Equador: onde está a esquerda?
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- Sebastián Vallejo
- 03/03/2017
Não é muito difícil entender como Lenin Moreno obteve quase 40% dos votos válidos. Na última década, a estabilidade da Aliança PAÍS (AP) como movimento e partido lhe permitiu criar vínculos de identidade com uma base de eleitores que ainda será fiel por muitos anos mais.
Os “borregos”, como são chamados aqueles que gritam “democracia” enquanto um ex-membro da Esquerda Democrática busca que Quito “arda” a favor do representante da oligarquia financeira nacional. Somos, de nossa parte, um país ainda com marcadas e profundas desigualdades sociais, onde o eleitor médio se beneficia da redistribuição da riqueza.
Quer dizer, o eleitor médio é receptor direto dos impostos. A redistribuição que se conseguiu com esse modelo desenvolvimentista dos últimos anos, boa ou ruim, limitada ou ampla, segue captando apoio daqueles que não são nem afiliados e nem devotos, mas beneficiários das estruturas que antes não existiam e dos serviços que se ampliaram.
Mas essas condições têm um teto. Os escândalos de corrupção, os limites do modelo econômico, o distanciamento e a hostilização às bases sociais, e a severa incapacidade de autocrítica, são os obstáculos que os alienaram de quem deveriam ser seus aliados naturais, criando uma brecha impenetrável com aqueles que estão do outro lado. Com o segundo turno daqui dois meses, são muitos os espaços que Moreno precisará conquistar se quiser ser presidente da República.
Neste cenário, o que mais chama atenção é o papel da esquerda. E não falo da Aliança PAÍS, já há alguns anos indo para o centrismo. Falo da esquerda crítica, a esquerda de bases, a esquerda intelectual, dos movimentos sociais, dos sindicatos, que não conseguiram estabelecer um discurso comum propositivo e coletivo, que lhes permita recobrar esse espaço ideológico que a Aliança PAÍS deixou depois de 10 anos de desenvolvimentismo. Surpreende - ou melhor, não – que Moncayo tenha deixado à própria sorte o voto da Esquerda Democrática. Surpreende também que dirigentes do movimento indígena tenham levado tão pouco tempo para tornar público seu apoio a Guillermo Lasso (candidato opositor que vai ao segundo turno contra Moreno).
Uma esquerda melhor organizada e propositiva seria uma esquerda capaz de colher esse voto nulo e branco, ao qual devem se dirigir Lasso e Moreno, mas no qual existe rejeição para os dois. Seria uma esquerda capaz de estabelecer uma crítica substantiva à AP, que a obrigue a voltar, negociar e repensar o modelo e a política que condiz, e que por falta de tal esquerda se moveu para a direita.
Neste ponto, essa esquerda organizada seria o voto decisivo para o segundo turno. É difícil negociar com um governo que se mostrou bem mais intransigente ante os condicionamentos políticos. As vozes mais críticas dentro da Aliança PAÍS saíram, principalmente, pelo distanciamento ideológico do projeto original. Mas isso também é política e agora teria sido momento.
De toda forma, essa não é tanto uma crítica para a esquerda desorganizada ou o que resta de esquerda organizada. Afinal, a AP ocupou tais espaços faz 10 anos e sua transição política deixou muita confusão. Aqui, acima de tudo, fazemos um convite à reflexão.
Um convite para evitarmos cair tanto nessa posição onde toda a crítica à Aliança PAÍS é “jogo da direita” como na perigosa decisão de dar a rédea do país ao melhor representante da burguesia financeira e do capital.
Neste caso, é um convite tardio, mas cuja reflexão será importante para marcar o futuro, inevitável, da batalha que nos espera nos próximos quatro anos.
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Sebastián Vallejo é analista do jornal El Telegrafo, de onde este artigo foi retirado.
Traduzido por Gabriel Brito, do Correio da Cidadania.