Correio da Cidadania

Colômbia: Governo Duque descumpre Acordos de Paz de 2016 e mantém 300 presos políticos

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Foto: Liliany Obando Villota, socióloga colombiana e defensora dos Direitos Humanos.

Passados quase seis anos da assinatura dos Acordos de Paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército do Povo (FARC-EP), em setembro de 2016, em Havana, o presidente Iván Duque continua mantendo 300 ex-combatentes privados de liberdade, denuncia a socióloga e defensora de direitos humanos, Liliany Obando Villota.

Na prática, assinalou, “a lei 1820, de 2016, de Anistia e Indulto, da qual foi beneficiado um grupo importante de ex-combatentes, bem como alguns terceiros e colaboradores no marco do conflito armado, não cobriu sua totalidade, o que faz com que permaneçam prisioneiros e prisioneiras”.

O governo colombiano tenta fugir do acordado, esclareceu a socióloga, “se apegando em algumas questões para tentar justificar a não liberação, revisando as listas e dizendo que pertenciam à organização no momento da captura, mas estavam delinquindo por questões individuais, fazendo de tudo para postergar”.

Liliany, que integra o Movimento Nacional Carcerário, unindo a luta dos “presos políticos e presos sociais”, defende os direitos humanos e a dignificação das condições das pessoas nas prisões e, também, das suas famílias. Ela conta que iniciou bem cedo sua militância política: “foi na Juventude Comunista e minha primeira tarefa foi visitar presos políticos, fazendo a relação com familiares e advogados. Essa relação com o ‘povo atrás das grades’ vem de longe, não me era alheia”, lembra.

“Quando vais para a militância política contra uma ditadura, contra um governo opressor, sabes que uma das possibilidades é ir parar na prisão. Fui presa na Operação Fênix, que violou a soberania do Equador e, de maneira ilegal, conseguiram os computadores de Raul Reyes, integrante do secretariado das FARC, assassinado na operação, e me vinculam a ele em um processo judicial. Ele era meu chefe direto. O bombardeio foi em primeiro de março de 2008 e me prenderam em 8 de agosto daquele mesmo ano”, relata.

À época, o ataque aéreo e terrestre ao território equatoriano desencadeou uma grave crise diplomática, fazendo com que Equador e Venezuela fechassem suas embaixadas em Bogotá, em protesto contra a agressão colombiana.

Doutrina e treinamento estadunidense

Questionada sobre a multiplicação das bases militares dos Estados Unidos em território colombiano, a socióloga recorda que “absolutamente todas as forças policiais e militares neste país têm doutrina e treinamento estadunidense”.

“A conformação dos grupos paramilitares e todas essas coisas que dizem respeito às técnicas de tortura vêm da Escola das Américas. O governo dos Estados Unidos está, portanto, sempre mais do que presente: se encontra desde a doutrina, o assessoramento e o apoio até o ensinamento prático de como formar grupos paramilitares. Isso precisa estar bastante claro”, frisa.

Ela própria pôde ver isso de perto e sentir na própria carne. “Inicialmente, estive presa cerca de quatro anos na penitenciária de Bom Pastor, em Bogotá, e saí com liberdade provisória porque, passados mais de três anos, eu ainda me encontrava sem sentença, o que era um abuso da prisão preventiva. Depois, fui detida em 2014, quando emitiram uma condenação por rebelião e me enquadram com um ‘falso positivo’ e me levaram aos antigos calabouços do Departamento Administrativo de Segurança (DAS), que depois precisaram fechar pelos inúmeros abusos aos direitos humanos”, conta.

A situação era tão bizarra — e macabra — que “do DAS não só saiam todas as ordens de prisão para as lideranças sociais, sindicais e políticas, como estava envolvido com torturas, assassinatos e magnicídios”, diz. Uma vez fechado, “naquelas celas funciona agora o Corpo Técnico de Inteligência (CTI)”.

Entre os temas neofascistas que envolvem a doutrina militar colombiana está o dos “falsos positivos”, que são as milhares de execuções extrajudiciais de civis nas mãos de soldados que, para cumprir meta de “produtividade”, colocavam uniforme de guerrilheiros em camponeses e gente do povo após assassiná-las.

“O alto número de ‘falsos positivos’ foi utilizado para dizer que as forças militares estavam ganhando a guerra, mas também servia para a progressão pessoal na carreira, ter ganhos e condecorações, premiações. Isso tudo enquanto se vendia a imagem de um Exército vencedor. É um tipo de guerra suja que eles não reconhecem abertamente, mas que era uma prática sistemática. Além disso, tinha a ver com o financiamento e a conformação de grupos paramilitares com um foco dirigido a assassinar lideranças sindicais, sociais ou políticas, com os nomes passados pelos financiadores”, acrescentou.

Situação degradante

A situação degradante em que estão as “pessoas por trás das grades”, assevera Liliany, à qual estão submetidos homens e mulheres, jovens e idosos nas prisões, torna imprescindível a existência do Movimento Nacional Carcerário.

“Na Colômbia é uma situação bastante séria e caótica e, não é segredo para ninguém, que violam profundamente os direitos das pessoas privadas de liberdade, independente das razões pelas quais estejam na prisão. Ali dentro, tanto os presos políticos como os presos sociais, que chegam pelo delito de pobreza, são jogados sem qualquer atenção.”

A socióloga analisa que “a questão da população carcerária sempre foi um tema desastroso: em primeiro lugar pelas condições físicas, mas também pelos abusos dos guardas penitenciários, que incluem torturas e maus tratos, a precariedade da alimentação, que já renderam inclusive denúncias de organismos internacionais”.

“Às vezes lhes entregam alimentos em estado de decomposição, desrespeitam horários, não levam em conta enfermos que necessitam uma dieta específica, e muitos deles acabam desenvolvendo e agravando doenças em função da má comida recebida. Há corrupção também na questão da alimentação. O Instituto Nacional Penitenciário e Carcerário é uma das instituições mais corruptas do país, fazendo com que a privação de liberdade seja um lucrativo negócio”, revela.

Mas se por um lado é um “comércio de vida” que enriquece uns poucos, diz, “é altamente custoso para quem está atrás das grades e para as suas famílias, diferentemente do que diz a lei, de que uma vez detido estaria sob a função social do Estado”.

Os números oficiais indicam que na Colômbia existem 138 estabelecimentos sob responsabilidade do Instituto Nacional Penitenciário e Carcerário (INPEC) e um número considerável de centros de detenção transitória e prisões regionais sob a responsabilidade de autoridades locais. Somente nas instalações de ordem nacional, se encontram detidas 124 mil pessoas, das quais 7,1% são mulheres e 92,9% são homens.

Corrupção atroz

“Nestas prisões não há trabalho, não há estudo, nem um sistema de saúde eficiente e as pessoas morrem por doenças de fácil tratamento. É preciso pagar por praticamente tudo: para que se entre um colchonete, um livro ou qualquer encomenda. A corrupção come a torto e a direito, é uma máfia”, denuncia.

Segundo a socióloga, “as prisões reproduzem a estratificação existente no lado de fora em que o dinheiro governa: há os com mais e os com menos recursos, e a corrupção garante mais ou menos privilégios”.

Para Liliany Obando Villota, o tema é extremamente sensível, pois diz respeito a todo o projeto de dominação. Por isso, avalia, “é que um dos únicos candidatos que mencionou abertamente o tema carcerário foi Gustavo Petro, defendendo que as prisões devam humanizar-se, e que é necessário levar educação e trabalho para dignificar a vida dos detentos”.

O Pacto Histórico se comprometeu em seu pronunciamento, enaltece a socióloga, “com formas de oportunidade e bem-estar que contribuam na construção de um pacto social igualitário de justiça, dignidade e paz. E que a implementação total dos Acordos de Paz deve ser um propósito fundamental e com ele oferecer as garantias para prisioneiros e prisioneiras políticas de recuperar sua liberdade no marco de sua dignidade”.

Na sua avaliação, “a sociedade colombiana é bastante violenta devido ao fato de uma oligarquia concentrar poder econômico e usurpar terras, desalojar camponeses e, com base na violência, tanto institucional como paramilitar, por meio de seus bandos de seguranças armados, proteger seus privilégios, direitos sobre aquilo que haviam despojado de forma ilegal. É desta forma que esta elite se mantém no poder, porque dispõe de toda um maquinário de violência a seu favor”.

Menos medo, mais entusiasmo

Na sua compreensão, “agora, pela primeira vez em muitos anos, a sociedade colombiana contesta, depois da assinatura dos Acordos de Havana. As pessoas perderam um pouco do medo e ganham entusiasmo”.

“A paralisação nacional de 2020 também foi muito importante para mostrar que há um despertar no inconformismo do povo e que as pessoas foram tomando uma posição política mais definida para a esquerda e para o centro. Há muita gente cansada de guerra e morte e que quer uma alternativa de transição política”, avalia.

“Como expressou o resultado eleitoral para o Congresso, apesar de toda a tentativa de fraude eleitoral, foram conquistadas pela esquerda e pelo centro mais cadeiras na Câmara e no Senado. São mantidos setores da direita, mas perde espaço essa extrema-direita que é tão assassina. Na questão presidencial, pela primeira vez as figuras de Gustavo Petro e Francia Márquez apontam para a possibilidade de mudanças na condução do país”, comemora.

Mas para a defensora de direitos humanos, apesar das pesquisas, “é preciso fazer uma leitura desapegada do triunfalismo, pois os que querem perpetuar-se no poder podem usar todo tipo de artimanhas: desde a fraude eleitoral, a compra de votos ou o próprio assassinato de Petro ou de Francia Márquez”. Afinal, “sabemos que quando a direita sente medo do povo, quando seu poder está sendo colocado em xeque, se põe violenta. E é isso o que estamos vendo na tentativa de elegerem Federico Gutiérrez”. Daí a importância da solidariedade internacional e da presença de observadores e jornalistas independentes, para que a justiça prevaleça”, conclui.

Leonardo Wexell Severo é jornalista, especialista em Relações Internacionais e colaborador do Correio da Cidadania.

 

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