A Invasão Paraguaia do Rio Grande do Sul - Um Passeio que Terminou Mal
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- Mário Maestri
- 11/06/2015
Nove horas da manhã de 10 de junho de 1865. Uma após outra, as vinte pirogas são lançadas ao rio Uruguai, cada uma com vinte soldados armados, em pé. Uma hora mais tarde, eles desembarcam pouco acima do passo de São Borja. As canoas retornam à outra margem, para novas viagens. Os paraguaios são recebidos por fraco tiroteio, de algumas centenas de soldados imperiais, que logo se retiram. São Borja está quase desguarnecida, apesar dos muitos avisos sobre a mais do que provável invasão pela antiga estrada ligando o Rio Grande ao Paraguai.
A primeira tropa a acorrer em defesa da vila é o 1° Batalhão de Voluntários da Pátria da Corte, que não havia muito desembarcara em Rio Grande. Já sem as mochilas e barracas, os soldados imperiais avançam a passo cerrado para a margem do rio Uruguai, onde os paraguaios desembarcados protegiam novos chegados, em “linha de batalha”. Em seu diário, Francisco Pereira da Silva Barbosa anotou que foram recebidos com “tiros de carabinas e a foguetes” incendiários que passavam “rabeando por cima” de suas cabeças.
O jovem voluntário fluminense registrou que, após aguentarem o fogo por meia-hora, superados em número, retiraram-se para o centro da vila, sob as ordens do tenente-coronel João Manoel Mena Barreto, em coluna de marcha, com a banda de música à frente. Em carta à esposa, Francisco Marques Xavier, estancieiro passo-fundense e tenente da Guarda Nacional, propôs que os voluntários da Corte teriam ido ao “combate onde não resistiram nada. A primeira divisão deu fogo uma vez e trataram de correr” sem conseguirem parar!
Enquanto seis mil paraguaios cruzavam tranquilamente o rio Uruguai, sem partirem para o ataque, a população de São Borja, importante centro comercial missioneiro, era tomada pelo pânico. O padre João Pedro Gay, francês nacionalizado brasileiro, noticiou, quase em direta, a debandada dos moradores, das tropas imperiais e dele mesmo. Em poucas horas, os moradores escafediam-se pela estrada para Porto Alegre, em carretas, a cavalos, em geral a pé, levando pouco mais do que a roupa do corpo.
Em 12 de junho, os paraguaios entraram em uma São Borja semi-deserta, sem disparar um tiro. Então, o tenente-coronel Antonia de la Cruz Estigarribia, comandante da coluna expedicionária, determinou o saque de estabelecimentos públicos, casas de negócios, depósito do exército, alfaiatarias, sapatarias, ferrarias etc. e de sessenta moradias, poupando-se apenas as de proprietários não-brasileiros. O enorme saque partiu em carretas para Asunción, levando também soldados feridos e doentes.
Diante dos escassos recursos do Paraguai, o alto comando pretendia seguir a máxima napoleônica de que a guerra deve alimentar a guerra. Esperava-se também que o saque aumentasse o discutível apoio dos soldados, sobretudo camponeses, a uma expedição ao exterior que pouco compreendiam. Em São Borja e Itaqui, moradores que não abandonaram as vilas participaram do saque, junto aos paraguaios ou após eles.
O pânico se espalhou pela região. Soldados paraguaios percorreram os campos próximos, arrebanhando gado. Desertores, delinquentes e oportunistas nacionais saquearam estância em um raio de até duzentos quilômetros, regiões onde os invasores jamais chegaram. As tropas imperiais carneavam com gosto o gado gordo e arrebanhavam cavalhadas sem dó nas estâncias que cruzavam.
Sem detença, Estigarribia marchou de São Borja para Itaqui, ocupada em 7 de julho, por oito dias, sem disparar tiro. O saque rendeu menos, já que era povoação pobre e a população retirante carregara boa parte dos seus bens. Entretanto, entre outros bens, foram encontrados na vila “espingardas, lanças, espadas e muitos cartuchos de calibres 18”. Junto com feridos e doentes, o saque subiu o rio Uruguai, para Asunción, já que a frota imperial seguia primando pela inatividade e ausência que a consagrariam durante toda a guerra.
O plano de guerra paraguaio, sobre o qual não há documentação direta, jamais previra avanço em direção ao Uruguai, já invadido e ocupado pelas tropas imperiais. Acredita-se que Solano López pretendesse se colocar à frente dos exércitos de Corrientes e do Rio Grande e se dirigir para as cercanias de Porto Alegre, onde travaria batalha que esperava que decidisse a guerra e abrisse as negociações.
Desobedecendo as ordens recebidas, Estigarribia marchou para o sul, ao longo do rio Uruguai, seguido na outra margem por coluna menor, dirigido pelo coronel paraguaio Pedro Duarte. Sem conhecer oposição, atravessou, entre outros, o rio Ibicuí e ocupou Uruguaiana, em 5 de agosto. Ele também fora proibido de acampar dentro de povoação, para não ser cercado. O brigadeiro David Canabarro [1796-1867], responsável pela defesa da fronteira Quaraí-Missões, recuara diante dos paraguaios e abandonara Uruguaiana sem defesa.
Ao igual que a campanha do Mato Grosso, o périplo paraguaio de São Borja a Uruguaiana fora uma espécie de passeio, devida sobretudo à baixíssima capacidade bélica das tropas de primeira linha, da guarda nacional e dos voluntários da pátria do Império do Brasil, uma nação escravista, pré-nacional, sem qualquer consenso pátrio, onde o oficial era um quase nobre e a praça de pret um quase serviçal.
A conquista de Uruguaiana foi vitória de Pirro. Quando da rendição, em 18 de setembro de 1865, após o esmagamento da coluna do major Pedro Duarte, no outro lado do rio, diante de Uruguaiana, a vontade de luta paraguaia dissolvera-se como sorvete ao sol. Encerrados em Uruguaiana, sem verem chegar reforços, após uma longa marcha, sob um inverno tenebroso, sem tendas, sapatos, barracas e agasalhos, os soldados paraguaios optaram por não morrer em guerra cujo sentido certamente não compreendiam.
A rendição paraguaia em Uruguaiana reforçou a visão aliancista da pouca capacidade e disposição bélica do soldado paraguaio. Agora, os aliancistas tinham certeza que em alguns meses acampariam em Asunción, como prometera Bartolomé Mitre, presidente argentino. Entretanto, os paraguaios, quase cordeiros quando da rendição em Uruguaiana, transformaram-se em leões, na defesa do solo e da sociedade paraguaia.
Mário Maestri é doutor em História pela UCL, Bélgica, e professor do PPGH da UPF. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Escrito para Caderno de Sábado do Correio do Povo, RS, 6 de junho de 2015
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