Costa Rica: uma nação em crise
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- Arnoldo Mora Rodríguez
- 23/02/2018
Fabrício Alvarado é pastor e defende propostas altamente conservadoras - Foto: Diário de Notícias
Em 4 de fevereiro passado, o povo costarriquenho assinou o certificado de óbito do monopólio bipartidário, que assumiu o poder em nossa democracia mediada durante a Guerra Fria. A partir de 2010, com o governo minoritário de Laura Chinchilla, a transição para uma nova era em nossa história política começou com a inexorável agonia do bipartidarismo, já que Laura conquistou confortavelmente a presidência, mas seu partido (Partido de Libertação Nacional, PLN) não conseguiu a maioria no Congresso, e só pode governar fazendo alianças com outros partidos.
Esta tendência seria acentuada nas eleições de 2014, com a vitória esmagadora no segundo turno de Luís Guillermo Solís, à frente de um partido que vencia as eleições pela primeira vez, embora seus líderes, incluindo Luís Guillermo, viessem das fileiras do PLN.
Embora nessa ocasião o bipartidarismo tenha sucumbido, pelo menos no Poder Executivo não desapareceu totalmente. Nas últimas eleições, o PLN conseguiu escolher a maior fração parlamentar, o que lhe permite manter uma maioria relativa no Congresso, que, juntamente com o crescimento modesto, mas significativo, da outra parte com a qual dividia o monopólio bipartidário tradicional, o Partido da Unidade Social Cristã, compartilha uma maioria parlamentar sólida.
O golpe de morte sofrido pelo sistema de dois partidos, sobre o qual aludi no início dessas linhas, vem do resultado da votação para eleger o presidente da República, uma vez que os dois partidos tradicionais foram severamente punidos pelos cidadãos ao serem drasticamente excluídos do seu caminho para o Zapote. No segundo turno, cujos números já foram lançados, provavelmente serão dois partidos não tradicionais a disputar a cadeira presidencial: um já experimentado nas lidas de governo e outro completamente novato e imprevisível.
Em minha opinião, esta realidade incomum surpreendeu totalmente a não poucos observadores dentro e fora de um país que goza, com bom motivo, de um grande prestígio por ser a democracia mais antiga e mais consolidada em uma região como a América Latina, onde os regimes políticos descritos como democráticos são geralmente escassos. E isso que vivemos só pode ser entendido se percebemos que dois novos sujeitos históricos assumiram os papéis principais no cenário político nacional e que serão eles os que disputarão o mandato presidencial no próximo dia primeiro de abril.
Um deles é hegemonizado pelos setores médios urbanos, predominantemente do Planalto Central, e o outro pelos setores empobrecidos e tradicionalmente marginalizados das províncias costeiras e dos bairros suburbanos das cidades do Vale Central e os dois principais portos do país.
O primeiro recorre a uma linguagem política e organiza-se em movimentos de massas em apoio a um partido e a um programa governamental liderado por um candidato de um partido definido, o PAC (Partido da Ação Cidadã). O outro candidato, cujo partido é de natureza confessional, recorre a uma ideologia e a uma linguagem de origem religiosa, marcada por uma visão de mundo apocalíptica, da qual surge uma interpretação dogmática e autoritária, acrítica e anticientífica do poder político, inspirada na pregação moralista, usual em congregações fundamentalistas de cunho sectários. O contraste não pode ser maior.
Nessas recentes eleições ficou claro que o abismo que separa os diferentes estratos econômicos, sociais, geográficos e culturais de uma Costa Rica cuja classe política tradicional não mostrou sinais de ter assumido, foi evidente.
O imaginário coletivo do costarriquense médio foi abalado por uma espécie de tsunami. Tradicionalmente para os costarriquenhos, profundamente marcados pela educação formal e pela mídia, nossos traços característicos são os de um homem branco, da classe média que habita o Planalto Central. Mas a realidade é muito diferente. Apenas 20% pertencem à classe média; a distância entre os setores sociais aumentou devido às políticas neoliberais predominantes.
As áreas costeiras e os bairros suburbanos populosos sentem - com razão - que os mil vezes prometidos benefícios do progresso econômico e social não os alcançam. O tráfico de drogas e o crime semeiam o terror em seus arredores. Portanto, quando a terra os despreza, eles só podem procurar no céu uma resposta, mesmo que seja ilusória. O caminho escolhido por um setor nada desprezível da cidadania que é inspirado por seitas fundamentalistas de corte religioso, supostamente sincero, mas que desprezam os melhores valores cívicos sobre os quais nossa pura tradição republicana se baseou, só levaria à proliferação dessas pragas que hoje semeiam a dor e miséria em grandes setores da sociedade costarriquenha.
No primeiro de abril, os costarriquenhos terão um compromisso inescapável com a pátria. De nós - e só de nós - depende o dia em que celebramos a Páscoa da Ressurreição ou choraremos o luto da Sexta-feira Santa.
Arnoldo Mora Rodríguez é filósofo costarriquenho.
Tradução do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC.