Montevidéu 2015: o II Fórum e os caminhos para a paz na Colômbia
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- Pietro Alarcon
- 22/05/2015
Montevidéu, a bela capital uruguaia, será o epicentro da voz dos latino-americanos em favor da paz e da justiça social na Colômbia e todo o continente. Com efeito, a cidade sediará o II Fórum pela Paz e por uma América Latina Livre de Militarismo, que se realizará entre os dias 5 e 7 de junho próximos. E, tal como aconteceu no I Fórum realizado há dois anos em Porto Alegre, deve congregar organizações, movimentos, partidos, jovens, mulheres e toda uma extensa gama de lutadores pela paz, a democracia e a efetividade dos direitos fundamentais.
Para contextualizar o evento, sobretudo tendo em vista sua importância, vale a pena analisar em curtas linhas como vai o processo de paz colombiano, quais os avanços e as dificuldades do seu decurso, posto que, de resultar exitoso, terá consequências e impactos concretos, inéditos e profundos, no médio e longo prazo do acontecer político da América.
Os diálogos de paz que são realizados em Havana, Cuba, entre o governo de Colômbia, do presidente Juan Manuel Santos, e a guerrilha das FARC, já têm dois anos e sete meses e apresentam progressos significativos nos debates, em torno de vários pontos da Agenda contida no denominado “Acordo Geral para a Finalização do Conflito e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura”.
Paciência ante as pressões
Vale lembrar que a Agenda foi subscrita pelas partes em agosto de 2012 e a Mesa de Diálogo instalada em outubro do mesmo ano em Oslo, Noruega, para depois passar a Havana, onde se começou a trabalhar o primeiro ponto, referente ao tema das relações no campo colombiano.
Numa primeira impressão parecia que as conversas tinham sido muito vagarosas. Na verdade, se o analista político leva em conta que se está diante de um diálogo para tentar colocar ponto final a um conflito armado de mais de 50 anos, no qual há concepções muito diferentes sobre o caráter e natureza do Estado, sobre o tratamento quase que exclusivamente de ordem pública dado pelos governos sucessivos do país às justas exigências do movimento social - e se abordam temas fulcrais, dentre eles, por exemplo, a relação entre as Forças Armadas e o para-militarismo como instrumento de terrorismo estatal, bem como o referente ao narcotráfico e às relações de produção no campo -, pode-se chegar à conclusão de que se está diante de um tempo razoável, prudente e necessário.
Este entendimento é fundamental. E, ainda, deve-se reconhecer que se trata de um diálogo cauteloso e não isento de ameaças e pressões para que acabe e, dessa forma, sejam frustradas as esperanças de paz e justiça social dos colombianos e de uma maior segurança regional dos países da área.
Os perigos e acidentes do processo têm como uma das causas mais determinantes o fato de os diálogos serem realizados sem um cessar das hostilidades, isto é, no meio do combate, sem tréguas, muito embora o movimento insurgente tenha feito, em reiteradas oportunidades, como conhece a comunidade internacional, alusão ao fato de que um cessar fogo cruzado criaria um outro ambiente, favorável às conversações, além de ter anunciado e promovido várias tréguas unilaterais.
O Estado colombiano não aceitou, em nenhum momento, essa possibilidade, o que se depreende de considerações expostas abertamente pelo presidente Santos, membros do governo e das Forças Armadas, e que podem ser resumidas a partir das visões de vários cientistas políticos e jurídicos do país.
A primeira delas, a concepção de considerar que o desaparecimento de várias lideranças insurgentes nos anos passados colocou as FARC em situação próxima da derrota militar. Destarte, na lógica da guerra implementada a partir do Estado, o caminho do diálogo deve ser combinado com o aproveitamento dessa ideia de vantagem no cenário da confrontação bélica.
A segunda razão é porque o governo de Santos, embora mantenha vivos os diálogos - e isso deve ser valorizado positivamente, até porque a obtenção do seu segundo mandato deveu-se em boa parte a uma significativa quantidade de votos precisamente em favor dessa opção de dialogar com a insurgência -, se movimenta sob a pressão constante dos setores militaristas, negociantes de armas, transnacionais da guerra e civis favorecidos com o conflito, comprometidos com a criminosa perseguição às lideranças populares e defensoras dos direitos humanos, e que temem perder privilégios. Estes estão empenhados em que a guerra prossiga.
Tais setores têm no ex-presidente Uribe um claro representante e exigem que se mantenha e incremente a presença militar com o apoio dos Estados Unidos, não só contra os insurgentes, mas contra os movimentos sociais e políticos que promovem nos cenários de ação cidadã uma paz com conteúdo social e reformas democráticas, que eliminem as causas que originaram a violência. A atitude anti-diálogo dessas castas embutidas nos círculos de poder mais retrógrados constituem uma autêntica conflagração contra o direito à paz dos colombianos e o direito à segurança regional.
É preciso colocar o neoliberalismo em xeque
Contudo, as conversas avançaram e há acordos parciais concretos em três temas: o Desenvolvimento Agrário Integral, a Participação Política e a Nova Política Antidrogas. Ainda assim, há que esclarecer que existem dificuldades sobre alguns pontos, que na Colômbia têm se denominado “pontos no congelador”, que são extremadamente delicados e na Agenda aparecem como ressalvas. Tais pontos são aspectos centrais, na sua maioria propostas de organizações sociais e populares que foram levadas à Mesa de Diálogo pela insurgência. E esses assuntos devem ser necessariamente debatidos porque, nas conversas, pactuou-se, desde o começo, que o princípio de trabalho consistia em que “nada está acordado até que tudo seja acordado”.
Por isso, espera-se muito ainda das conversações, particularmente em ressalvas que abordam temas como os latifúndios e a delimitação da propriedade, a revisão e negociação dos tratados de livre comércio (TLCs); a extração mineiro-energética; a reforma eleitoral e dos mecanismos de participação cidadã; o desmonte de instrumentos caracterizados como agentes de repressão ao movimento social, como o Esquadrão contra distúrbios – ESMAD; a democratização dos meios de comunicação; a participação social e popular no CELAC e na UNASUL, dentre outros.
Nesse quadro, há que apontar que, muito embora fosse previsto um compasso de espera do governo, ou uma reflexão sobre tais quesitos, na verdade Santos mantém um programa neoliberal, que, observado sob o prisma do progresso dos diálogos, compromete a agilidade das conversas na Mesa. Ou seja, não se pode pensar em acelerar o processo sem modificações concretas do cenário econômico, ou sem tomar medidas contra o para-militarismo, que continua ameaçando as lideranças políticas e sociais.
É preciso mais força ao governo, porque, se algo há a aprender dos processos anteriores, é que a paz na Colômbia não se conquista mantendo o sistema ou com um reformismo fraco no aspecto interno, e tolerante diante da ingerência e o intervencionismo de potências estrangeiras no aspecto das relações exteriores. Daí a importância da participação popular e de que se compreenda a necessidade de um apoio internacional aos diálogos, pelos movimentos sociais e políticos e governos da região, colocando o tema da desmilitarização do continente como uma questão essencial para os avanços democráticos.
Atualmente, a Mesa de Diálogo discute o tema Vítimas do Conflito, que inclui pontos como a verdade e a reparação. Nesse sentido, cobram relevância singular questões que envolvem orientações políticas e jurídicas precisas, como a justiça de transição, bem como a convocatória de uma Assembleia Constituinte que retrate em novo texto constitucional os acordos aos quais se cheguem, proposta pela insurgência, ou de uma consulta que referende os acordos, proposta pelo governo de Santos.
Tratando-se de um conflito de mais de 50 anos, reiteremos por oportuno a possibilidade de que um entrevero jurídico, que inclui uma discussão sobre a irretroatividade da lei, as anistias e as possibilidades de punição de agentes de violência, possa levar a uma situação sem saída, na qual as partes não cheguem a acordos sobre responsabilidades nesse terreno. Daí a necessidade de um acordo político, que supere as incertezas sobre o tema, preliminar a uma saída jurídica construtiva em benefício da paz, como direito humano.
“Utopia concreta”
Nesse acordo, a possibilidade de uma nova Constituição para a Colômbia, que retrate uma “utopia concreta”, nas palavras de Habermas, e contribua para uma cultura de responsabilidade democrática, baseada na tolerância e o respeito pela vida e a dignidade, é uma alternativa que deve ser examinada com rigor.
Entretanto, isso implica um exame detido da correlação de forças em favor das mudanças sociais necessárias para impor uma Constituição com reais chances de se efetivar. O referendo governamental, ainda que possa parecer uma proposta fraca em termos de legitimidade, tem a vantagem de ser mais expedito. Sobre estes aspectos, a discussão continua, e tudo dependerá, certamente e ao final, da mobilização popular pela manutenção dos diálogos a partir da premissa e do convencimento de que a via militar nunca foi uma solução a essa confrontação.
O Fórum de junho em Montevidéu pode e deve ser um espaço propositivo, de reflexão e formulação de ações que permitam esclarecer a comunidade internacional sobre a realidade desse processo. Pode ser, antes de tudo, um abraço amplo e solidário ao futuro de paz e de reformas sociais, econômicas e políticas do país colombiano e, simultaneamente, um testemunho de firme rejeição à militarização da América Latina, militarização que somente convém aos interesses expansionistas e de dominação mais atrasados do contexto internacional.
Pietro Alarcon é professor doutor da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da PUC-SP.
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