Cuba, de hoje, e seu possível amanhã
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- Milton Temer, de Havana para o Correio da Cidadania
- 11/08/2015
Para fazer uma análise sobre a realidade cubana atual, e suas perspectivas a partir da abertura diplomática com os Estados Unidos, a primeira obrigação de quem se pretenda isento é a de estabelecer parâmetros comparativos justos.
Para a mídia conservadora mundial, e até para o turista que ali estaciona por poucos dias sem trazer um capital mínimo de informações sobre o processo histórico da Revolução, o que se exige de Cuba é o que se observa nos principais países capitalistas do mundo - Estados Unidos, União Europeia e os de segunda linha que se aproximam. Países de economias fortes e consolidadas, de forma quase generalizada, à custa de exploração cruel de amplas regiões do mundo. Pelo colonialismo, ou pela expansão imperialista, foi a morte e a degradação o que mais espalharam em suas passagens.
Comparação, portanto, que só pode gerar a certeza anunciada de avaliação distorcida, pois não são suas mazelas ou seus antivalores que são postos na mesa, mas, sim, o que é do alcance de parte sempre minoritária de suas populações.
Cuba não é o paraíso. Não é a sociedade humana utópica. Mas certamente é um dos poucos países do mundo em que enfermidades sociais localizadas não se transformam em epidemias – como o racismo, a desigualdade, a xenofobia que marcam as grandes potências.
Tem de ser comparada aos países de sua região continental, os do Caribe, os da América Central (México, em especial), e alguns muito mais ricos, como Argélia, África do Sul e Angola, para citar os africanos correspondentes em libertação revolucionária. A vantagem, em favor de Cuba, aparece de forma escandalosa. O que torna o exemplo de sua Revolução permanentemente condenado à calúnia e à desqualificação pelos porta-vozes do grande capital em todo o mundo.
Depois de 50 anos de bloqueio severo que, não só impede o estabelecimento de relações comerciais com a quase totalidade do planeta, lhe impede principalmente o acesso a créditos no sistema financeiro internacional, sem o qual é impossível ter acesso a recursos com os quais se implementem a construção de um sistema industrial no nível capaz de atender aos índices de alta formação técnica e universitária de grande parte da população ativa, ter sobrevivido como nação protagonista é um verdadeiro milagre.
Mas, por outro lado, pelo cumprimento radical de exigências sociais e culturais amplamente superiores às registradas na maioria dos países do mundo, em termos de desenvolvimento humano, a Revolução gerou uma contradição difícil de ser resolvida, diante da precariedade imensa dos meios materiais de ocupação dessa imensa mão-de-obra altamente qualificada.
A saída de resultado de curto prazo buscada logo após a descomposição da URSS - com o consequente rompimento de relações comerciais privilegiadas na troca de petróleo abaixo da cotação universal, por algodão cotado acima - foi a priorização da indústria do turismo.
Indústria do turismo, com tudo o que ela traz de positivo - Havana Vieja de hoje tem espaços de beleza restaurada incomparável até nos centros tradicionais da Europa -, mas também de preocupante para uma jovem população que do capitalismo só vai ter imagem transmitida pelos que nele se salvaram, ou se locupletaram sem que isso apareça em suas belas vestimentas e joias.
O crescimento dessa indústria não pode continuar a ser o destino de jovens formados nos mais diversos campos da moderna tecnologia. Não se pode permitir a engenheiros, médicos, químicos, informáticos, que se transformam em recepcionistas de embaixadas estrangeiras, quando não recepcionista de hotéis ou barmen de restaurantes e botequins “frequentados por Hemingway”. É pouco.
E aí se coloca a grande dicotomia ora apresentada à Revolução, com a retomada das relações diplomáticas com os EUA. Quem chega primeiro, com o necessário fim do bloqueio que tal reabertura obrigue: a degradação pela despolitização consequente da propaganda enganosa, a ser gerada pelas ondas de frequentadores de cruzeiros, ou a industrialização que permita aos 4% de crescimento anual da economia cubana se multiplicarem, de preferência e principalmente, na área da produção industrial de alto nível?
É essa dicotomia que se apresenta a uma nova geração de dirigentes. Para o bem do mundo, de um outro mundo socialmente mais justo e humano, é fundamental que seja a primeira.
Para tanto, é fundamental que a “esquerda” favorável às “guerras humanitárias”, vulnerável à canalhice da direita de pintar Cuba como inferno ditatorial, se dê conta de suas responsabilidades. Longe de se pautar pela falsa generalização de mazelas, que se concentre na divulgação das imensas e inigualáveis vitórias da Revolução Cubana, em seus aspectos mais humanistas.
Que deixem, portanto, de ser apenas papagaios repetidores de campanhas que só visam liquidar o exemplo cubano ou, na melhor das hipóteses, degradá-lo ao máximo.
Luta, portanto, que segue!
Milton Temer é jornalista e ex-deputado federal.