Não é religião, é poder
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- Elaine Tavares
- 21/11/2019
A ideologia produzida pelos meios de comunicação de massa vai fazendo seu trabalho de engano. Durante muito tempo produziu a ideia de que a luta na Palestina tinha a ver com a religião, contrapondo judeus a muçulmanos, ou judeus aos árabes. Uma grande bobagem. O que está em jogo na Palestina é território, riqueza, poder. O Estado sionista, criado artificialmente depois da segunda grande guerra, busca “limpar” a área que não é dele para expandir seu poder e garantir que aquele território siga sendo a porta de entrada ao Oriente Médio. Uma porta aberta aos interesses imperialistas dos Estados Unidos. Quem atrapalha? Os palestinos, donos das terras, e que não têm simpatias pelo império. Fossem os palestinos católicos, adventistas, presbiterianos, umbandistas, qualquer coisa, e os sionistas - que são judeus, mas representam só uma parte deles – os estariam matando.
É claro que o poder instituído se vale da religião, usa os preceitos, os dogmas, os pré-conceitos religiosos para aprofundar o conflito, para incendiar, para provocar o ódio. Mas o que está em jogo ali não tem nada a ver com o “ser superior criador de todas as coisas”. O ser em questão é bem mais “baixo”, é o poder.
Agora, na América Latina temos visto o crescimento vertiginoso das chamadas igrejas neopentecostais, um fenômeno nascido nos Estados Unidos, com o estabelecimento das igrejas eletrônicas (cultos via televisão) já nos anos 1980 do século passado. Uma jogada de mestre do imperialismo para derrubar a influência da igreja de libertação que se expandia por toda Abya Yala. Era preciso barrar o crescimento de uma igreja vermelha, que pregava que a vida boa, justa e plena devia ser vivida aqui na terra e não no céu.
As novas igrejas que foram nascendo, e se fortalecendo a partir dos meios de massa, tinham outra teologia: era preciso clamar ao espírito santo para que os demônios do mundo fossem expulsos. E eram os demônios os que impediam que toda a gente pudesse ser próspera. Assim, a receita é simples: os pastores expulsam os demônios e a pessoa pode, enfim, prosperar. Logo, a pobreza, a miséria, a fome, a dependência química, o sofrimento psicológico não são causados pela maneira como a sociedade se organiza, com uns poucos amealhando toda a riqueza enquanto a maioria chafurda na miséria e na exploração. Não, tudo isso é culpa do demônio. A saída, então, é exorcizar. E isso pode ser feito se a pessoa contribuir. É a versão moderna da venda das indulgências que levou ao grande cisma da igreja medieval. E parece estar funcionando. Os crentes encontram conforto e os pastores enriquecem.
Isso nos leva de novo ao tema. Não se trata de religião. Trata-se de poder. Os novos “pastores”, assim como os papas de antigamente, tudo o que querem é garantir o seu poder, financeiro e de influência. Quem domina a massa, domina uma boa parte da realidade.
Agora, na América Latina temos visto as chamadas igrejas neopentecostais assumindo o controle da mente da maioria. E assim, em nome de deus e da bíblia, pessoas se arvoram em salvadores das pátrias, para o bem ou para o mal. No Haiti, a maior liderança da oposição é um religioso dessa cepa, no Brasil temos o “papa” ou “Salomão redivivo” que é Edir Macedo, controlando mentes e corações via igreja e televisão. E na Bolívia acabamos de ver um golpe de Estado sendo dado com os assassinos carregando a bíblia e clamando por deus. Os Estados Unidos, desde sempre, invadem outros países no mundo em nome de deus. Ora, isso é um blefe. Não tem nada a ver com religião. Tem a ver com o poder.
Os seres humanos, quando não conseguem compreender a realidade na sua totalidade, tendem a criar explicações para os seus dramas e sofrimentos. A religião nasce daí. E, ao longo dos tempos, vem servindo a todos os interesses escusos. Quem pode esquecer a Igreja Católica medieval queimando gente para não ver seu poder se esfumaçar?
Diante do medo, da desesperança, do não-sabido, as pessoas se agarram a qualquer tábua de salvação. E o fazem na boa fé. Tanto que muitos realmente se salvam. Portanto, o problema não está na religião em si, mas sim no uso que seus dirigentes fazem para garantir poder.
Portanto, devemos perguntar: que interesses defendem os bispos das novas igrejas que surgem como gafanhotos famintos no seio das massas? Em que projetos seus representantes votam, para além das bobagens morais? Estão do lado dos trabalhadores ou dos empresários?
A questão não é garantir que menino vista azul e menina vista rosa, mas quem vai se apossar dos minérios, do petróleo, das terras. Os bispos que estão aí disputando cadeiras no legislativo e no executivo não querem encher a terra com as graças de deus. Querem encher seus cofres e garantir que o capitalismo siga firme, com poucos vivendo à larga e a maioria penando sob intensa exploração. Quanto mais vale de lágrimas, mais fiéis para as igrejas.
A religião sempre foi um instrumento usado pelos poderosos na luta de classes. Manter o demônio como vilão é sempre muito mais seguro. Já desvelar o “diabólico” capitalismo predador, nem pensar.
Por isso, quando nos deparamos com esses “novos” líderes, que andam com a bíblia na mão, há que ter cuidado. Não são eles os sacerdotes da religiosidade que ampara, que liberta, que busca o amor universal, a solidariedade, a cooperação. Não. Eles são apenas negociantes da fé em busca de poder. E as igrejas que não estão comprometidas com a completa destruição do vale de lágrimas causado pelo capitalismo, não são igrejas, são empresas, negócios, business. Temos de chamá-las por seus verdadeiros nomes.
O Jesus, que, em tese, deveria ser o mestre de todos esses enganadores, já dizia: “eu vim pôr fogo ao mundo e hei de preservá-lo até que arda”. Ele queria destruir o modo de vida que causava tanta dor e sofrimento aos seres humanos naqueles dias de escravidão. E construir uma vida nova. Jesus sabia das coisas, pensava no coletivo. Já esses que falam em seu nome, só querem se dar bem. Nada sabem de Jesus ou de deus, só sabem de poder.
Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC.