Correio da Cidadania

Andrónico Ledesma: “governo boliviano usa Justiça e mídia contra Arce e o MAS”

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Andrónico Rodríguez Ledesma, candidato ao Senado pelo Movimento Ao Socialismo (MAS) e líder das Federações Cocaleiras do Trópico de Cochabamba

“O governo da senhora Jeanine Áñez está utilizando mentiras na Justiça e na mídia para incriminar o Movimento Ao Socialismo (MAS) buscando impedir a provável vitória de Luis Arce e David Choquehuanca à presidência da Bolívia”, afirmou Andrónico Rodríguez Ledesma, candidato ao Senado pelo partido de Evo Morales e uma das principais lideranças sindicais do país andino.

Em entrevista exclusiva, o vice-presidente das Seis Federações Cocaleiras do Trópico de Cochabamba apontou uma sequência de abusos e atropelos frisando que ele próprio tem na sua conta “cinco ou seis processos penais por sedição, terrorismo, atentado à vida, à saúde, sem qualquer base legal ou jurídica”.

“Tudo vem digitado do Ministério de Governo pelo senhor Arturo Murillo”, alertou.

De maneira didática e enfática, Andrónico destacou como o governo Áñez está transformando o país em um narcoestado e denunciou como é histórica a vinculação estadunidense com a oligarquia local. Em um momento de tanta dor para a Bolívia e o mundo, o dirigente frisou a tragédia que tem sido os últimos meses de avanço de coronavírus com um governo caracterizado pela corrupção “em que se compram respiradores superfaturados e agentes químicos para reprimir o povo ao invés de medicamentos para combater a pandemia”.

A seguir, veja a entrevista em vídeo (em espanhol) e leia sua tradução para o português.

 

ComunicaSul: A presidente interina, Jeanine Áñez, se jacta de haver pacificado o país, mas em novembro vimos acontecer dois massacres, de Sacaba e Senkata, e hoje há lideranças populares perseguidas, assassinadas e exiladas. Você, inclusive, está passando por um momento de muita preocupação com sua segurança. O que está acontecendo na Bolívia?

Andrónico Rodriguez Ledesma: Muito obrigado, um saludo para toda a audiência desde o Trópico de Cochabamba.

Em novembro do ano passado o que aconteceu foi precisamente, como a opinião pública em nível internacional já sabe, um golpe de Estado. Rompeu-se a ordem constitucional, foi usurpado o cargo da presidência e assim foi tomada a administração do Estado pela força, com muita violência. A partir daquele momento, aferraram-se todos os grupos da extrema direita da Bolívia e, obviamente para conservar o poder tomado pela força, tiveram que destilar toda sua raiva através das forças armadas e policiais quando, de maneira pacífica as manifestações desciam de El Alto para a cidade de La Paz, ou de Sacaba para Cochabamba. Assim fizeram barreiras com blindados, escudos e armas de fogo contra o movimento camponês que não tinha absolutamente nenhuma arma, ao contrário do que eles alegam. Isso é totalmente falso.

Eles contam com um aparato de comunicação e usam um cerco midiático impressionante que, com muita facilidade, fez com que a comunidade internacional acreditasse que entre nós havíamos nos matado. Como podem pensar que nós, entre companheiros, íamos atirar a assassinar a nós mesmos? Isso é inconcebível. Então, temos amostras claras, inclusive o ACNUDH (Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos) verificou nos lugares dos fatos, de onde os tiroteios deixaram sequelas. Além de gerar os mortos e feridos, há casas e construções, postos de gasolina e outras estruturas de serviços que acabaram destruídas.

Estamos passando momentos muito difíceis desde o golpe e, a partir de janeiro chegou a pandemia. No meio de março declaram quarentena total e emergência sanitária, e na pratica nos confinam em um Estado de Sítio. É um mal invisível que assalta o mundo inteiro, não só a Bolívia, nós sabemos, mas aqui tivemos o azar de que a um governo interino tocou administrar essa crise sanitária em um momento tão delicado.

Declaram quarentena total, declaram emergência sanitária, o governo vem e coloca milhares de policiais nas ruas ameaçando o povo para que não saia de dentro de casa. Nas cidades obrigaram as pessoas a não saírem de dentro das casas nos primeiros dias de quarentena. Então nós, obviamente, optamos também pelo caminho de primeiro a vida, a saúde, com toda a responsabilidade que corresponde para cuidar da saúde pública. Mas o que acontece? Teve a primeira quarentena de quase 15 dias, depois mais 15, e mais 15, e assim vamos passando os meses de março, abril e maio, suspendem as eleições, e chegamos a junho com os casos de contágio da pandemia subindo de maneira exorbitante, igual que os falecidos. Então nós avaliamos que não serve para nada estarmos em quarentena enquanto esse governo não faz absolutamente nada.

Vemos denúncias de médicos de que faltam luvas, máscaras e todo tipo de Equipamentos de Proteção Individual (EPI). O governo os está guardando porque a presidenta, a senhora Áñéz, suposta presidenta transitória e finalmente candidata, não sabe o que está fazendo: se está governando de maneira transitória ou se está fazendo campanha política como candidata. Dessa forma não chegam ajudas de qualidade, nem as doações estrangeiras, tanto em dinheiro como em materiais. Não chegaram a áreas rurais de nenhuma maneira. A que hospitais estarão distribuindo os EPIs? Vemos que falharam com essa situação, com o péssimo manejo da crise sanitária, e por isso pedimos a flexibilização da quarentena e que o governo apresentasse um plano de contingência em parceria com os governos municipais e departamentais [estaduais].

Estivemos propondo diversas questões e tudo o que vemos é eles atacando o presidente Evo Morales, atacando o MAS (Movimento Ao Socialismo), os candidatos. Eu mesmo tenho agora na minha conta cinco ou seis processos penais. Por sedição, terrorismo, atentado à vida, à saúde, uma infinidade de processos que não têm qualquer base legal, nenhuma condição jurídica. Tudo vem digitado do Ministério de Governo pelo senhor Murillo [Arturo Murillo, empresário e político de Cochabamba, atual Ministro de Governo].

Lamentavelmente a Justiça se acomodou com o atual poder e está atuando em seu campo de batalha jurídica, na perseguição sistemática que os dirigentes do MAS estão enfrentando cotidianamente através dos vice-ministérios de Justiça e Transparência, de alguns juízes e fiscais. E até o momento, com tantos meses de governo, a única coisa que mostraram na prática é seu ódio, seu racismo, sua discriminação e seu discurso que se serve basicamente de culpar o presidente Evo Morales e o MAS por todos os males que acontecem.

Imagine: compram 500 respiradores; e de primeira chegam 170. Há um superfaturamento exorbitante e sequer eram respiradores adequados. Quando a comissão averigua isto, resulta que havia ventiladores e máquinas de reanimação para os pacientes que estão a ponto de falecer ou perdem sinais vitais. E o pior é que esses aparelhos não servem para a covid-19, mas vemos um investimento milionário nisto, no qual uma porcentagem maior que a metade esteve nas mãos de intermediários. E em várias compras públicas também tiveram semelhante condução impressionante por esses senhores que, para se justificarem, culpam seus adversários políticos.

Nesta compra de respiradores estão acusados Evo Morales, Gabriela Montaño [médica, ex senadora e Ministra da Saúde, do MAS] e Carlos Romero [advogado, ex senador e Ministro de Governo, do MAS] e outras pessoas. Estamos envolvidos na acusação da suposta compra de respiradores. Imagine que nesse outro processo também nos colocaram. Mas o que vemos é que eles são os que compram equipamentos superfaturados, compram agentes químicos para reprimir o povo ao invés de medicamentos para a pandemia. A verdade é que este governo interino está péssimo. Nada está indo bem. Entre seus aliados há questionamentos e críticas de maneira incessante. Entre eles estão praticamente o tempo todo julgando-se, criticando-se, culpando-se, condenando-se, processando-se. Sabem que o governo está mal. Deputados e senadores começam a arremeter contra a senhora Áñez.

A Bolívia está lamentavelmente vivendo esta péssima gestão da crise sanitária e a perseguição sistemática da oposição, com a qual estão calando juridicamente a dirigentes populares. Mas seguimos em pé, lutando. O que queremos é que a democracia e o Estado de Direito retornem ao país e que possamos definir nossas diferenças nas urnas. Mas o governo suspende sucessivamente as eleições e depois coloca a culpa no Tribunal Supremo Eleitoral (TSE). Assim os picos mais altos da pandemia ocorreram em função das datas das eleições. Primeiro nos disseram que em maio seria o pico mais alto, depois em agosto, depois em setembro, agora em outubro, e assim da maneira mais cínica possível vão passando a perna no povo boliviano sobre o tema da suspensão das eleições.

ComunicaSul: Recentemente o Pacto de Unidade [integrado pela Confederação de Camponeses, Confederação de Mulheres Bartolina Sisa, Confederação Sindicalista de Comunidades Interculturais e Confederação de Povos Indígenas] e a Central Operária Boliviana (COB) paralisaram o país em uma série de manifestações e bloqueios de estradas que garantiram as eleições até o dia 18 de outubro, como ‘data limite’. O governo argumenta que isso já estava decidido e que os bloqueios e paralisações foram os responsáveis pela morte de 40 pessoas que não teriam tido acesso aos medicamentos. O que comenta sobre isso? O que há de verdade e de mentira por trás do discurso de Áñez?

Andrónico Rodríguez: Quando conhecemos publicamente o terceiro adiamento, de maneira unilateral e arbitrária por parte do órgão eleitoral, o povo de maneira espontânea começou a protestar. No Trópico de Cochabamba anunciamos que íamos imediatamente ao TSE em um prazo de 72 horas. Sendo eleições extraordinárias, por regime especial, os órgãos eleitorais não podem suspendê-las com uma resolução. Então a Central Operária e outras organizações em nível nacional declararam um prazo não cumprido para as eleições e, portanto, se decretou mobilização nacional.

Estivemos mobilizados todos esses dias, há pouco levantamos os bloqueios e agora entramos em um período intermediário, o que não significa que os bloqueios acabaram e pronto, está tudo tranquilo e terminou. Vamos para o quarto adiamento do pleito, o que significa que em qualquer nível nacional podemos nos mobilizar e reativar esse bloqueio de estradas e direções em todo o país porque não há mais confiança nem credibilidade nesse governo.

E em meio a tudo isso, identificamos que o TSE não tinha orçamento para levar as eleições adiante. Com estas mobilizações e bloqueios gerais, também identificamos que sim, faltavam medicamentos nos hospitais. O que já sabíamos que acontecia quando antes das mobilizações já se reivindicava o oxigênio que nunca chegava aos hospitais. Inclusive a importação de oxigênio de outros países, de oxigênio líquido, foi emitida através de um decreto recém saído, no final do mês de julho. Então quando o dia das mobilizações nacionais estava iniciando, o decreto recém estava em pé. Imagine se isso não está muito bem calculado.

Eles argumentam que por conta dos bloqueios algumas pessoas faleceram, o que é totalmente falso. Culpar os dirigentes da oposição virou prática comum desse governo. No entanto, do total de falecidos, eu diria que um 40-50% é responsabilidade do próprio governo, são mortes que poderiam ter sido evitadas. Morreram por falta de assistência médica, de instrumentos e equipamentos de proteção individual. Não faleceram apenas pacientes, senão também médicos. O discurso oficial é totalmente falso, e o vemos como uma franca afronta e provocação do governo aos movimentos sociais. Eles dizem ser justos e transparentes, e culpam os dirigentes que mobilizaram os bloqueios por tudo – tudo está fora de lugar, é uma franca provocação, repito, que pode vir a gerar uma nova convulsão ou instabilidade em nosso país.

ComunicaSul: Numa entrevista sobre sua formação política-ideológica, você disse se referenciar muito na luta de seu pai como produtor rural e liderança cocaleira, e que trazia presente a repressão estadunidense na região. Contou de ter visto soldados ianques falando inglês com seus rifles e óculos escuros comandando a polícia e militares bolivianos. Qual sua avaliação dos cerca de 14 anos do governo Evo, do resgate da soberania nacional, do investimento na segurança pública e do combate ao narcotráfico? E como vês a denúncia de que o governo Áñez poderia estar convertendo o país em um narcoestado, como nos apontou recentemente Luis Arce?

Andrónico Rodríguez: No ano de 1997 nos governava Hugo Banzer, um dos ditadores mais criminosos e sangrentos que nosso país já teve, e seu vice-presidente Tuto Quiroga, atualmente candidato à presidência. Anos difíceis. Chegamos a 2001 quando falece o ditador e assume o vice. Recordo quando em 2000-2001 na região do Trópico de Cochabamba executavam o “Plano Dignidade”, que os Estados Unidos propuseram para o país, como os programas neoliberais que apresentaram de maneira muito aberta, como se fosse tudo normal e natural. O “Plano Dignidade” significava coca zero e cocaleiro zero. [Consistia na erradicação de toda a plantação de coca da região do Chapare, no centro da Bolívia. Lembrando que o mastigado de coca é um costume ancestral das culturas indígenas andinas, com fins medicinas e sociais que ajuda a mitigar a falta de oxigênio em altitudes elevadas].

Não importava quantos cocaleiros falecessem, não importava os direitos humanos, não importava a vida, só importava que os Estados Unidos lhes desse um certificado de bom aluno, de bom governo, e que a ajuda - milhões de dólares - através da Usaid (Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional) e da DEA (Administração de Fiscalização de Drogas) seguisse chegando. Dinheiro não precisamente para a luta contra o narcotráfico, mas para outros assuntos que sabiam perfeitamente como direcionar. Em malas e malas de dinheiro, Carlos Mesa sabia perfeitamente a que se referiam os gastos reservados à ajuda internacional que chegava e no que que realmente foram invertidos.

Então o tema de fundo não era a luta contra o narcotráfico, obviamente. Eu vi de perto os gringos que caminhavam praticamente por todo o setor do Trópico de Cochabamba, todos os dias em 2001 e 2002, como num filme incrível: helicópteros pelo ar, militares por terras, como se exibiam todos os dias aterrorizando o povo, as pessoas que estavam passeando, sem respeitar minimamente a intimidade, a privacidade de ninguém.

Foi uma total violação dos direitos humanos, uma completa falta de respeito à vida. Assassinaram, mataram gente aqui e ali, quando a repressão significava meter bala. Há os apontamentos nos jornais deste tempo, de como na gestão de Jorge Quiroga se registravam mais de 30 mil hectares de coca somente no Trópico de Cochabamba. Agora, com a Lei Geral de Coca, existem apenas sete mil hectares, imagine-se a diferença. Não sei que luta contra o narcotráfico eles mostravam para a comunidade internacional, só sei que havia mais coca naquele tempo e mais narcotráfico também, sem dúvida.

Desde este tempo o movimento camponês do Trópico de Cochabamba vem lutando, brigando. Em 2003 termina sua gestão Sánchez de Lozada, o presidente gringo [após liderar o assassinato de mais de 60 manifestantes] que mal falava o espanhol. Ele governava com todo o apoio dos partidos tradicionais, os mesmos que agora estão novamente como candidatos. Seu único programa, assumido de forma escancarada, era colocar todos os recursos naturais e empresas estratégicas do Estado em mãos privadas. Entre negociata com estatais, estavam concretizando a venda do gás para o Chile e os Estados Unidos.

Isso tudo começou a gerar uma revolta social, uma revolução social para pedir e impedir que não somente se anulasse esses contratos em favor dos estrangeiros, mas também para reivindicar Assembleia Constituinte, educação, respeito à vida, direitos humanos. Para cobrar que a inclusão do movimento indígena, das nações e povos indígenas fosse tangível, saísse do discurso e colocado em prática. Fica acertado entre todos os bolivianos, e há uma forte pressão, para que se possa conquistar a Constituinte já em 2004. Da mesma forma, entra em pauta a nacionalização dos hidrocarbonetos.

O irmão Evo Morales nunca teve a intenção de ser presidente. Ele sempre disse: se Carlos Mesa [que era vice de Sánchez de Losada e assumiu quando este fugiu para os Estados Unidos] tivesse feito tudo o que pedíamos, nunca teria sido presidente. Claro, eles nunca deram atenção às verdadeiras demandas do povo e por isso se construiu a liderança do presidente Evo Morales. Depois da renúncia do senhor Mesa, assume como presidente, em março de 2005, o senhor Eduardo Rodríguez Veltzé, ex-presidente da Corte Suprema de Justiça. Ganhamos as eleições de 18 de dezembro e Evo assume em 22 de janeiro de 2006 como primeiro presidente indígena da República.

No dia Primeiro de Maio deste mesmo ano nacionalizamos os hidrocarbonetos e a partir daí começa a mudança da economia do país. Paralelamente se anuncia a convocatória da Assembleia Constituinte, até que conseguimos aprovar a reconstrução política do Estado e em 2009 se convocam as eleições, já com o Estado Plurinacional da Bolívia. Assim começam as mudanças de maneira contundente com investimentos em infraestrutura e a construção de mais de 10 mil estabelecimentos de ensino, hospitais e postos de saúde, campos desportivos, indústrias, metrô.

Até então havíamos encontrado um país completamente instável. Recordo que toda semana nossos professores davam aulas segunda, terça e quarta e que na quinta e sexta-feira já tinham que se mobilizar para cobrar o pagamento dos salários, do décimo terceiro, de direitos.

Recordo quando eu, adolescente, vi o presidente Evo Morales assumir. Na escola, lembro como as pessoas reagiam na posse, como o presidente se apresentava e como as pessoas se identificavam, derramavam lágrimas. Cresci no meio deste processo de total transformação e desenvolvimento. Talvez muitos jovens, pelo fato da estabilidade social, política e econômica, da maior acessibilidade e facilidade, tenham ficado um pouco adormecidos e tranquilos. Muitos pensamos que toda a vida seria assim e, de repente, chega o golpe e agora quem mais sofre é a juventude. Chega o desemprego, multiplicam-se as demissões pela má condução da crise sanitária, pequenas e médias empresas são fechadas em massa, não há aulas nem em escolas nem universidades, a saúde está totalmente largada nas áreas rurais onde não chegou uma única máscara para prevenção do coronavírus.

No Trópico de Cochabamba tínhamos que ter inaugurado em janeiro deste ano o hospital de terceiro nível com todos os equipamentos e materiais e, até agora, nada foi concretizado. Dois hospitais de segundo nível tinham que estar funcionando e se encontram totalmente paralisados. [Hospitais de segundo nível são estruturas médias que contam com salas de cirurgia e especialidades como ginecologia e obstetrícia, cirurgia geral e pediatria, que atendem 24 horas nos 365 dias do ano; e os de terceiro nível, são hospitais e institutos de maior capacidade e que também funcionam sem parar]. Então a saúde e a educação foram abandonadas.

O ministro de Governo, Arturo Murillo, supostamente declarou guerra ao narcotráfico, mas resulta que um funcionário narco apareceu no Ministério, que narcojatos decolam de aeroportos oficiais, que há familiares da senhora Áñez envolvidos. O presidente Evo Morales identificou que estavam muito, mas muito mesmo, envolvidos no tema do narcotráfico.

Outra questão a ser levada em conta é que o narcotráfico não existe somente no Trópico de Cochabamba, mas no mundo todo. Querem concentrar a luta, reduzi-la, apenas ao nosso país, o que é totalmente falso. Há certos conluios ou conversações, e quem diz isso não sou eu, diz o senhor [Luis Felipe] Dorado, que é deputado da direita, ou o senhor Camacho, que encabeçou o movimento “Cívico”. E muitos expressaram: “bom, olhem... antes pelo menos, na gestão de Evo, jatinhos saiam de maneira clandestina, agora é de forma escancarada”. O deputado Dorado declarou que “agora este governo possui não sei que tipo de acordos, não sei que conversações ou negócios com os narcotraficantes”. Parece, de verdade, que estão transformando o país em um narcoestado. Então, imaginem, em tão pouco tempo, da noite para o dia, tudo mudou.

Empresas industriais como a planta separadora de líquidos (da Yacimientos Petroliferos Fiscales Bolivianos, a estatal petrolífera); a planta nuclear de cloreto de potássio, muitas empresas gigantes foram paralisadas simplesmente porque querem prejudicar o presidente Evo Morales com ilações sobre elas. Assim está a situação do nosso país e nos dói muito, mas estamos esperançosos e lutando para recuperar a democracia para o povo.

ComunicaSul: Como vês a importância da presença da imprensa e dos organismos internacionais no acompanhamento do processo eleitoral?

Andrónico Rodríguez: Eu quero realmente expressar minha felicitação à imprensa internacional e ao conjunto de organismos, agradecer-lhes seu trabalho na Bolívia, ao acompanhamento sobre o que se passa no nosso país. Isso tem muito a contribuir para que os bolivianos e a própria comunidade possam compreender sobre o que está se passando.

Não há dúvida de que o governo Áñez conseguiu romper a ordem constitucional com um cerco midiático impressionante. Foi algo construído cada segundo em que transmitiram fatos sem qualquer relevância, quando uma pessoa bloqueava uma rua era notícia nacional, quando duas ou três pessoas iam nas portas dos quartéis virava manchete. Por meio da mídia nacional começaram a inculcar uma mensagem anti-Evo de maneira assombrosa, interferindo na formação da opinião pública, mudando a posição de muita gente, principalmente da classe média.

Felizmente, muitos meios internacionais vieram até a Bolívia para ver o que estava acontecendo e mostrar a verdade, denunciando o que se passa. Também solicitamos a presença de organismos internacionais ligados a direitos humanos, como o Alto Comissariado das Nações Unidas.

Precisamos que a verdade seja conhecida e transmitida, que todos saibam o que está se passando e que parem de mentir para o mundo todo. Quando perguntavam à senhora Áñez sobre a situação política, eleitoral ou de direitos humanos na Bolívia, ela dizia: “tudo bem, tudo tranquilo, vamos realizar as eleições com carinho e alegria em 6 de setembro”. Se comprometeu com a data, a mídia reproduziu e logo depois ela alterou o calendário eleitoral novamente.

Por isso nos antecipamos e advertimos que, conforme já havia feito, o governo muito provavelmente modificaria a data das eleições. É graças à imprensa internacional que várias coisas têm vindo à tona, têm se sabido, pois a nível local se tem silenciado. Então agradecemos a mídias como vocês, e às redes sociais que são meios de comunicação populares que nos trazem informações.

Agora o que pedimos é que os organismos internacionais continuem dando acompanhamento e informando, para pressionar que se faça justiça e paguem pelos crimes de lesa-Humanidade. Temos o compromisso de uma visita do Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas no mês de setembro pois é indispensável que funcionários, ministros e a senhora Áñez sejam devidamente enquadrados em um processo legal de acusação.

ComunicaSul: Uma mensagem para os eleitores e eleitoras bolivianos que votam no Brasil e na Argentina.

Andrónico Rodríguez: Em primeiro lugar o meu respeito, minha felicitação e admiração aos bolivianos que vivem no exterior, seja no Brasil, Argentina, Espanha, Estados Unidos, Itália, Suécia, todos muito preocupados pela situação do nosso país e pela crise política, social e sanitária.

A única coisa que nos resta é somar força, unidade, e fazer novamente a diferença enquanto movimento popular, operário, camponês, classe média, juntando a todos para que no marco de um amplo movimento político consigamos resolver nossas diferenças nas urnas para recuperar a democracia.

Muitos desses irmãos que estão fora os conheço por acompanharem o processo de golpe. Alguns estão organizados em pequenas comunidades bolivianas. Então, se estão registrados para votar não somente devem ir às urnas, mas fiscalizar, exercer o controle territorial, porque sua participação no exterior pode vir a definir o destino da Bolívia. Hora de unidade e consciência, de transmitir muita força, segurança e esperança aos nossos familiares para que sigam em frente.

Com o compromisso e a convicção democrática em uma Bolívia para todos, derrotaremos a extrema direita que aposta nos grupos armados, como fez em novembro de 2019. O movimento social e popular está com as candidaturas de Luis Arce e David Choquehuanca à presidência e à vice pois são nomes que não só conhecem bastante da administração do Estado, como já demonstraram seu profundo vínculo com o desenvolvimento e o progresso. A unidade é a arma letal contra o retrocesso. Continuemos mobilizados enquanto exista discriminação, violência e violação aos direitos humanos. Venceremos!


Leonardo Wexell Severo e Vanessa Martina Silva são jornalistas da Hora do Povo e Diálogos do Sul, respectivamente; Nicolás Honigesz é jornalista da Central Obrera Autónoma (Argentina); Raphael Sanz é jornalista e editor-adjunto do Correio da Cidadania. Os profissionais e seus meios de comunicação compõem o portal ComunicaSul.

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