O México de López Obrador: "não há mais espaço para ‘soluções nacionais’”
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- Gabriel Brito, da Redação
- 17/09/2018
Manuel Aguilar Mora. Imagem: Youtube.
A vitória eleitoral de Antonio Manuel López Obrador no segundo maior país da América Latina criou esperanças em diversos grupos políticos e sociais no sentido de uma contraposição a nova rodada de governos neoliberais no continente. No entanto, em entrevista ao Correio o historiador Manuel Aguilar Mora faz diversas ponderações a respeito de um caráter de transformação estrutural de um país cujas fraturas sociais causadas por anos de liberalização econômica são praticamente insolúveis. Ainda assim, vê espaço para mudanças positivas em mais esta sociedade em crise.
“Uma das consequências principais dessas eleições foi o tremendo golpe que sofreram ambos os partidos de direita mencionados, o PAN (Partido da Ação Nacional) e sobretudo o PRI (Partido da Revolução Institucional), o qual hoje é quase irrelevante. Não à toa, a voz do povo criou o termo PRIAN. Todos os presidentes da república desde os anos 80 pertenceram ao ‘PRIAN’: de la Madrid, Salinas, Zedillo, Fox, Calderón e Peña Nieto. O cansaço com a situação é a principal causa da vitória de Lopez Obrador”, explicou.
Também professor da Universidade Autônoma da Cidade do México, Aguilar Mora detalhou as razões que levaram a população a votar em Lopez Obrador de forma consagradora. De forma complementar, comenta as limitações da candidatura indigenista de Marichuy Martínez, que terminou impugnada pelo órgão eleitoral.
“Caracterizou-se por uma inesperada participação de setores amplíssimos da população, cujo objetivo era, antes de tudo, castigar os partidos apoiadores do curso inicial decisivo do governo Peña Nieto, ou seja, PRI, PAN e PRD (Partido da Revolução Democrática), que finalmente foram derrotadas em todas as linhas na votação de 1º de julho. Essa é a explicação da sensacional vitória eleitoral do Morena, um partido que foi fundado em 2013. O fundamento central da vitória de AMLO é a rejeição e o repúdio ao ‘PRIAN’”, analisou.
Em termos internacionais, o historiador situa o momento mexicano em relação aos demais países do continente americano e faz um paralelo das possibilidades de mudanças sociais com a globalização da economia em moldes capitalistas, de modo que não vê saídas estruturais para nenhum país de forma isolada.
“Vivemos uma etapa da internacionalização da política. Assim como a globalização planetária capitalista fez da economia mundial o determinante dos processos das economias nacionais, em nível político o mundo está cada vez mais interconectado. É impossível no México uma transformação política e social profunda que fique dentro das fronteiras nacionais. Suas repercussões seriam imediatamente internacionais”.
A entrevista completa com Manuel Aguilar Mora pode ser lida a seguir.
Lopez Obrador. Foto: Divulgação oficial
Correio da Cidadania: Primeiramente, o que comenta da vitória de Antonio Manuel Lopez Obrador (AMLO) nas eleições presidenciais mexicanas? O que o levou a este triunfo?
Manuel Aguilar: A vitória de AMLO nas eleições de 1º de julho estava anunciada desde 2017, pelo menos, senão antes. Porque o desastroso governo Enrique Peña Nieto (2012-18) veio a coroar, com seu Pacto pelo México de 2013-14, mais de 30 anos de governos neoliberais que levaram o país a situação de extrema polarização social, violência criminosa, enormes defasagens sociais na saúde, na educação, na segurança, no endividamento colossal. Por último, como consequência de tudo, um mal estar que se expressava entre a população em forma de descontentamento social crescente, seguida de resposta governamental via repressão também crescente.
O fato mais eloquente foi a operação de tirar os militares e marinheiros de seus quarteis para exercer funções policiais com o pretexto de “combater o crime organizado”. Até o último momento antes das eleições, nunca desapareceu por completo a sombra da possibilidade eleitoral executada pelos partidos de direita (PRI e PAN) que durante todo este período dominaram o regime presidencialista mexicano reciclado pelo giro neoliberal extremo dos anos 80.
Precisamente, uma das consequências principais dessas eleições foi o tremendo golpe que sofreram ambos os partidos de direita mencionados, o PAN e sobretudo o PRI, o qual hoje é quase irrelevante. Não à toa, a voz do povo criou o termo PRIAN. Todos os presidentes da república desde os anos 80 pertenceram ao “PRIAN”: de la Madrid, Salinas, Zedillo, Fox, Calderón e Peña Nieto.
O cansaço com a situação é a principal causa da vitória de Lopez Obrador, que não pode ser evitada pela avalanche eleitoral que começou desde cedo em favor de AMLO e seu partido, o Morena (Movimento de Regeneração Nacional).
Correio da Cidadania: Parte da esquerda latino-americana festeja sua vitória como um contraponto ao que chama de onda conservadora. Você vê motivos para otimismo?
Desde os anos 70, o México se afastou do curso da política latino-americana. Ainda que depois do Chile, país que sob a ditadura de Pinochet foi o primeiro do subcontinente que se lançou pelos caminhos do neoliberalismo, fomos um dos primeiros a seguir tal caminho. Desde os anos 80 vivemos um intenso período em que o determinante de seu desenvolvimento capitalista o tornou sócio menor do imperialismo dos Estados Unidos.
O Tratado de Livre Comércio da América do Norte (conhecido no Brasil como NAFTA) gestado nestes anos e posto em prática em 1994 é a evidência. Portanto, o México esteve ausente por completo do “giro progressista” latino-americano, que se deu em fins dos anos 90 e princípios do novo século. A esquerda mexicana foi completamente destruída pela cooptação, o que aconteceu com o Partido da Revolução Democrática (PRD), ou reprimida e escanteada, como foi o caso dos revolucionários que resistiram.
O exemplo mais eloquente deste último foi o caso do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), obrigado a se refugiar em suas montanhas e vales no sudeste, ante o cerco político e militar imposto pelo governo, com o apoio de todos os partidos “registrados”, ou seja, dos partidos burgueses. Portanto, a oposição ao processo determinante da política deixou de estar nas ruas e se tornou política institucional, uma “oposição respeitosa”.
Este foi o movimento encabeçado por López Obrador, uma oposição respeitosa ao sistema imperante que se desenvolveu, isso sim, perseverante e firmemente durante mais de uma década, de 2006 a 2018, e cuja expressão mais eloquente foram as três candidaturas presidenciais de AMLO, em 2006, 2012 e finalmente no vitorioso 2018. Em termos estritos, AMLO e o Morena não têm nenhum ponto de comparação com os movimentos progressistas de Brasil, Bolívia, Argentina e menos com o chavismo ou até o neochavismo da Venezuela. Certamente, o obradorismo tampouco pode se caracterizar como uma onda conservadora à brasileira ou argentina, como se vê nas figuras de Temer e Macri.
Mas não é um movimento declaradamente antineoliberal ou coisa do estilo. É um fenômeno popular, uma derivação muito diluída do que foi a ideologia dominante da política mexicana do século 20, o “nacionalismo revolucionário”.
Correio da Cidadania: Neste sentido, como analisa as críticas dos movimentos indígena e zapatista, a afirmar que não haverá grande mudança em relação ao período anterior?
As críticas zapatistas a AMLO devem ser consideradas por dois ângulos: sua posição antes de 1º de julho e sua atual posição após a vitória eleitoral. Antes de 1º de julho, Galeano-Marcos (comandante do Exército Zapatista de Liberação Nacional – EZLN) considerava muito pouco provável, de fato impossível, a vitória de AMLO. Pensava que haveria como em 2006 uma nova fraude que o impediria de chegar à presidência. Para ele, a fraude era inevitável. Depois, os neozapatistas mudaram de opinião, agora consideram-no igual a seus opositores burgueses José Antonio Meade e Ricardo Anaya.
Claro que os três candidatos citados são porta-vozes e apoiadores do sistema estabelecido. Mas a contundente e inaudita vitória não é um acontecimento simples de interpretar. Não dá pra resumir tudo a “Obrador é igual a Meade e Anaya”, pois desprendem estratégias fundamentais. Os 32 milhões de votantes que levaram AMLO à vitória incluem setores populares muito amplos que acordaram para a política diante das circunstâncias já mencionadas. Para eles, a alternativa de AMLO era a única. A esquerda, inclusive o EZLN, não ofereceu uma melhor.
A candidatura de Marichuy Martínez poderia ser atrativa na condição de que seu apelo fosse além de seu espaço natural indígena e reivindicasse junto das demandas dos povos indígenas as dos trabalhadores e setores populares das cidades, população que conforma esmagadora maioria no México.
Isso não aconteceu e, como sabemos, Marichuy não conseguir reunir as assinaturas exigidas para seu registro de candidata à presidência. Mas ainda assim sua postulação poderia se manter sem registro eleitoral oficial, como testemunho de uma representação independente e realmente dos oprimidos e explorados. Isso tampouco aconteceu. Hoje, uma política que não leve em conta as necessidades dos milhões de trabalhadores que estão acordando para a política nos afastará da possibilidade de oferecer-lhes uma real alternativa.
Correio da Cidadania: Como foi o processo eleitoral em seu todo?
Caracterizou-se por uma inesperada participação de setores amplíssimos da população, cujo objetivo era, antes de tudo, castigar os partidos apoiadores do curso inicial decisivo do governo Peña Nieto, ou seja, PRI, PAN e PRD, que finalmente foram derrotadas em todas as linhas na votação de 1º de julho. Essa é a explicação da sensacional vitória eleitoral do Morena, um partido que foi fundado em 2013. O fundamento central da vitória de AMLO é a rejeição e o repúdio ao “PRIAN”.
Correio da Cidadania: O que comenta sobre o advento das candidaturas independentes, muitas das quais representadas por figuras oriundas dos partidos tradicionais?
Na realidade a figura das “candidaturas independentes” que estreou nas jornadas eleitorais de 2018 foi um clássico caso de muito mais barulho do que conteúdo. Conseguiram se registrar apenas duas dessas candidaturas: da esposa do ex-presidente Felipe Calderón, Margarita Zavala, e Jaime “el Bronco” Rodríguez, governador do estado de Nuevo León, o estado sede do poderoso núcleo financeiro de Monterrey.
A primeira se retirou da corrida eleitoral diante da evidência de seu pouco apoio e “o Bronco” conseguiu ínfima porcentagem de votos, abaixo de 5%.
Correio da Cidadania: Quais são os grandes desafios de Lopez Obrador? Que país terá diante de si?
Os desafios são enormes. Diante dele está uma população exigente, que o levou ao poder. Uma população que quer maior bem-estar social frente ao estrepitoso fracasso da política econômica e social dos últimos trinta anos, que colocou a esmagadora maioria da população mexicana na pobreza e inclusive milhões na extrema pobreza.
Certamente, o foco na corrupção e seu combate para alcançar um país melhor foram um acerto de AMLO, mas não será suficiente para enfrentar os desafios que se apresentam. Esses desafios são as necessidades de maiores salários e uma política econômica igualitária e equitativa, a revogação das “reformas estruturais” de Peña Nieto na energia e na educação, de uma reestruturação do setor de saúde, do combate à delinquência e à violência que têm sangrado o país, e uma luta contra a degradação alarmante do meio ambiente: rios, florestas, mares, contaminação urbana etc.
Diante de tudo isso, no pouco tempo vivido após a eleição, AMLO não enviou mensagens contundentes de que pretenda mudar radicalmente a situação desastrosa nacional, que o deixa de herança Peña Nieto. Sua estratégia fundamental de não confrontação com nenhum setor, em especial sua mudança evidente ante o que ele mesmo chamou durante anos de “máfia do poder”, da qual hoje se aproxima e até se apoia, é a evidência de que não há grandes mudanças à vista.
Mas no México é impossível uma política de conciliação do irreconciliável perante a cruel realidade de um país onde as desigualdades, a violência e a repressão são o pão de cada dia. Todas as realidades são a cauda do capitalismo selvagem em que se converteu a economia dominante, que para AMLO, segundo expressou várias vezes, não se deveria considerar como uma economia exploradora e depredadora capitalista. Segundo ele, no México reina a corrupção e não a exploração. Literalmente, disse que no México não se podem aplicar as teorias de Marx. Ou seja, no México não existe mais-valia ou luta de classes.
Até aqui, AMLO deu claros exemplos de por onde se dirigirá quando tomar as rédeas do governo formalmente, em 1º de dezembro. No caso da nomeação como futuro diretor geral da Comissão Federal de Eletricidade (CFE) de Manuel Bartlett, constituiu-se o primeiro escândalo do novo presidente do México.
Bartlett é um representante clássico do velho PRI, como secretário de governo foi executor – as duas coisas juntas – da fraude eleitoral de 1988 contra a candidatura de Cuauhtémoc Cárdenas, depois foi secretário de Estado do governo Salinas de Gortari, governador priista do estado de Puebla. E podemos agregar uma série de exemplos que o caracterizam como um típico político oficialista. A argumentação de AMLO, a defender sua nomeação, foi tão pragmática quanto discutível: “é um funcionário capaz, conhece bem a CFE”. Não há dúvida disso, como tampouco há de que AMLO mostrou com essa designação que para ele valem mais as capacidades profissionais que a lealdade, a honradez e as posições políticas firmes.
Outro caso é o da construção do Novo Aeroporto Internacional da Cidade do México (NAICM). A primeira reação de AMLO foi se declarar contra sua construção, diante de argumentações a justificar que a conclusão de sua construção significa um desastre colossal do ecossistema do Vale do México. Quando grandes contratistas envolvidos no que é um dos projetos capitalistas mais importantes concebidos pelos governos do PRIAN saíram a defendê-lo, AMLO começou a recuar e, finalmente, quando o homem mais rico do México, Carlos Slim, declarou que está a investir enormes quantidades de capital no projeto, AMLO aceitou que sua construção podia ser viável, mas com capital privado, não público.
Este vaivém cristalizou-se até o momento em que AMLO decidiu confiar em várias comissões que “estudarão” as condições da construção do NAICM antes de tomar a decisão final. As comissões compostas de “especialistas” (engenheiros, economistas, ecologistas etc.) darão suas conclusões e posteriormente haverá uma “consulta cidadã”, da qual participarão os povos diretamente afetados da região, que organizados em uma “Frente de Defesa da Terra” vêm lutando intransigentemente contra este projeto há 12 anos, quando se anunciou sua possível construção.
Na própria equipe mais próxima de AMLO há importantes personagens que se opõem à construção do NAICM, como o caso, em particular, do engenheiro Javier Jiménez Espriú, titular da Secretaria de Comunicações e Transportes no gabinete de AMLO. Ele considera inviável a construção, a obra mais ambiciosa do atual governo.
E dá três razões para tal conclusão: as técnicas e financeiras que preveem um custo acima de 285 bilhões de pesos (mais de 14 bilhões de dólares) e um atraso até fins de 2023, com negativas consequências hidrológicas para o Vale do México, espaço ecogeográfico em que se encontra a capital do país, além do conflito social, derivado da oposição dos povos originários e ejidatarios (denominação mexicana para posses coletivas de terras) das regiões vizinhas.
Finalmente, será AMLO quem decidirá o destino de tal projeto, que enquanto isso segue sendo construído, tendo sido investidos mais de 25 milhões de pesos até aqui.
Correio da Cidadania: Mesmo por uma perspectiva crítica, o que poderia ser feito de positivo em seu mandato?
Certamente durante o próximo governo haverá mudanças e algumas serão importantes, mas as condições assinalam que dependerá não do governo, mas da pressão popular, as transformações passíveis de serem vistas com realismo nos próximos anos.
Por isso é tão importante o surgimento de uma direção independente dos trabalhadores e seus aliados, pois o Morena ainda não é um partido estruturado. Além do mais, é composto por correntes heterogêneas e contraditórias, muitas delas vinculadas diretamente aos poderes fáticos, antes considerados pelo próprio López Obrador como integrantes da “máfia do poder”.
Correio da Cidadania: Qual o balanço da democracia liberal mexicana nesses anos marcados pelo tratado de livre comércio e privatizações? Há uma relação direta com a falência do Estado e ascensão dos grupos criminosos que atuam no narcotráfico e tomam conta de boa parte do território do país?
Com efeito, há determinação direta entre o giro neoliberal do Estado no México e sua progressiva degeneração como o fator político hegemônico nacional, característica que se perdeu definitivamente ante o surgimento de protagonistas muito mais poderosos, além do fortalecimento das corporações tradicionais do imperialismo estadunidense.
Um exemplo é a presença da corporação comercial Wall-Mart, que nos últimos 30 anos se tornou uma das cinco companhias mais poderosas do país, tendo no México o maior número de filiais fora dos EUA. E, ao mesmo tempo, nestes anos a Pemex, a empresa mais importante do país, foi submetida à divisão e ao desmantelamento que a descapitalizaram e debilitaram diante da competição das petroleiras estrangeiras.
O surgimento do poder dos narcotraficantes e suas conexões inumeráveis com os bancos e as finanças através da lavagem de dinheiro são fatos que durante os seis anos de Peña Nieto ficaram muito notórios, como no caso de Chapo Guzmán, o narcotraficante mexicano mais famoso, cuja fortuna o levou a ser listado pela revista Forbes como um dos homens mais ricos do mundo.
Suas fugas cinematográficas foram comentadas mundialmente na mídia e mostraram que seus recursos financeiros eram tão grandes que podia comprar setores inteiros das esferas das instituições carcerárias do país.
Correio da Cidadania: É possível resolver os grandes problemas mexicanos pela via institucional?
A vitória acachapante de AMLO se conseguiu “institucionalmente”. As consequências políticas deste fato contundente serão parte das discussões estratégicas nos próximos anos. Responder essa pergunta requer a presença de muitos dados e experiência. Se pela “via institucional” se interpretam vitórias políticas fundamentais dos trabalhadores e explorados, por vias pacíficas, minha resposta seria afirmativa. Os trabalhadores e o povo em geral não são partidários da violência.
Tudo dependeria dos grupos do poder, em especial os poderosíssimos grupos capitalistas nacionais e estrangeiros. Se pela “via institucional” se interpretam mudanças políticas e sociais de fundo, de estrutura, sem rupturas e conflitos inclusive violentos, a resposta seria, portanto, negativa. Não há exemplos históricos de autênticas transformações, como as que se exigem hoje no México, sem grandes rupturas políticas e econômicas, ou seja, revolucionárias.
Correio da Cidadania: Como todo esse contexto do país asteca dialoga com o momento das democracias do continente?
Vivemos uma etapa da internacionalização da política. Assim como a globalização planetária capitalista fez da economia mundial o determinante dos processos das economias nacionais, em nível político o mundo está cada vez mais interconectado. É impossível no México uma transformação política e social profunda que fique dentro das fronteiras nacionais. Suas repercussões seriam imediatamente internacionais.
No México, de fronteira contínua de mais de 3 mil quilômetros com o país mais poderoso do mundo e pertencente ao subcontinente dos países das Américas Central e do Sul, a política de mudanças e transformações tem uma dimensão internacional direta. Sua vizinhança com o “triângulo da violência centro-americana” que integram Guatemala, El Salvador e Honduras e, agora, a revolução traída da Nicarágua, são também fontes de consequências da internacionalização de qualquer conflito mexicano. A América do Sul também se encontra em situação de profundas mudanças, que afetam o México. A decadência e o fracasso dos governos “progressistas” de dez anos atrás são tão evidentes que apontam para o surgimento de autênticas direções revolucionárias.
Uma das principais consequências da crise atual é que as “soluções nacionais” mostraram-se insuficientes, para dizer o mínimo. A crise dos países latino-americanos não se resolverá nacionalmente. Será no esforço unificado das lutas dos povos do subcontinente que os problemas que se avolumam poderão ser resolvidos. Uma das maiores tragédias dos últimos 50 anos foi o isolamento da Cuba socialista. Sem a vitória da revolução socialista em outro país em terra firme as conquistas cubanas se veem cada vez mais ameaçadas com outra restauração capitalista como a ocorrida na ex-União Soviética e nos países da Europa oriental. A estratégia democrática e revolucionária latino-americana se perfila pela unidade das repúblicas latinas e a bandeira do anticapitalismo e da unidade socialista.
O destino do povo do México está, finalmente, vinculado ao dos povos de todo o mundo, em especial de toda a América. Na ideologia e na política de AMLO tais ideais estão completamente ausentes dos ideais internacionalistas. Essa ausência será outro dos motivos de choques e conflitos nos próximos anos, por conta de a crise global unir acelerada e inevitavelmente os problemas dos povos, assim como suas soluções. E para enfrentar com êxito esses desafios só será possível dotando-se de estratégia revolucionária e internacionalista.
Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.