. Agora estamos em um período de crise onde possivelmente o país feche o ano com um crescimento negativo. E nada aponta que 2016 seja um ano de recuperação econômica. Neste contexto, há que se entender que a Aliança País – o partido de governo – é um partido construído desde o poder. Seus líderes territoriais são, na maioria dos casos, caciques locais reciclados da velha ‘partidocracia’ existente no período neoliberal. Por isso que nem há originalidade nas políticas públicas desenvolvidas pelo correísmo nas instituições locais e nem o modelo de relação clientelista com as organizações sociais ou a sociedade em geral sofreu transformações radicais, ao se comparar com o que já vinha historicamente acontecendo no país.
Em função de o governo ir se debilitando na atual conjuntura política nacional, se enfraqueceram os laços clientelistas e grande parte dos funcionários públicos com nomeações políticas se reacomoda largamente nas chapas que considera com maiores possibilidades de ganhar as próximas eleições. Tal qual o fizeram nas fileiras correístas anteriormente. São um establishment carente de ideologia, que buscará manter seus privilégios de casta, mande quem mandar a partir de 2017.
Correio da Cidadania: Que avaliação geral você faz da “Revolução Cidadã”?
Decio Machado: Penso que esse processo mal chamado Revolução Cidadã, que por aqui contou muito pouco com os cidadãos e cidadãs na hora de tomar decisões, serviu para implantar uma modernização tardia do capitalismo no Equador. Para isso, foi sendo gerada uma sorte de alianças publico-privadas com setores emergentes do capital equatoriano, o que implicou por sua vez na superação do poder econômico que ostentavam antigamente os grandes fazendeiros, em favor de novos tipos de negócios, mais tecnificados e com olhar na economia de consumo nacional.
Para essa nova burguesia, nascida depois da crise bancária de 1999 e 2000, que lutava pelo controle político do país frente aos velhos proprietários de terras da produção de banana e flores, o correísmo teve sentido político, pois sob suas consignas e bandeiras construídas durante a resistência ao neoliberalismo implementou-se uma série de políticas de perfil desenvolvimentista, necessárias para inserir o país no marco do atual sistema-mundo do capitalismo globalizado.
Terminado o período de bonança econômica, tais setores colocam uma clara disjuntiva ao atual governo: ou readéqua sua política social, eliminando subsídios, diminuindo o tamanho do Estado e instaurando uma política de privatizações sobre ativos atualmente em mãos públicas, ou fazem uma guerra para que o governo se vá. Tudo parece indicar que o atual governo, igualmente a tantos outros na América latina, optou pela primeira das opções apresentadas por esses novos setores do capital emergente.
Correio da Cidadania: Acredita estarmos diante de cenário parecido com outros países latinos? Nesse sentido, como analisa o atual momento de tais governos, em especial aqueles rotulados já há alguns anos como “progressistas”?
Decio Machado: Como já dito, considero que os países chamados progressistas entraram em uma fase de redefinição de suas políticas sociais. Faço referência às sociais porque foi através delas que se marcaram diferenças com os governos anteriores. Tais governos, com exceção do governo bolivariano da Venezuela, nunca apresentaram políticas que buscassem a superação do capitalismo. Cristina Fernandez de Kirchner falou de voltar ao “capitalismo sério”, Correa falou do “capitalismo social” e o próprio vice-presidente boliviano Garcia Linera reconheceu que a diferença de tais governos em relação a outros se limita somente a um debate sobre a destinação do excedente econômico.
Em resumo: nunca se pretendeu construir um modelo alternativo de sociedade e produção, apesar de que todos esses governos contaram em algum momento com apoio popular que teria legitimado democraticamente ferramentas reais de transformação social.
Fruto de tudo isso, assistimos atualmente como a iniciativa da ALBA se debilita ao mesmo tempo em que se debilita o governo bolivariano na Venezuela; vemos como no Brasil, o gigante regional e o país onde se decide o futuro da região, o poder de suas transnacionais encheu de podridão toda a esfera política do Partido dos Trabalhadores; possivelmente, assistamos no ano que vem a assinatura de um Tratado de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia; ou como a Unasul passou a ser funcional às necessidades do capital, por exemplo, através da IIRSA, entre tantas outras questões. Inclusive geopoliticamente, vemos na atualidade como a Aliança do Pacífico, um projeto orientado ao mercado capitalista, tomou a iniciativa frente a outros projetos supranacionais na região.
O período de bonança econômica na América Latina permitiu que 6,5 milhões de pessoas, por ano, saíssem da pobreza. Mesmo assim, todos os governos latino-americanos, quaisquer sejam suas colorações, estão apresentando saídas da crise por meio de posições tremendamente conservadoras. Neste momento, articulam-se acordos em diversos países que buscam isentar empresas de obrigações tributárias enquanto se congela o poder aquisitivo dos trabalhadores.
Enfim, o novo período de lutas por parte dos movimentos sociais na América Latina carregará não só a resistência ao modelo extrativista e pela defesa de direitos coletivos de nossos povos, mas também a defesa das melhorias sociais adquiridas pelos setores historicamente marginalizados em nossas respectivas sociedades, durante este período. Quem tem de financiar o período de crise devem ser aqueles que mais lucraram durante o período de vacas gordas, isto é: sojeiros, empresas de telecomunicações, agronegócio em geral, capitais emergentes variados e as novas elites burguesas afinadas a tais regimes políticos.
Correio da Cidadania: Diante da conjuntura econômica internacional, o que projeta para os próximos anos em nossos países?
Decio Machado: É fácil prever que a socialdemocracia latino-americana irá cada vez mais se parecer com as socialdemocracias liberais europeias. Essa realidade implica na necessidade de se gerarem novas alternativas sociopolíticas que sejam capazes de se transformarem em motores de mudança em nossa região.
Isso conduz duas vertentes: a conformação de iniciativas políticas diferenciadas disso que foi chamado de “progressismo latino-americano” e, sobretudo, uma rearticulação de novos movimentos sociais, onde pessoalmente penso que movimentos urbanos e de incidência juvenil terão mais peso que os camponeses, indígenas e rurais.
Correio da Cidadania: Finamente, para onde vai a “Revolução Cidadã”?
Decio Machado: A “Revolução Cidadã” é uma construção propagandística a serviço de um líder carismático, isto é, do presidente Rafael Correa. Se nos damos conta, até as iniciais RC são coincidentes. Isto quer dizer que a Revolução Cidadã carece de programa ou projeto, é apenas uma plataforma concebida para o posicionamento de seu líder, uma lógica por certo muito neopopulista. A mediocridade da intelectualidade a serviço do regime permitiu a construção de imaginários socialistas que pouco ou nada têm a ver com a realidade nacional e a rota realmente proposta para o futuro do país.
Porém, apesar dos eloquentes discursos e páginas de livros financiados pelos cofres públicos e gerados pelos mercenários do poder, a realidade costuma ser bem crua: a “Revolução Cidadã” não é mais que a camuflagem, sob discurso novo, da reprodução de elementos bem antigos, como o caudilhismo, o paternalismo, as estruturas sociais hierárquicas e a subordinação do povo ao poder político de turno.
Mas os governantes são transitórios, alguns duram mais, outros menos, todos têm seu momento de esplendor, mas em algum momento todos se vão ou são derrotados. No dia em que Correa não esteja mais, isso que veio a se chamar propagandisticamente de “Revolução Cidadã” não existirá mais.
Onde não existe o pensamento crítico e construção de organizações sociais autônomas ao poder, a única coisa que se cria é dependência e cerceamento da capacidade criativa dos nossos povos. Para além do cimento e do concreto, essa é a principal herança que deixará a chamada “Revolução Cidadã” no Equador.
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Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.
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