Correio da Cidadania

Petro: “afastar prefeito por apoiar oposição colombiana é como um golpe de Estado em Medellín”

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Foto: Gustavo Petro em 2016, quando era prefeito de Bogotá. Créditos: Coronade03 / Commons WikiMedia

“Golpe de Estado em Medellín”, denunciou o líder oposicionista Gustavo Petro, candidato do Pacto Histórico que lidera a disputa à presidência da Colômbia, condenando o caráter “fascista” do afastamento do prefeito de Medellín, capital de Antioquia, Daniel Quintero, pela Procuradoria Geral da República na terça-feira à noite (10).

“Um promotor fascista já me suspendeu como gestor municipal e a sentença da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) foi contundente: um órgão administrativo não pode suspender os efeitos do voto cidadão”, sublinhou o economista, senador e candidato à presidência, Gustavo Petro.

Ao anunciar a suspensão provisória do administrador da segunda maior cidade colombiana pela divulgação de um vídeo de seis segundos, às vésperas do pleito presidencial de 29 de maio, a chefe do Ministério Público, Margarita Cabello, preconizou que “nenhum servidor público, do nível mais baixo ao mais alto, pode usar o cargo para participar das atividades de partidos e movimentos políticos”.

Além de Quintero, o prefeito de Ibagué, Andrés Fabián Hurtado, e outros dois funcionários, foram afastados pela “suposta e reiterada intervenção em atividades políticas e controvérsias”.

O crime cometido? Nas imagens pela qual o prefeito é sancionado, Quintero Calle, sentado ao volante de um carro, balança a palanca de mudanças e diz: “o câmbio” (que em espanhol também significa “mudança”), em seguida engata a primeira marcha e completa “en primera”, fazendo trocadilho com um slogan da campanha “Câmbio en primera”, que convoca os cidadãos a garantir a vitória de Petro no primeiro turno (primera vuelta, em espanhol).

Mas por que o rigor no uso e abuso da lei? Não tão casualmente, Cabello, que foi ministra da Justiça do atual mandatário do país, nomeou Juan Camilo Restrepo Gómez, indicado por ele, para governar a cidade de mais de dois milhões e meio de habitantes – e 1.743.526 eleitores – nestes momentos decisivos anteriores ao pleito.

Gustavo Petro afirmou que “a Procuradoria Geral da República não pode ignorar o mandato popular” e da mesma forma como fez ao denunciar o desaparecimento de mais de meio milhão de votos nas eleições parlamentares de março – em que uma vez constatada a fraude o Pacto Histórico ganhou mais quatro senadores -, o candidato conclamou os colombianos a estarem vigilantes e atentos para fazer valer a verdade e a justiça.

Afronta à democracia

Para a juíza federal brasileira Cláudia Dadico, “os fatos que envolvem a suspensão de Daniel Quintero afrontam a democracia ao menos de duas formas”. Em primeiro lugar, esclareceu, “por diminuir a amplitude da discussão pública sobre as atividades do Estado e os rumos de sua governança”.

“O debate sobre ações e omissões do Estado é um discurso especialmente protegido de acordo com os parâmetros internacionais de proteção dos direitos humanos. Essa proteção incide de forma ainda mais intensa nos contextos eleitorais, em que estão em debate no espaço de formação da opinião pública as propostas e plataformas dos candidatos a cargos públicos. Portanto, a proibição de manifestação política a servidores públicos, já representa, por si só, uma ofensa à liberdade de expressão, alicerce sobre o qual repousa o edifício das democracias liberais”, acrescentou.

Nesse sentido, ressaltou a integrante da Associação de Juízes para a Democracia (AJD), “o Marco Normativo da Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA) preconiza que, diante da maior proteção conferida ao discurso de conteúdo político o Estado deve se abster com maior rigor de estabelecer restrições a essas formas de expressão, e que as entidades e funcionários que fazem parte do Estado, bem como aqueles que aspiram a cargos públicos, em razão da natureza pública das funções que cumprem, devem ter uma margem maior de tolerância perante a crítica”.

“A segunda forma de ofensa à democracia que se verifica no caso em questão diz respeito à suspensão do exercício de cargo provido por força do voto”, pontua Cláudia Dadico, para quem qualquer impedimento – permanente ou temporário – ao exercício de mandato eletivo deve ser excepcionalíssimo nas democracias consolidadas, e somente admissível em casos muito bem definidos pela Constituição e pelas leis. Por isso, na opinião da juíza, “a suspensão do exercício do cargo de prefeito pelo simples fato de demonstrar apoio a candidato a outro cargo eletivo não poderia ser considerada uma causa idônea para desencadear tal efeito. Isso porque, os mandatos são exercidos por força da manifestação de vontade do povo. Todo e qualquer impedimento indevido a seu exercício representa uma afronta à vontade popular que é, não apenas um fundamento, mas a própria expressão e finalidade das democracias – permitir o governo do povo, pelo povo e para o povo”.

“A decisão de suspensão do Alcalde [prefeito] de Medellin, nesse sentido, afronta a democracia nessas duas dimensões: na plenitude da liberdade de expressão e na interferência indevida na expressão da vontade popular”, complementou Cláudia Dadico, que foi observadora internacional nas eleições da Venezuela.

Autoritarismo versus participação popular

Na avaliação do professor colombiano Mauricio Avilez Alvarez, doutor em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), “a medida demonstra o caráter frágil da construção democrática da Colômbia e a enorme tensão entre autoritarismo e participação popular”.

“No governo de Iván Duque, do qual Margarita Cabello foi ministra, ocorreu uma concentração excessiva de poderes no Executivo, aparelhando todas as demais estruturas e instituições”, acrescentou o ativista em direitos humanos.

Para Mauricio, “essa centralização abusiva fica mais do que evidente agora na sanção ao prefeito de Medellín pelo simples fato dele manifestar sua preferência à candidatura oposicionista”. Resumindo, frisou, “tentam impor um regime eleitoral genocida, contrário à busca da democracia e da paz”.

Segundo o reverendo Luis Fernando Sanmiguel, pastor da Igreja Comunidade Esperança, de Bogotá, a decisão atenta contra o processo de paz que se busca implementar no país. “Diante da destituição do prefeito de Medellín, as Comunidades de Fé e Espiritualidades condenamos qualquer tipo de violência política ou abuso de poder, porque geram indignação e descontentamento em nossa sociedade, aumentando o nível de violência na Colômbia”, apontou Sanmiguel. De acordo com o pastor, “politizar cargos públicos alterando a norma legal vigente gera demandas que acabam sendo cobertas com dinheiro que o país necessita em outras áreas para o seu desenvolvimento”.

Conforme denunciam inúmeros analistas, a procuradora construiu uma interpretação completamente seletiva dos fatos, agindo sem qualquer credibilidade, com ações frontalmente contrárias às forças oposicionistas, enquanto favorece abertamente partidos e lideranças de sua coligação com vistas a tentar dar continuidade ao desgoverno.



Leonardo Wexell Severo e Caio Teixeira são jornalistas e estão cobrindo as eleições presidenciais colombianas do próximo dia 29 de maio pelo coletivo ComunicaSul.

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