Correio da Cidadania

Dona Blanca Díaz, o assassinato de Irina e a vida que ressurge com a nova Colômbia

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Foto: Reprodução ComunicaSul

Seu nome é Blanca Nubia Días, tem 73 anos, mora numa humilde casa no bairro Socorro, na periferia de Bogotá, e nos recebe com um abraço fraterno e uma máscara contra a pandemia.

Mais do que vir para a capital fugindo da morte ou do “desaparecimento” - como parte dos 7,5 milhões de colombianos obrigados a deixar suas terras para a bonança de latifundiários, paramilitares e traficantes - dona Blanca chegou há 25 anos para lutar por verdade e justiça para o marido e a filha. O líder social Rubén Antonio Loperena foi executado com cinco tiros na cabeça em 2000 e a filha, Irina del Carmen Villero Díaz, assassinada um ano depois. São dois entre tantos exemplos de abnegação e generosidade que a Colômbia irá resgatar neste novo tempo. Por terem sido declarados “crimes contra a humanidade”, não prescrevem.

“Estuprada por oito milicianos”

A sempre disposta e alegre militante da Juventude Comunista Colombiana (JUCO), combatente do narcoestado, defensora da reforma agrária e da justiça social, saiu de casa para nunca mais voltar com apenas 15 anos. Conforme testemunhas, “foram oito milicianos que, um após o outro a estupraram” na área de Cuestecitas, no município de Albânia, departamento de La Guajira. Depois de abusada com requintes de crueldade foi assassinada por paramilitares a serviço das forças de segurança dos governos - da Colômbia e dos Estados Unidos, via-de-regra assessorados por militares de Israel. Cumprida a ordem, foi esquartejada e enterrada num local de difícil acesso em 26 de maio de 2001.

A partir de então foram quatro meses de buscas incessantes e incansáveis, já que “qualquer um que podia dar a mínima pista foi ameaçado de encontrar o mesmo destino”. Mesmo após ter conseguido descobrir o paradeiro do corpo de Irina, dona Blanca precisou abandonar La Guajira devido a um ultimato. Era ficar e morrer. Ela e a família. Simples assim, um caminho sem retorno.

Indígena, foi apenas em 2010 quando finalmente teve acesso ao corpo da filha, realizando em agosto do mesmo ano o sepultamento conforme o ritual Wayúu.

Emocionada, nos conta ter denunciado o estupro e o assassinato de Irina ao Ministério Público local em Maicao, mas que tudo ficou por isso mesmo. Pior. Em 28 de julho de 2011 dois homens abordaram seu neto em Bogotá e lhe intimaram: “Conhecemos sua mãe e sabemos sobre sua avó Blanca Nubia, o que ela faz e com quem anda”. “De tudo fizeram para nos calar”, relatou, mas seguimos em frente.

Em 2 de setembro de 2016, segundo denunciou, “fui novamente abordada”. Desta vez por um agente legal ou ilegal que, com uma faca, chegou a lhe arrancar um broche que recordava a luta contra o desaparecimento forçado e avisou: “Se continuar a brincar, vamos cortar-te em picadinho”.

E as intimidações continuaram com o seu sequestro em 13 de janeiro de 2018 por desconhecidos que a forçaram a entrar em um caminhão, e voltar a lhe fazer ameaças. Após algumas horas, a deixaram em frente ao Centro Nacional de Memória Histórica. “Colocaram um pano na minha boca, me chamaram de ‘guerrilheira sapa’, cortaram o meu cabelo e me abandonaram. Depois de aparecer toda ‘tosada’, as Brigadas da Paz me levaram a um salão de beleza”, relatou.

Diante de tantos e tamanhos abusos, dona Blanca já fez ouvir a voz colombiana nas mais variadas instâncias como o Tribunal Constitucional, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Unidade de Direitos Humanos da Promotoria e os tribunais de La Guajira.

“Meninas com tiros na cabeça”

Em frente ao altar caseiro, a receptiva senhora recordou que “naquela noite quando levaram minha filha mataram mais meninas e várias outras desapareceram. Aquelas cujos corpos foram encontrados tinham tiros na cabeça. Haviam sido cortadas e enterradas em sacos plásticos”.

Segurando firme um cartão em que estampa a foto de Irina e a denúncia dos paramilitares, Blanca diz ter “fé e esperança numa nova Colômbia”, mas igualmente muita disposição de agir coletivamente para que as transformações finalmente aconteçam. Em razão disso trabalha para sobreviver confeccionando artesanatos e bolsas indígenas, utilizando o tempo que pode para agir junto à comunidade. “Tenho este pequeno altar e todos os anos também organizo uma atividade em sua memória, que é uma forma de lutar para que crimes como esse nunca mais se repitam”, acrescentou.

Mas, infelizmente, descreveu, o atual governo de Iván Duque manteve a mesma brutalidade e covardia em relação à oposição e, particularmente, contra a juventude, como demonstra a execução de outro parente: Duvan Felipe Barros. Antes de ser assassinado, ele foi barbaramente torturado por policiais da Tropa de Choque no dia 5 de junho de 2021 durante uma manifestação no Portal das Américas, hoje Portal da Resistência.

Duvan, de 17 anos, filho de Dolores Cecilia Barros Gomes - sobrinha de Blanca - foi visto pela última vez durante um protesto contra a política de submissão de Duque ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Seu cadáver foi reconhecido um mês e seis dias depois. Pelas terríveis sevícias a que foi submetido, os policiais só entregaram o corpo quando já se encontrava em decomposição. “Mas ainda assim as torturas eram visíveis, indescritíveis”, relataram em lágrimas os parentes.

Confiança em Petro e Francia

A verdade, explicou Blanca, “é que sempre estiveram no poder um bando de criminosos, um depois do outro. Agora temos confiança de que no governo de Gustavo Petro e Francia Márquez [recém-eleitos para a presidência e à vice] a justiça seja feita e a impunidade tenha fim”.

Atualmente, Blanca milita no Movimento Nacional de Vítimas de Crimes do Estado (Movice) - entidade da qual participa desde a sua fundação - e na Associação Nacional de Mulheres Camponesas, Negras e Indígenas (Anmuci), realizando debates em escolas e universidades para “combater o terrorismo de Estado e defender os direitos humanos”.

“Precisamos mudar este país e para isso necessitamos da unidade e mobilização de todos. Não podemos nos deixar intimidar. Somos muitas mulheres que ao longo do tempo recebemos ameaças e perseguições. Por conta disso, algumas se foram para o Canadá, para a Espanha e outros países. Eu não, porque lutar é uma forma de fazer com que jovens como Irina sigam vivendo na Colômbia que está surgindo”, concluiu.


Leonardo Wexell Severo é jornalista, especialista em Relações Internacionais e colaborador do Correio da Cidadania.

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