Mudança de regime?
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- Carlos Fazio
- 05/07/2018
Pode ser que as estruturas e relações de poder fiquem um pouco de pernas para o ar a partir desta segunda, 2 de julho.
Terminou um processo eleitoral muito polarizado e desgastante, e respira-se uma sensação de fim de ciclo. Por diferentes razões, partidários e inimigos de Andrés Manuel López Obrador viram em sua vitória uma ruptura. Uma mudança de regime.
Em mais de três eleições milhões de pessoas viram nele uma alternativa de mudança. Uma imensa maioria da população está farta do aconteceu põe a culpa de seus males num sistema do qual Lopez Obrador não seria parte. Ainda assim, não há nada em seu projeto alternativo de nação que implique uma ruptura estrutural com o atual sistema de dominação. Seu programa é recuperar o Estado pela via eleitoral, refundá-lo, democratizá-lo e convertê-lo em promotor do desenvolvimento econômico, político e social.
Seu programa centrista de corte nacionalista enfatiza a austeridade de uma forma próxima à ortodoxia e estabelece um compromisso claro de manutenção do equilíbrio macroeconômico, preservação da autonomia do Banco do México e manutenção do câmbio flexível. Nada, pois, que inquiete os “mercados”.
Além do mais, as possibilidades de mudança de modelo econômico parecem nulas. Desde 1994-96 se aprovaram uma série de dispositivos legais que blindam juridicamente o projeto neoliberal. Portanto, muito difícil transitar por um caminho diferente do “consenso de Washington”.
A narrativa central de sua campanha deu ênfase em separar o poder econômico do poder político. E isso levou ao enfrentamento com o homem mais rico do México, Carlos Slim, e com as 40 famílias que integram o Conselho Mexicano de Negócios, os megamilionários das listas da Forbes.
López Obrador insistiu na centralidade da luta contra a corrupção, mas se retratou de sua proposta original de erradicar o modelo neoliberal. Durante sua campanha teve de pactuar o programa. Assim, sua perspectiva de mudança implica leves reformas. Não obstante, ainda que não haja ruptura de fundo com o modelo de desenvolvimento dos últimos 30 anos, não significa que seu projeto seja mera continuidade do atual. Para uma população pauperizada por três décadas de neoliberalismo, leves reformas poderiam ser reformas maiúsculas. Quer dizer, teremos mudanças, mas a essência não mudará.
As mudanças desenhadas durante a campanha têm a ver com a revisão dos contratos de obras públicas e as concessões governamentais ao setor privado, que segundo o historiador Lorenzo Meyer são, no México, o coração da política. Em particular, seu duro enfrentamento com Carlos Slim e um grupo de empresários aos quais definiu como uma “minoria saqueadora” teve a ver com sua intenção de revisar os contratos de construção do Novo Aeroporto Internacional da Cidade do México, e as concessões governamentais para a exploração de campos petrolíferos no setor da mineração.
E em tais questões, se persistir em seu empenho e com mais vontade política que tenha pra alterar o modelo, se defrontará com um completo emaranhado jurídico construído desde as câmaras legislativas, a Suprema Corte da Nação, os organismos reguladores da economia, os tratados de livre comércio e o que se convencionou chamar de “novo direito pró-empresarial”, erigido para proporcionar garantias a investimentos estrangeiros. Quer dizer, construído para beneficiar os interesses das grandes empresas transnacionais e eludir as faculdades regulatórias do Estado.
De todo modo, no México a presidência da República encerra potenciais simbólicos insuspeitos. Uma sorte de carisma institucional. Como diz Ilán Semo, não importa quem a ocupe. Inclusive um inepto (pensemos em Vicente Fox), o cargo transmite aura: é o “presidente”. E se quem o ocupa sabe o que fazer, sua força pode se tornar incalculável.
Assim, em uma situação de crise poderia se converter não em uma referência do Estado, mas em “sua” referência. Os mais preocupados pela opção nacional em López Obrador sabem muito bem. Nada no Morena (Movimento de Renovação Nacional) aponta para uma mudança substancial no regime, mas ao menos não o aprofunda.
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Carlos Fazio é jornalista do jornal uruguaio Brecha, onde esta matéria foi originalmente publicada, e está no México.
Traduzido por Gabriel Brito, editor do Correio da Cidadania.