Correio da Cidadania

Federação Israelita do RJ impõe censura e ameaça acadêmico brasileiro

0
0
0
s2sdefault

 

 

 

 

Mais uma vez a Federação Israelita do Rio de Janeiro (Fierj) leva a público uma denúncia infundada e persegue pessoas que fazem críticas ao sionismo e a Israel, acusando-as, de maneira injusta e leviana, de “antissemitas” (1). Já havia feito isso com o cartunista Carlos Latuff, com o jornalista José Reinaldo de Carvalho, do Portal Vermelho, e com um dos fundadores do Pink Floyd, Roger Waters, todos contrários às políticas de Israel em relação ao povo palestino. Dessa vez a vítima foi Thomas de Toledo, historiador formado pela USP, com mestrado em desenvolvimento econômico pela Unicamp. Essa sólida formação acadêmica, unida a informações que a mídia corporativa brasileira omite, mas a internacional publica, levou-o a escrever o artigo “Os dedos de Israel e dos Estados Unidos no golpe no Brasil”, publicado em seu blogue, no portal de notícias Vermelho, do PCdoB, e em vários outros portais, como o Pravda.

 

A Fierj fez críticas duras e sem nenhum fundamento ao texto. Seu presidente, Paulo Matz, postou um vídeo na página do Facebook da Federação ameaçando processar Toledo, o portal Vermelho e o partido por racismo e antissemitismo. As pressões estenderam-se ao trabalho do acadêmico na Universidade Paulista (Unip) e provocaram sua demissão em 20 de junho, sob a justificativa de “ordens superiores”. As ameaças dos sionistas e da Fierj foram tantas que o professor e o portal Vermelho decidiram retirar o artigo do ar. Toledo ainda publicou uma retratação, esclarecendo que em momento algum atacou ou teve a intenção de atacar os judeus – algo que nem precisaria de esclarecimento, uma vez que de seu texto não consta uma única palavra sobre a comunidade judaica.

 

O que Toledo fez, em somente três parágrafos de um artigo bem mais longo, foi reportar fatos comentados abertamente por jornalistas bem informados em sites internacionais, além de criticar os sionistas e Israel pela ingerência em assuntos que não lhes dizem respeito, pois se trata da soberania do povo brasileiro. Matéria no jornal Times of Israel mostra que o professor teve razão em suas considerações: o governo israelense aplaudiu o golpe, considerando Michel Temer um “amigo do país” e lembrando que Dilma Rousseff desagradou as autoridades sionistas ao classificar o ataque militar massivo de Israel a Gaza, em 2014, de “massacre” e ao se negar a receber, como embaixador no Brasil, o sionista Dani Dayan, conhecido por sua defesa intransigente das colônias judaicas construídas ilegalmente em terras confiscadas aos palestinos – ele chegou a presidir a entidade que as congrega, Yesha, além de residir numa delas, Ma’ale Shomron – e por advogar a anexação, por Israel, de toda a Palestina histórica, posição contrária à do Brasil, que tampouco apoia a construção ilegal das colônias exclusivamente judaicas na Palestina.

 

A ilegalidade das colônias – verdadeiras cidades com toda a infraestrutura necessária a quem vive nelas – que os governos israelenses vêm construindo, ao longo dos anos, em território palestino, e do muro de oito metros de altura mínima usado para confiscar terras pertencentes à Palestina e segregar seu povo, bem como todo o aparato que lhes é relacionado (estradas de uso proibido a palestinos, postos militares e torres de controle, câmeras, cercas eletrificadas etc.), foi estabelecida por parecer do Tribunal Internacional de Justiça em 9 de junho de 2004 e aprovada por ampla maioria pela ONU. Em seu parecer, que tem força de lei (2), o Tribunal solicita, aos países-membros da ONU, evitar todo tipo de apoio às colônias e ao muro — solicitação cumprida pela presidenta eleita Dilma Rousseff ao recusar Dayan como embaixador de Israel no Brasil.

 

Essa posição firme da presidenta Dilma, e sua recusa a negociar a soberania brasileira, incomodaram corporações e países de olho em nossos recursos naturais, como o pré-sal, a água, a grande extensão de terras cultiváveis, a riqueza dos minérios e a biodiversidade. Dizer que Israel e empresas com sócios sionistas não fazem parte desse grupo é faltar com a verdade. Todas as companhias e todos os países com interesse em petróleo, gás, água, minérios e biodiversidade salivam pela América Latina, e por isso apoiam, direta ou indiretamente, a atual política externa estadunidense em sua tentativa de retomar o controle dos governos do continente.

 

Também é fato conhecido que, para isso, utiliza-se o método da desestabilização crescente dos países-alvo, até a derrubada de dirigentes progressistas por meio de golpes a um só tempo judiciais, legislativos e midiáticos. A obra do professor Gene Sharp e os manuais da CIA nunca esconderam esse método. Não se trata de segredo.

 

Tampouco é segredo que o Mossad, serviço de inteligência israelense ao qual o professor Thomas de Toledo faz referência em seu artigo, dirige operações em solo estrangeiro. Sendo responsável por atuar fora de Israel, é o Mossad que leva a cabo as ações que as autoridades israelenses decidem realizar em outros países.

 

O mais grave é que, em sua sanha em defender Israel e o sionismo, a Fierj fez acusações apoiadas numa leitura apressada e descuidada do artigo do professor Toledo e desrespeitou a Constituição do país onde está sediada, cujo art. 5º garante, em II, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; em III, que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” e, em IV, que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

 

Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal (3), o “rol de liberdades” contido no art. 5º da Constituição, inclui “livre manifestação do pensamento, livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação e livre acesso à informação”.

 

A Fierj não pode tentar impor a censura num país onde ela não existe mais. E sua atitude, destinada a identificar o sionismo com o judaísmo é, no mínimo, equivocada (4), e tem como objetivo criminalizar, sob a acusação de “antissemitas”, aqueles que criticam o modo como Israel trata os palestinos e as operações dos sionistas ao redor do planeta. Feitas por milhões de cidadãos e cidadãs do mundo todo, reunidos em grupos organizados de apoio à soberania do povo palestino, tais críticas acabaram isolando politica e economicamente Israel, que vem sofrendo perdas consideráveis com a campanha BDS – de boicote, desinvestimento e sanções às empresas apoiadoras do Estado sionista ou sediadas nele, em particular aquelas estabelecidas nas colônias exclusivamente judaicas a que já nos referimos, construídas de modo ilegal no território palestino ocupado por Israel.

 

Em lugar de respeitar o direito internacional e desocupar a Palestina, recolhendo-se às fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias (junho de 1967), reconhecidas pela comunidade internacional, as autoridades israelenses, os sionistas e seus apoiadores exercem pressão e censura em diversos países, chegando a alterar leis para criminalizar indivíduos e grupos críticos a Israel. Isso aconteceu recentemente na França e nos Estados Unidos, países em que a legislação foi modificada para transformar o apoio à campanha BDS em delito judicialmente punível.

 

Tanto a Fierj como os sionistas que criticaram duramente Thomas de Toledo exerceram seu direito de fazê-lo, assegurado pelo art. 5º, IV, de nossa Constituição. Acontece que suas críticas não tinham fundamento no artigo do professor. O que eles não podiam e não podem fazer, de modo algum, é persegui-lo com ameaças, assediá-lo a todo momento por telefone e em redes sociais, exigir sua demissão e submetê-lo a tratamento degradante, principalmente em público.

 

Esses são crimes que não podem ficar impunes. Uma coisa é discordar da posição de alguém e manifestar tal discordância; outra, muito diferente, é transformar a vida de um cidadão respeitado num inferno, imputar-lhe acusações falsas, tirar-lhe o ganha-pão e ameaçar sua integridade moral e física.

 

Não podemos ficar calados diante do grave cenário montado pela Fierj. É preciso denunciar atos e intenções inconstitucionais, portanto criminosos, contra alguém que apenas cumpriu a obrigação de informar seu público e exerceu o direito de manifestar seu pensamento.

 

Esperamos que esse tipo de atitude, atentatória à nossa Constituição e à nossa liberdade, tão duramente conquistada, não se repita.

 

Todo apoio ao professor Thomas de Toledo e ao portal Vermelho.

 

 

Notas:

 

 

1) Até mesmo a expressão “antissemitismo” é mal colocada. Os sionistas europeus que migraram para Israel não têm ligações com os antigos semitas — que na verdade não constituem um povo com história estabelecida e sim um tronco linguístico — mas com os casares, tardiamente convertidos ao judaísmo. Os prováveis descendentes dos semitas são os árabes. A palavra correta, assim, é antijudaísmo, e não antissemitismo. Nesse crime, porém, Thomas de Toledo não incorreu, ao contrário do que afirmam seus críticos. Confira: http://port.pravda.ru/news/mundo/20-06-2016/41204-israel_estados_unidos-0/.

 

2) Veja-se o artigo 38 (d) dos Estatutos da instituição.

 

3) In A Constituição e o Supremo, versão completa. Brasília: STF, 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp>. Acesso em: 20 jun. 2016.

 

4) Associações de judeus no mundo inteiro (Israel incluído), como Neturei Karta e Jewish Voice for Peace, rejeitam o sionismo, insistindo que o movimento não representa o judaísmo nem fala por ele. Além disso, o sionismo não congrega somente judeus, mas praticantes de outras religiões, além de seculares e ateus.

 

 

Baby Siqueira Abrão, jornalista e filósofa, estuda o sionismo e a questão palestina há nove anos e foi correspondente do jornal Brasil de Fato no Oriente Médio, sediada na Palestina.

Marcos Tenório, historiador, é especialista em relações internacionais. Ambos são ativistas da luta anticolonialista e antissionista, têm ascendência árabe e portanto provêm de grupo étnico de língua semita.

 

 

 

0
0
0
s2sdefault