Correio da Cidadania

Bolivianos exigem punição ao terrorismo praticado por Camacho e suas milícias em Santa Cruz

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Farmácia da Central Operária Departamental (COD) de Santa Cruz foi saqueada e os aparelhos médicos e odontológicos roubados (LWS)
Rolando Borda, dirigente da COD, repudiou vandalismo (LWS)


Era uma sexta-feira, 11 de novembro de 2022. Idoso, Sebastián Canaviri Alvares tinha vindo do interior para o tratamento hospitalar de uma síndrome da filha, muda e cega, quando viu as hordas fascistas cercarem a sede da Federação Sindical dos Trabalhadores Camponeses do Departamento [Estado] de Santa Cruz. “Estávamos em cerca de 70 pessoas dentro do alojamento. Minha filha se encontrava comigo. Vi quanto a turba chegou armada, para matar, jogando bombas e dinamite, ateando fogo nas instalações da entidade. Tivemos que sair correndo pelos fundos para sobreviver”, relatou Sebastián.

Grávida, Ivanosca Teran Montaño também se alojava na sede, ao lado dos seus dois filhos pequenos, quando precisaram fugir para não serem vítimas dos terroristas. “Necessitamos deixar absolutamente tudo para trás e escapar apenas com a roupa do corpo, que é a que estou vestindo agora. Aconteceu bem rápido. Nossos colchonetes, lençóis, celular, tudo foi queimado”, lamentou.

Dirigentes da Federação Campesina, Crisostomo Galarza, Edwin Arce Cadima e Pedrillo Ortiz Montaño contam que até a Polícia foi hostilizada e não conseguiu sequer ultrapassar os bloqueios erguidos pelos milicianos do governador de Santa Cruz, Luis Fernando Camacho. [Na Bolívia, a Polícia é nacional}. “Quando os bombeiros chegaram, já era tarde demais, transformado em ruínas e cinza. Tudo já havia virado pó”, relataram.

A agressividade e a truculência dos marginais, a soldo dos grandes latifundiários contra os trabalhadores rurais, são resultado da impotência da exitosa política do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INRA), particularmente dos avanços obtidos no processo de regularização fundiária, que estará concluído até 2025.

“Censo foi cortina de fumaça”

Na mesma sexta, idênticas hordas arremeteram contra a Central Operária Departamental (COD), liderada por Rolando Borda, que foi ameaçado de morte e teve até um preço oferecido pela sua cabeça. “Utilizaram como cortina de fumaça o Censo de População e Moradia para tentar desestabilizar o governo do presidente Luis Arce. O que buscaram com esse ato de terrorismo foi um novo golpe de Estado, igualzinho ao que haviam executado em 2019”, condenou Borda.

O sindicalista esclareceu que “é óbvio que já sabiam que o censo não poderia ser realizado em 2023”. Primeiro, disse, “pelo golpe que eles mesmos haviam praticado quando colocaram Jeanine Áñez, como fantoche, à frente do seu governo”. Depois, acrescentou, “pela pandemia de Covid-19, que nos custou muitas vidas pela absoluta ineficiência como atuaram e pelos criminosos desvios que fizeram nos recursos da Saúde”.

Jeanine Áñez se encontra atrás das grades, cumprindo pena de 10 anos na presidiária feminina de La Paz. O então ministro da Saúde, Marcelo Narvajas, foi detido pela compra superfaturada de 170 ventiladores pulmonares, contestados pelas entidades médicas por serem totalmente inadequados para o combate à pandemia. Fugitivo da Justiça boliviana, o ex-ministro do Interior de Áñez, Arturo Murillo está preso desde novembro de 2020 nos Estados Unidos, acusado de suborno e lavagem de dinheiro por crimes contra o país do Norte.

Petróleo nacionalizado redistribuiu riqueza

A verdade, esclareceu Borda, “é que os golpistas, defensores do desgastado neoliberalismo, não aceitam o novo modelo econômico social, produtivo e comunitário, rejeitam a nacionalização do petróleo e do gás, que possibilitou a existência de um projeto de desenvolvimento e de programas sociais que redistribuem a riqueza nacional”. Entre outros “bônus” entregues pelo governo do Movimento Ao Socialismo – Instrumento Político pela Soberania dos Povos (MAS-IPSP) está o Juana Azurduy - para as mulheres jovens grávidas e bebês até dois anos -, o Juancito Pinto - para manter as crianças na escola - e o Renda Dignidade - destinado aos idosos que não possuem outra fonte de renda e às pessoas com deficiência.

“Os entreguistas queriam é que o nosso patrimônio permanecesse na mão de cartéis estrangeiros, por isso abominam a industrialização do lítio, os investimentos em ciência e tecnologia. Desejavam continuar parasitando esses recursos, nos mantendo dependentes, como sempre fizeram ao longo da história”, acrescentou.

Percorri a sede da Central Operária e constatei o tamanho da devastação causada pelos fascistas: equipamentos médicos e odontológicos roubados, uma farmácia destruída, funcionários aflitos sem saber a razão de tamanha aversão a quem mais necessita. “Isso aqui era de todos. Quando havia um problema, a pessoa e sua família vinham na COD para serem atendidas”, declarou uma trabalhadora, varrendo o entulho e os restos de vidro quebrados deixados pela turba.

Golpistas têm apoio da mídia venal

Durante todos os dias que durou a “paralisação” - como a ação golpista foi chamada pomposamente pela extrema-direita e sua mídia, - a Casa da Mulher, instituição que presta relevantes serviços à luta contra a violência, foi alvo de pressões e chantagens. Suas dirigentes constantemente ameaçadas. Bombas e foguetes explodiram ao redor da sede, ameaçada de invasão por mascarados cavaleiros vestidos de negro com cruzes estampadas nas costas – ao estilo Ku Klux Klan.

A raiva tem um componente machista latente: na Bolívia, as mulheres conquistaram 20 das 36 cadeiras do Senado (56%) e 62 das 130 da Câmara (48%). A política de “paridade e alternância” implementada pelo MAS-IPSP colocou o país andino no pódio da representação feminina no parlamento.

Integrante da Associação de Familiares e Mártires da ditadura de Hugo Banzer (1971-1978) e da Plataforma de Luta Contra a Violência à Mulher, Noemy Soto é uma das muitas bolivianas que não baixaram a cabeça diante de tamanha truculência, honrando diariamente a memória do pai, tombado na luta pela democracia e a soberania.

Altiva, da mesma forma que exige justiça para as vítimas do governo do general que, com o apoio ostensivo dos Estados Unidos, “torturou, assassinou e desapareceu patriotas bolivianos”, Noemy Soto denunciou os 36 dias a que ficou retida sob ameaça das “tropas de choque do governador”. “Tenho um pequeno comércio e, como não podia ir ao centro para me abastecer, tive de pagar os produtos pelo dobro do preço e assim tentar sobreviver. Tudo ficou bem mais caro e muita gente ficou desempregada. As coisas ficaram muito difíceis”, relatou.

“Impuseram um sequestro domiciliar, um estado de ódio e desrespeito que aprofundou o rancor. As tropas mercenárias foram atraídas pela euforia e por dinheiro, sendo jogadas como torcida contra o seu próprio povo”, afirmou. A senhora informou que “neste clima doentio de psicose coletiva, uma jovem foi dopada e abusada sexualmente num dos bloqueios”, que somaram inúmeras outras denúncias de crimes.

Em dois destes bloqueios, pessoas que retornavam do trabalho em suas motos tiveram a garganta cortada por fios de arame, impossíveis de serem detectados pela baixa luminosidade a altas horas da noite.

Ao longo do período em que durou a “paralisação”, “quando tentaram dividir a Bolívia confrontando a parte oriental com o conjunto”, destacou Noemy, afora a tragédia social das quatro mortes e centenas de feridos nos confrontos, as perdas econômicas superaram US$ 1,2 bilhão. A cifra é extraordinária para um país cujo Produto Interno Bruto (PIB) foi de US$ 40,4 bilhões em 2021. Com o prejuízo, as projeções são que a Bolívia demorará pelo menos quatro meses para recuperar a sua economia.

“Assim como lutamos pela justiça e contra o esquecimento, ergueremos nossas vozes para que Camacho e suas milícias paguem por cada um dos crimes cometidos”, concluiu Noemy.

Leonardo Wexell Severo é jornalista.

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