Correio da Cidadania

Venezuela: “Nem Maduro e nem Guaidó trarão a solução

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A viabilidade futura da sociedade venezuelana está em risco em meio à paralisia que vive o país por conta da crise política e econômica. Assim vê Temir Porras Ponceleón, ex-assessor do presidente Hugo Chavez em questões de política exterior (2002-2004), além de vice-Chanceler e chefe de gabinete de Nicolás Maduro quando o atual presidente era ministro de Relações Exteriores.

Maduro chegou ao poder após a morte de Hugo Chávez em 2013 e Porras Ponceleón, após formar parte do governo por alguns meses, saiu por divergências com a política econômica do então recém-eleito presidente.

Hoje é professor visitante na universidade Sciences Po de Paris, onde passa parte do ano. É crítico com os dois polos da crise política de seu país, tanto com Maduro quanto com Guaidó, e propõe um acordo que seja impulsionado por outros atores.

Leia abaixo a edição da entrevista que Temir Porras Ponceleón concedeu ao editor da BBC News Mundo.

O que você diria para o Maduro caso ainda estivesse em seu gabinete hoje?

Não compartilho da filosofia e nem da orientação deste gabinete, dessa maneira eu não poderia assessorá-lo. A única recomendação geral ao país é que estamos em uma crise tão profunda que ultrapassa o debate tradicional com a polarização que houve durante a revolução bolivariana.

Nosso problema não é escolher entre Maduro e Guaidó. A sociedade venezuelana está diante de um problema sobre sua viabilidade enquanto sociedade, como economia e como sistema democrático.

Não há vitória possível nessa circunstância. Estamos todos perdendo, a sociedade está desmoronando e em consequência é secundário o tema do debate político. Faz falta entender que não há uma vitória possível de uma facção sobre a outra. Teríamos que conseguir construir algum tipo de pacto, de acordo nacional que permita que a política volte a funcionar, para então pensarmos nisso.

Se esse governo pensasse que era preciso dirigir a economia em uma direção razoável, hoje em dia não teria a capacidade de fazê-lo porque o país está sancionado, a legalidade está em disputa, a Assembleia Nacional não vai acompanhar e não vai dar o manto da legalidade.

Já passamos um ponto em que ainda que quiséssemos, não há condições políticas, jurídicas, legais ou internacionais para que o governo sozinho possa recuperar o país.

Assim, você acredita que a iniciativa deve partir do governo?

Não quero que pareça que eu esteja dizendo ao governo o que fazer, porque sua oposição é tão obtusa e sectária como o próprio governo, mas se o presidente quer assumir uma posição de chefe de Estado, seria conveniente assumir tal postura e tentar construir esse pacto. (...) A classe política venezuelana deve demonstrar um pouco de desinteresse por si mesma.

Muita gente entende, como o senhor, que negociar é a melhor saída.

Lamento diferir a respeito. Quem concorda com isso? A comunidade internacional? O que fizeram para obrigar os líderes políticos venezuelanos a fazer coisas razoáveis?

Reconhecer Guaidó como presidente legítimo é um disparate absoluto. Vir a fragmentar o Estado venezuelano, incitar os militares venezuelanos a se rebelarem contra a autoridade, dividir o Exército, isso parece um manicômio. Alguém disse algo sensato na comunidade internacional além de um surto de disparates?

O governo dos EUA se alinhou em 30 de abril (quando Guaidó chamou um levante das Forças Armadas) em uma aventura completamente amadora que pôs em risco a paz do país. Houve uma cruzada internacional dizendo que o chavismo deveria desaparecer e isso é um erro grave que levou o país à violência.

Parece, portanto, muito difícil que isto se solucione com um acordo entre as partes.

Para pintar um panorama menos catastrófico: já não faz sentido falar de duas partes, Maduro e Guaidó. É uma simplificação, a política venezuelana está muito mais fragmentada. Há atores na oposição democráticos e razoáveis, com uma visão pragmática e sensata da sociedade e o mesmo dentro do chavismo.

É preciso construir os espaços para que esses setores se formem frente à crise. Isto é um estancamento em meio de uma crise de uma severidade muito grande. É muito diferente da polarização do passado com um país que funcionava. Hoje está paralisado e o que está paralisado acaba por estar desmoronando (...)

É preciso parar esta loucura de esperar Guaidó, Maduro e os atores internacionais, de achar que eles devem parar esta loucura e chegar a algum tipo de acordo venezuelano.

A tentativa de levantamento militar que fomentou a oposição e a posterior detenção de deputados opositores, fizeram com que esta solução pareça ainda mais longe?

Os atores políticos na Venezuela podem ser muito teimosos, mas a realidade é ainda mais. Em janeiro eu não poderia dizer aos Estados Unidos que estavam equivocados. Passados quatro meses aquele que disse em janeiro que bastava um reconhecimento internacional para uma mudança de regime já se equivocou.

Alguém que disse em janeiro, como Juan Guaidó, que estará pronto em Miraflores (palácio presidencial). Quanto é pronto? Até quando vamos esperar pacientes e sentados que se cumpram os desejos do senhor Guaidó enquanto o povo morre de fome?

Depois de 30 de abril, como não duvidar da capacidade de Leopoldo López e de Juan Guaidó para conduzir os destinos do país? Até quando vamos manter essa postura que a realidade demonstrou não ter sentido?

O governo dos EUA alega que havia pré-acordos com figuras do chavismo como o ministro de Defesa, Vladimir Padrino, para uma transição sem Maduro. Isso realmente ocorreu? O que pensa de tal estratégia?

Não é uma questão de pessoas, é um erro. É a tradição estadunidense que pensa que ganhando dois ou três generais e um juiz pode resolver o problema. E estão equivocados.

Não se tratar de chegar a um acordo entre alguns funcionários e o Departamento de Estado para que lhes retire as sanções. É um problema venezuelano do qual ‘deixamos para o dia seguinte’, assim como se garante que o ‘dia depois’ será viável.

Que concessões uma e outra parte deveriam fazer em um eventual acordo?

As que o mundo fazia antes de 2015 (antes das eleições legislativas ganhas pela oposição), as que temos de fazer para ter um funcionamento pleno das instituições venezuelanas, acabar com a fragmentação do Estado de que há duas assembleias, dois tribunais supremos.

É preciso voltar um pouco à razão, desistir de uma ideia de que quando uma instituição não me convém, invento a minha. Não são coisas inalcançáveis, nem especialmente originais.

Você disse anteriormente que os líderes deveriam deixar seus interesses de lado. Acredita que isso possa sair sem Maduro e sem Guaidó?

Em nenhum deles jaz a solução, nenhum deles é a solução porque são elementos polarizadores, com interesses na prolongação da polarização. Mas para ter um acordo efetivo é desejável que os diferentes setores, inclusive eles, formem parte de um eventual acordo.

Precisamos ver as coisas como um processo. Se queremos um acordo negociado, esses setores políticos devem começar a falar com quem queira de fato falar. Não podemos mais esperar que apenas Guaidó e Maduro se sentem em uma mesa.

Há setores dispostos e é preciso que demonstrem isso para a comunidade internacional e para ambos de que há uma realidade e uma base política e social.

Está claro que os EUA apoiam abertamente a Guaidó. Isso não seria um problema para que a oposição convença uma Força Armada cuja cúpula foi e é tão chavista?

Isso reflete um pouco o que este setor do Voluntad Popular (partido de Guaidó e Leopoldo López), seu pensamento, sua visão geopolítica do país. É lamentável que conheça tão mal a sociedade venezuelana e que pensem que um apoio tão abertamente exposto do governo dos Estados Unidos não vai gerar polêmica dentro da sociedade venezuelana e das Forças Armadas.

Mas não é um obstáculo infranqueável. Apesar de que haja influência geopolítica, nenhum desses atores decide sobre a crise venezuelana.

A realidade demonstrou que se o governo dos EUA decidira o que acontece na Venezuela, não estaríamos imersos nesta crise há 4 meses.

Se nós queremos resolver a crise, não creio que haja capacidade dos atores externos, a não ser que alguém fique louco e haja uma intervenção militar.

Não acredita que a intervenção militar seja um cenário possível?

Tudo indica que uma intervenção seria uma loucura do ponto de vista político, porque nada a justifica. Não existe uma ameaça a segurança nacional dos EUA para que haja uma mobilização de tropas.

Na sociedade estadunidense há uma corrente de opinião hostil a isso. Incluindo a própria base do presidente (Donald Trump) que seria contrária. Como explicar à base do presidente Trump que vão mandar jovens para morrer na Venezuela? Por que fariam isso?

Também do ponto de vista militar e estratégico, seria um desastre de escala maiúscula.

Tudo isso faz pensar que se quer manter a ameaça sobre a suposta ameaça. Algo muito ocidental, pensar que ameaçando os atores políticos dos países do sul tomarão posições mais brandas. E creio que no caso venezuelano o que acontecerá será justamente o contrário. Essa ameaça em países com um histórico de vítima do intervencionismo imperialista os faz parecer mais coerentes em sua teimosia.

Essa situação de empate, de confrontação constante, beneficia ou prejudica ao chavismo no futuro?

Em 2013 havia certos desafios manejáveis. E os desafios se agravaram com a queda dos preços do barril de petróleo em 2014. A gestão irracional da crise e o choque exógeno fizeram um dano terrível ao chavismo que o fez perder capital político e resultou no que vimos em 2015.

A isso somamos gestão política antidemocrática dessa sanção eleitoral com todas as decisões que desvirtuaram as instituições de 1999 (a nova Constituição impulsionada por Hugo Chávez).

Hoje há gente que teme dizer-se chavista porque o governo Maduro aspira monopolizar a etiqueta do chavismo (...) Foi um golpe duríssimo no próprio chavismo.

Voltando ao começo da entrevista, o senhor, que conhece bem o Maduro, acredita que ele esteja pensando o que nesse momento?

Eu não saberia dizer o que ele pensa. O conheci em um contexto muito distinto e faz muito tempo que não falo com ele. Muitos acreditam que seja difícil ele se manter e resistir no poder.

Em parte seu destino está nas suas próprias mãos. Deve entender que isto não é um tema pessoal. Não é importante o que pensa um ou outro, nem o que vai acontecer com um ou com outro. De alguma maneira o problema é que para resistir, é preciso ter algum objetivo. Para que resistir? O que estamos salvando? Deveria ser para preservar certas coisas, direitos sociais, conquistas econômicas, mas o problema é que a própria situação venezuelana se encarregou de destruir essas conquistas.

A melhor forma de recuperar algo das conquistas do passado é recuperando a capacidade do Estado de fazer política.

Nota da redação Correspondencia de Prensa

Temir Porras Ponceleón foi diretor de política internacional da Chancelaria da Republica, vice-ministro de Assuntos Estudantis no Ministério de Educação Superior, vice-Chanceler para a Europa, Ásia, Oriente Médio e Oceania; comissionado presidencial para Assuntos Estratégicos, secretário executivo do Fundo de Desenvolvimento Nacional (Fonden) e presidente do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (Bandes), cargos que o transformaram em um dos homens mais influentes do governo de Maduro, Graduado na Escola Nacional de Administração (ENA) da França.

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Daniel García Marco é editor da BBC News Mundo.
Publicado em espanhol no Correspondencia de Prensa e na BBC News Mundo.
Traduzido por Raphael Sanz, editor-adjunto do Correio da Cidadania.

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