Como as colombianas descriminalizaram o aborto
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- Gabriela Leite, Outras Palavras
- 24/02/2022
Foto: Reprodução / Brasil de Fato
Por 5 votos a 4, a Corte Constitucional decidiu em 21/2 que mais nenhuma colombiana será criminalizada por realizar um aborto até a 24ª semana de gestação. É uma grande vitória do movimento feminista, conquistada com persistência e habilidade política. O último passo, que levou a vitória, foi uma ação do grupo Causa Justa, que contestou no tribunal a constitucionalidade da proibição de interromper a gravidez.
Em 2006, a corte já havia decidido descriminalizar o aborto em situações em que a vida ou a saúde (física ou mental) da mulher estivesse em perigo, quando a gravidez fosse resultado de estupro ou incesto ou quando uma má formação fetal tornasse a vida fora do útero inviável. Mas o Causa Justa argumentou, mais recentemente, que os entraves e a criminalização dos demais casos causavam tantos problemas às mulheres, que elas acabavam tendo seu direito negado. Em especial aquelas em zonas rurais, as mais pobres e as que vivem em regiões de conflito armado. Na Colômbia, cerca de 400 mulheres eram condenadas por ano, pela interrupção da gravidez.
Assim como o Brasil, a Colômbia é um país de forte conservadorismo e tradição católica. Embora 82% da população apoie o aborto em casos específicos, apenas 26% o apoiam irrestritamente. Por isso, já em 2006, Mónica Roa, advogada colombiana importante para a causa, percebeu que o caminho mais fácil para a conquista do direito à interrupção da gravidez não seria pelo congresso, mas pela justiça. Uma ótima reportagem do El País conta a história: Mónica foi figura importante para o primeiro passo, de permitir que o aborto fosse feito em situações especiais. Uma outra ativista, a professora Florence Thomas, teve grande influência para a total descriminalização, aprovada anteontem. Ela conta que a mudança de mentalidade é recente: “As pessoas abandonavam minhas palestras quando comecei a falar sobre aborto”. Seu papel como professora na Universidade Nacional, e sobretudo como liderança no movimento Mesa pela vida e pela saúde das mulheres, foi decisivo.
Mas a vitória não se deu apenas nos tribunais. Inicialmente, a Corte tinha prazo até 19 de novembro de 2021 para tomar a decisão, mas o processo arrastou-se por problemas internos. “Desde então, ativistas saem às ruas praticamente todas as semanas para acenar com lenços verdes com os slogans #CorteEsUrgente e #CorteBastaYa para exigir uma definição em favor dos direitos das mulheres, meninas e adolescentes”, relata o jornal uruguaio La Diaria. Mas a ação não se restringiu a grupos de ativistas. Artistas, líderes de opinião e políticos aderiram ao movimento pró-escolha e o tornaram um espaço mais diversificado. Os pañuelos verdes viraram símbolo da luta pelo aborto legal na Argentina e a luta feminista tem se espalhado pelo continente – teve, inclusive, grande influência nas eleições chilenas. Em menos de dois anos, a Colômbia é o terceiro país latino-americano – depois da Argentina e do México – a despenalizar a interrupção da gravidez. É o maior país da América do Sul a conquistar o direito. Além destes, o aborto não é crime no Uruguai e na Guiana.
“Os processos de mudança social são apenas isso, processos”, reflete Mónica Roa em entrevista ao El País. “Eles não acontecem da noite para o dia. Uma coisa é convencer a maioria dos juízes da Corte Constitucional e outra é remover os obstáculos institucionais e culturais do setor de saúde, educação, serviço público e todos aqueles que são relevantes para que todas as mulheres que precisam de um aborto conheçam seus direitos e possam exercê-los de maneira digna e oportuna.” Suas palavras servem de alento e força aos movimentos feministas brasileiros, num dos momentos políticos mais complexos de sua história – em que é preciso lutar inclusive para conter os retrocessos nos direitos das mulheres.
Artigo originalmente publicado no Outras Palavras / Outra Saúde em 23 de fevereiro de 2022.
Gabriela Leite é editora, designer e produtora audiovisual do Outras Palavras.