Violência institucional demole ‘democracia’ colombiana
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- Pietro Alarcón
- 07/07/2010
Sem a pretensão de realizar uma síntese teórica sobre os resultados expressados pelo número de votos obtidos ao final de um processo eleitoral, e que podem ser a nota central de qualquer análise, a verdade é que uma simples reflexão sobre as conturbadas e deficitárias democracias contemporâneas permite visualizar que são de diversas índoles os fatores que podem gerar a vitória ou derrota das forças políticas. E, desde logo, que tais fatores não podem ser subestimados nem estar sujeitos a um vaivém ocasional que lhes outorgue toda a força quando convêm, e em outros casos lhes negue suas reais influências por sobre a decisão popular.
Assim, é um dever a realização de uma análise, especialmente porque esses elementos explicam as insuficiências e limites da democracia representativa e, sobretudo, porque eles próprios são expressão do maior ou menor grau de participação política cotidiana e, com isso, da própria democracia como modelo de convivência e não apenas como a visita às urnas a cada 4 ou 5 ou 6 anos. Isso se partimos, como deve ser, de aprofundar, aperfeiçoar e tornar a democracia uma práxis cotidiana.
Contudo, a discussão não é simples, pois mistura as formas de conquista e manutenção do poder, através do consenso ou da coerção. Modernamente, os sistemas de dominação política combinam várias fórmulas, desde o poder midiático até o uso da força, na perspectiva de criar um consenso subordinado que mantenha as estruturas existentes, em situações nas quais o que menos existe são consensos.
Na América Latina os processos eleitorais de alguns anos atrás favoreceram, com vitórias de esperança, projetos políticos não-tradicionais, de profundo arraigo popular. Não pretendo fazer um balanço do alcance de cada projeto, ainda que virtudes, limites, possibilidades, extrapolações e misturas de timidez política e falta de percepção para fazer o caminho andando possam ser colocadas nessa reflexão.
Pretendo, apenas, colocar o caso da Colômbia, que se manteve à margem dessa onda renovadora e que recentemente votou a favor da continuidade da política do governo Uribe – foram 9 milhões de votos para o candidato Juan Manuel Santos. É inegável que os resultados mostram um fortalecimento do projeto político que se gerou desde o campo dos setores mais conservadores, ligados ao capital financeiro, aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos na região e, ainda, de maneira grave, que se coadunam com uma nova elite dominante oriunda do narcotráfico, que no país passou a ser algo estrutural.
Foi imposta uma maquinaria política tradicional, cujo suporte se concentra em três pilares: a mídia, verdadeiro fator real de poder em qualquer debate eleitoral, e para o qual basta dizer que o novo presidente é um dos donos do único jornal de circulação nacional, o conhecido El Tiempo; do militarismo como força que gravita como elemento de uma solução de guerra ao conflito que padece o país; e, finalmente, a aliança estratégica entre o Estado colombiano e os Estados Unidos, que com sua fortíssima presença militar no território, o que reflete, obviamente, os interesses geopolíticos envolvidos, compromete toda a região.
Os eixos do discurso da campanha de Santos são bem conhecidos por qualquer cidadão mais ou menos informado do continente:
- confiança para os investidores, que significa que as regras do jogo econômico não podem mudar (nas palavras do então candidato e do atual presidente Uribe) porque o capital iria embora deixando os colombianos mais pobres e abandonados à sua sorte, e assim não haveria saída possível senão o aumento da carga tributária e, pior ainda, ficaria o país a mercê de todo tipo de gente violenta e sem ofício;
- continuidade da segurança democrática, de programas assistencialistas e recrutamento para a guerra como política de emprego, de ativistas da guerra desde a vida civil através das chamadas famílias em ação e os guarda-bosques;
- coesão social, que, na verdade, projeta uma ordem mais autoritária, que fomenta o individualismo e o consumo mercantilista concentrado nas camadas médias e privilegiadas da população, sublimando-se o individualismo, o sucesso pessoal sem limites éticos e a perda de referências e ideais coletivos.
Esse modelo autoritário tem como alicerce um presidencialismo extremamente forte, centralizador e de forte compromisso com relações internacionais de subordinação, que não suporta, mas exibe as bases militares dos Estados Unidos como um elemento agressivo no contexto da segurança continental. Na política interna essa influência do estilo de condução de conflitos dos Estados Unidos se reflete na absoluta irresponsabilidade dos membros da força pública com as violações dos direitos humanos e com a vigilância como mecanismo de controle social, com medidas cada vez mais extremas, de intromissão na intimidade, vida privada e liberdades públicas.
No econômico, a política externa imprime um sentido oposto ao da autonomia regional, colocando-se como tarefa a propaganda dos supostos benefícios dos Tratados de Livre Comércio que, tudo indica, arrochará salário, ocasionará maiores entraves à distribuição da renda e terá repercussões na ordem ambiental.
Tal situação não foi nem será instalada por Santos. Aí se conjugam tanto a pressão dos Estados Unidos - que observa a Colômbia como um bastião que não pode ser sequer ameaçado desde o ponto de vista eleitoral, pela sua posição geoestratégica – como a conformação de uma aliança entre elites tradicionais e novas no país. E, por outro lado, também as dificuldades da esquerda, seus erros, isolamentos e sectarismos.
Ao Pólo Democrático Independente, que escolheu o candidato Gustavo Petro, ainda cabe realizar uma discussão muito mais frontal com o país, maior participação no cenário internacional, maior elaboração de propostas audaciosas em torno da saída política e não militar do conflito armado, da crise humanitária e rumo às transformações do regime econômico e político. E dizer, debater com maior profundidade as reais causas da pobreza e da exclusão, tocando a essência do sistema produtivo e propondo as modificações necessárias.
E as questões são urgentes: uma taxa de desemprego de 12,8% e desde 2008 um índice de pobreza que atinge 47,6% da população, com a pobreza extrema chegando a 17,8%, ou 9 milhões de pessoas que se encontram abaixo da linha de pobreza. De cada 100 trabalhadores, 50 se encontram na informalidade.
Internacionalmente, muitos se impressionaram com fatores recorrentes no país: a compra de votos, o uso da máquina pública e, sobretudo, medo, temor, receio de represálias paramilitares. Contudo, isto não pode ser considerado, no contexto colombiano, algo novo, recente ou do qual tenha se usado unicamente um governo para eleger seu sucessor.
Victor Moncayo, o ex-reitor da Universidade Nacional, em um artigo bastante elucidativo, expressou com clareza como no primeiro turno colocou-se a descoberto os mecanismos fraudulentos orquestrados e que colocam o governo no campo da ilegitimidade: "amplas camadas da população conduzidas pelo medo e pela intimidação, a partir dos programas chamados ‘Famílias em ação’, ‘mães comunitárias’, ‘guarda-bosques’, conduzidos pelos informantes que formam parte da inteligência do regime e das famílias ligadas ao pessoal profissional e da força pública. Todos aos quais temos de somar os grupos populacionais orientados pelo setor privado, pelas administrações locais, pelas organizações sucessoras do paramilitarismo, inclusive nucleadas em esquemas partidários, e toda sorte de coações físicas e psicológicas"
A mistura de formas abertas e sutis de coação nas campanhas eleitorais de alguns Estados considerados de democracia fraca - muito embora alguns considerem que não é o caso da Colômbia, aduzindo-se, com um desconhecimento que não pode ser considerado acidental, que é um país que apenas teve um período breve de ditadura militar no século XX – são o fator importante e de peso na hora de analisar o resultado.
Os índices de abstenção eleitoral são abismais: 54,52% dos eleitores deixaram de comparecer, ratificando-se um comportamento constante dos colombianos, distinguindo-se entre os que pretendem expressar algo com o não voto e aqueles que simplesmente não manifestam interesse algum pela situação nacional. E essa noção pobre da política é exatamente a receita para uma cidadania de baixíssima intensidade, enquanto se proclama o individualismo e se nega a possibilidade de, através do coletivo, procurar mudanças de fundo. E para as diretrizes econômicas e políticas, a apatia cidadã é uma necessidade, porque mantêm a inércia da exigência político-social.
Na América Latina temos processos eleitorais em curso que definirão novos cenários: em 26 de setembro as legislativas na Venezuela, em outubro no Brasil e no ano de 2011 as presidenciais na Argentina.
Alternativas para fortalecer a democracia, tornando o debate eleitoral uma discussão de programas, com soluções reais aos problemas das maiorias é, sem dúvida alguma, o grande desafio.
Pietro Alarcón é professor da PUC/SP, assessor do convênio Cáritas-ACNUR para refugiados e membro da CEBRAPAZ.
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