“As eleições foram uma fraude, mas Maduro não deve durar muito tempo”
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- Gabriel Brito, da Redação
- 19/06/2018
A Venezuela acaba de passar por eleições presidenciais que reelegeram Nicolas Maduro de forma não reconhecida pela oposição e a chamada comunidade internacional. Ademais, o país está em frangalhos e cerco de sanções de parte da comunidade internacional. Um quadro desolador com pouca perspectiva de saídas. Conversamos com Margarita Lopez Maya, historiadora e socióloga da Universidade Central da Venezuela, além de autora de diversos livros sobre o processo político de seu país.
“A PDVSA está quase quebrada, não consegue dinheiro. Os chineses fazem pressão para que Maduro negocie e não lhe dão dinheiro fresco. Os russos não têm esse poder econômico todo pra ajudar. Não há muito apoio externo.
Maduro, por exemplo, não pode conseguir crédito no FMI, ou na banca, pois tem sanções. Ele, seus ministros, vice, não podem conseguir. A situação é atroz, há hiperinflação, acho difícil que se mantenha por todo o tempo”, explicou.
Sobre as eleições, considera uma completa fraude e cita uma série de fatos que se acumularam na montagem de um cenário sob medida para o triunfo de Maduro. Ainda assim, anuncia-se uma vitória de Pirro, pois nunca se viu tamanha abstenção eleitoral no país. Margarita acredita que a recuperação do país só pode começar pela renúncia do presidente que considera ilegítimo, seguida de recuperação das instituições contaminadas pela recente guinada autoritária de seu governo.
“A saída é fácil: que renuncie Maduro. Depois, podem ser abertas negociações a uma transição democrática, que recupere o filo democrático e do estado de direito. Com isso, se deveria tirar da ilegalidade partidos como Primero Justicia, Voluntad Popular e a MUD (Mesa de Unidade Democrática), assim como reabilitar os direitos políticos de Leopoldo Lopez, Antonio Ledezma, Henrique Capriles Radonski”, resumiu.
A entrevista completa com Margarita Lopes Maya pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Como analisa os resultados eleitorais na Venezuela, quando cerca de 48% do eleitorado compareceu às urnas e Maduro se elegeu com 68% dos sufrágios válidos ou 25% do eleitorado apto a votar?
Margarita López Maya: A eleição foi totalmente viciada, desde o princípio. Fraudulentas desde a origem, convocadas por um organismo que não existe na Constituição, ilegítimo, eleito de forma antidemocrática. Houve quem votasse duas vezes... Foi tudo tão carregado de irregularidades, ilegalidades e arbitrariedades que os resultados devem ser vistos como o que são: fraudulentos.
Dentro disso foi um evento, ademais, convocado antes da hora correta, em fins de dezembro. A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) decidiu colocá-la em abril, depois mudou para maio, pois convinha a Maduro controlar esse tempo. Foi tudo armado para que Maduro ganhasse. E não houve surpresa: Maduro ganhou.
Maduro precisa se legitimar, por conta da crise interna do país e do isolamento internacional, e apostou numa maquiagem eleitoral. Eu diria que não se cumpriu o objetivo. Ele ia ganhar, já se sabia, com maioria que nunca podemos checar, porque a CNE controla toda o processo e está a serviço de Maduro.
Mas dois aspectos fugiram ao esperado: 1) as pessoas não foram votar. O mais destacável deste processo pseudoeleitoral é que não pode ocultar a desolação das pessoas, não conseguiu adesão. A não participação oficialmente foi de 51%, extraoficialmente fala-se em 60%. Não podemos saber porque não houve monitoramento independente. Os números são imprecisos.
Certo é que na primeira vez da história eleitoral venezuelana a maioria não foi votar. A média de participação histórica no período democrático, pela constituição de 1961, onde o voto era obrigatório, ficava em cerca de 80%. Pela última constituição, onde o voto não era obrigatório, ficava por volta de 70%, 75%.
Mais da metade das pessoas não foi votar e isso é muito relevante. O governo não conseguiu esconder, no máximo amainar.
2) Os candidatos opositores, antes de divulgados os resultados, deram declarações públicas de rejeição ao processo, a chamá-lo de ilegítimo e ilegal; a oposição que participou não reconhece os resultados.
Portanto, foram dois grandes elementos que jogaram lenha na fogueira. Eleições fora dos padrões internacionais de democracia e uma campanha talhada aos interesses do governo, com esforço em arrastar setores opositores ao processo pra conferir legitimidade.
São momentos de inflexão na crise venezuelana, um passo a mais no enfraquecimento político de Maduro.
Correio da Cidadania: Além das manobras políticas, pode-se apontar fraudes mais diretamente ligadas ao dia da eleição, como alegam setores oposicionistas e parte dos países que se manifestaram pelo não reconhecimento dos resultados?
Margarita López Maya: São vícios de origem, de procedimento e legalidade. O sistema de votação é automatizado. De modo que as máquinas têm software a que no momento só o CNE tem acesso. E o órgão está em mãos de uma autoridade que funciona a serviço do governo. Até o ano passado as máquinas funcionavam com uma empresa chamada Smartic, que já saíra a público a anunciar fraudes eleitorais e manipulação. No começo do ano, ela foi embora da Venezuela, pois disse que não podia assegurar o processo.
Está tudo sob controle, de modo que se sabia perfeitamente se uma fraude mais estrita da votação era ou não necessária. E não temos como saber se foi ou não. Sabe-se que a não participação popular foi a menor de todas, como se fez através do método do quickpools: fica-se parado diante de um centro de votação e observa-se quantas pessoas entram pra votar – independentemente do voto. E quem fez isso afirmou que o número era claramente menor.
De todo modo, não considero tal aspecto tão relevante. Era tão viciado o processo que se podiam assegurar os objetivos, penso eu, sem forçar a barra. E os candidatos opositores não tinham condição e estrutura partidária para cobrir todos os centros e mesas eleitorais. Em muitos casos, não havia testemunhas de todos os lados. Pode ser que se veja na máquina o resultado correto, mas no momento devido alguém poderia mexer nela à vontade. Até porque o registro eleitoral não está depurado de acordo com a quantidade de pessoas que saiu do país recentemente.
O que se diz no país é que foi tudo tão viciado que a maioria não foi votar, inclusive setores chavistas. Houve mesas que ficaram abertas até oito da noite, quando deveriam ficar até as seis, a fim de se chamar mais votos...
Enfim, uma fraude. E o governo se permitiu todo o uso da máquina pública, desde dinheiro até mídia, para promover o processo a seu gosto.
Correio da Cidadania: Como fica a Venezuela com o não reconhecimento do resultado por parte expressiva da chamada comunidade internacional?
Margarita López Maya: A pressão sobre o governo Maduro é muito grande, elemento muito importante da conjuntura. Isso se combina com a pressão internacional que praticamente encurrala o país, porque as sanções impostas por alguns governos significam, entre outras coisas, ser muito difícil conseguir financiamento para as enormes dívidas e necessidades.
O último processo que a Conoco-Philips ganhou nos EUA fez os barcos venezuelanos se refugiarem na costa, por medo de confisco. O que quer dizer que a produção petroleira venezuelana está ameaçada de diminuir mais ainda.
A negação internacional de reconhecer Maduro segue a fazer os problemas se acumularem, com prisão de vários militares, pois há descontentamento em quartéis também. Por terem de guardar locais de votação, os próprios militares viram a dinâmica eleitoral e que em certos locais quase ninguém foi votar. Aumentou o descontentamento interno.
Assim, Maduro se sustenta com o aumento da repressão até sobre os militares. São semanas muito difíceis, vamos ver se sobrevive.
Correio da Cidadania: Nesse sentido, acredita na possibilidade de Maduro realmente governar o país por mais seis anos, tempo de mandato relativamente longo?
Margarita López Maya: O governo não vai durar muito tempo, a não ser que se torne algo completamente novo. Mas não creio nisso. Com as sanções, o processo da Conoco, mais sanções, é muito difícil governar. A PDVSA está quase quebrada, não consegue dinheiro. Os chineses fazem pressão para que Maduro negocie e não lhe dão dinheiro fresco. Os russos não têm esse poder econômico todo pra ajudar. Não há muito apoio externo.
Maduro, por exemplo, não pode conseguir crédito no FMI, ou na banca, pois tem sanções. Ele, seus ministros, vice, não podem conseguir. A situação é atroz, há hiperinflação, acho difícil que se mantenha por todo o tempo.
Penso que até dezembro, quando termina este período presidencial, pode haver algum desenlace, seja por reacomodação chavista, seja por uma guinada dos militares, colocando-se a si mesmos no poder. Ou ainda por pressão internacional e uma nova eleição, realmente democrática e dentro de padrões internacionais reconhecidos.
Correio da Cidadania: Como tem sido os trabalhos da Assembleia Constituinte recém-eleita?
Margarita López Maya: Ela é espúria, ilegal, foi constituída em desobediência à Constituição. Para convocar uma constituinte, é preciso consultar o povo, fazer um referendo apenas para isso. O poder constituinte é do povo. Maduro não o consultou, apenas se deu o direito de convocar a Assembleia, e ainda impôs normas para eleição de deputados absolutamente fora do estado de direito. Passou em cima da Constituição venezuelana, que é democrática.
Cada cidade tem direito a um voto, só um. Nestas eleições, e reitere-se que o CNE marcou para quando Maduro quis, havia grupos, setores sociais e corporativos com direito a dois votos, como pessoas que pertencem a alguma das missões sociais do governo, ou que recebem uma pensão, alguma federação de camponeses ligada ao governo... Eu tenho direito a um voto, um pensionista do Estado, a depender de qual setor se liga, pode ter dois.
Foi totalmente fraudulento, como se pode compreender. Dizem que participaram 8 milhões de venezuelanos, mas as ruas estavam vazias. A Assembleia Constituinte (para a qual não houve participação da oposição) tratou de deslegitimar a Assembleia Nacional. Mas não conseguiu, e age como poder supraconstitucional para legitimar suas decisões, como antecipar as eleições presidenciais, em aliança com o CNE, tal como outras medidas que não têm passado pela Assembleia Nacional. Esta, tampouco foi reconhecida internacionalmente... Os problemas só se acumulam e alguma hora devem produzir a queda do governo.
Correio da Cidadania: O que poderia ser feito para que o país pudesse melhorar sua situação econômica, social e política?
Margarita López Maya: A saída é fácil: que renuncie Maduro. Depois, podem ser abertas negociações a uma transição democrática, que recupere o filo democrático e do estado de direito. Temos uma Assembleia Nacional legítima, eleita, não em condições justas de competição, mas pelo menos com transparência.
Essa Assembleia está aí. Maduro poderia renunciar, o presidente da Assembleia poderia assumir como interino e convocar eleições. E ao mesmo tempo poderia começar a destituir magistrados do Poder Judiciário irregularmente nomeados, que atuam como braço direito da ditadura de Maduro. Poderiam começar a remover gente do CNE eleita fraudulentamente no ano passado, por sobre os processos legais. E assim poderíamos recuperar as instituições democráticas.
Porém, Maduro nega tal caminho, mesmo com 80% de rejeição popular e 70% da opinião pública favorável a sua renúncia. Outra saída seria pela pressão internacional, com todos sentando a negociar por eleições justas e transparentes. Com isso, se deveria tirar da ilegalidade partidos como Primero Justicia, Voluntad Popular e a MUD (Mesa de Unidade Democrática), assim como reabilitar os direitos políticos de Leopoldo Lopez, Antonio Ledezma, Henrique Capriles Radonski.
Devem ser liberados os mais de 250 presos políticos também. Com toda essa reorganização, e a compreensão de que fracassou no governo, pois estamos numa catástrofe que pode custar muitos anos de nossa vida, poderíamos começar a sair da crise.
Correio da Cidadania: Que leitura você faz do cenário político regional, ao passo que as turbulências aqui debatidas também se verificam em diversos países?
Margarita López Maya: A América Latina no geral vive um momento turbulento. Mas a maioria dos países tem bons desempenhos econômicos, não? A turbulência é sobretudo política. E há muita preocupação de que o que se tornou o chavismo aqui se exporte a outros países, como o México. A Colômbia também tem dificuldades – aliás, compartilhadas na fronteira entre nossos países -, pois vivemos padrões autoritários do século 21, que se validam nas urnas, no voto popular e socavam as democracias construídas com muito esforço na América latina. Temos exemplos na Argentina, no Equador, que não chegaram a tanto, mas têm traços comuns.
Falo pela Venezuela: as propostas populistas, aqui à esquerda, debilitaram muito as instituições, atacaram a liberdade de expressão, os contrapesos entre os poderes. Vamos ver como funcionam os processos eleitorais previstos para este ano. Salvo o México, não vejo um quadro tão dantesco e desolador como o venezuelano. Aqui, a cúpula militar e civil se tornou um grupo de delinquentes que saqueia o Estado e ainda promove negócios escusos.
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Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.
Comentários
Também daquela feita, ela se eximiu por completo de fazer menção aos efeitos altamente nocivos ao povo venezuelano e ao país trazidos pela "mão" do Sistema de Poder que domina os Estados Unidos.
Quem lê a entrevista da socióloga e a ela se limita, fica coma impressão de que tudo é culpa de Hugo Chávez, Nicolás Maduro e dos bolivarianos.
A socióloga seria portadora de uma visão muito difundida entre os trotskistas de araque do PSTU que continuam acreditando na já surrada tese de que os processos de mudanças impulsionados são retilíneos e homogêneos, nunca sujeitos a contradições e que acabam naufragando somente por erros de seus líderes? Não tenho certeza disso.
Me parece que o mais certo é que estamos diante de uma liberal - aquele tipo de liberal que conhecemos, que tem verdadeira ojeriza à verdadeira democracia - vestida com pele de esquerdista ou que tenta se passar por. Defender a reabilitação dos "direitos políticos de Leopoldo Lopez, Antonio Ledezma, Henrique Capriles Radonski”, notórios conspiradores e terroristas, configura uma posição totalmente alinhada com a estratégia do Sistema de Poder que citei.
Nossa esquerdona tá reclamando bastante das críticas à Venezuela. Mas carece de fontes, e eu prefiro trabalhar com fontes, não à toa fiz questão de ligar outros links de outros pontos de vista. Curiosamente, as fontes que conheceram de perto o processo venezuelano em anos mais felizes estão guardando silêncio cauteloso. De resto, 50 mil fodidos em Roraima deveriam nos sensibilizar mais...
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